sábado, setembro 05, 2020

UM POUCO: 48 DIAS

 

Não há certeza nos dias. O relógio passa rápido para os sonhos que ficaram para trás, mas são lentos para os pesadelos que estão à frente. Não vejo muitas pessoas diferentes de mim: todos nós, no geral, estamos com um medo mais ou menos, uma vontade mais ou menos, uma depressão mais ou menos, uma fome mais ou menos, uma porção de coisas, mais ou menos. Os dias são lentos nesse mais ou menos.
Se os projetos engavetados não podem aparecer, outros deverão surgir. É o jeito nesses dias. Um projeto de algo que jamais foi pensado, pois é um projeto nascido do ócio, vingando qualquer atividade remunerada, feito à força e paixão, fórceps de nascimento criativo: o mundo exige a criatividade, a criação de um mundo aqui dentro, da sala para o quarto, do quarto para a cozinha: dormir, acordar. O ócio hoje é o dínamo da vida, não é mais o dinheiro a desculpa do arrastamento das coisas. O mundo estava tóxico, tudo muito mais que menos. Hoje, olhar pela janela e esperar o tempo passar é menos do mais.
São dias que o desespero chega de qualquer jeito, para qualquer um. Mas é como ventania fora de hora quando estamos numa pescaria em alto mar. É como gol contra no meio da partida: dá para virar. É como a vontade de comer um bolo de fubá que ainda está no forno. O desespero chega mais que o menos, mas ainda assim temos que fazer disso mais ou menos.
Estamos na mesma passagem das notícias, igualmente afetados pela vida que parece, de alguma forma, não ser mais do nosso domínio. Quem determina se vou morrer ou não? Que álcool em gel foi tão imprudente em me deixar pegar o vírus? Que horas esqueci de lavar a mão? O contaminado jamais saberá, mas precisa continuar perguntando, pois é a única forma de explicar que não há punição divina.
E a culpa, nos dias de hoje, é sempre uma saída de casa mas ou menos, é sempre usar a máscara mais ou menos, é sempre esquecer de todo o cuidado, mais ou menos. É imaginar que estamos sendo protegidos pela divindade, mais ou menos. Pois nossa vida hoje, desses mais ou menos, só tem mesmo qualquer segurança na nossa decisão de fazer sempre do menos, muito mais.

02.05.2020

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