sábado, setembro 05, 2020

 NAS ÚLTIMAS HORAS

Vi de tudo, mas não compreendo muito mais que o necessário. Já é o bastante saber que o veneno, ainda que lento, mata do mesmo jeito. Vi mais que queria, pois vi com os olhos curiosos em querer, mais e mais. Vi gente morta andando pelos corredores onde um cheiro insuportável tomava as feridas e o resto de dentes na boca. Vi além, mas não queria mesmo. E todos assistiram o enterro de sua última quimera: era feliz e não sabia. Todos viram, aplaudiram e foram embora como se não devessem nada. É assim mesmo a ingratidão e a inimizade. Muitas fiz, muitas nem quis ofender, pois todos estavam ali, diante de mim, se torturando, se matando e se caluniando.
É a lama que devemos nos acostumar por aqui, onde miserável é o homem que mata por qualquer paixão: política, religiosa ou sem noção. Todas as paixões são mortais, felizes ou não. Vamos nos acostumando ao desacato de tantas mentiras e insultos, e vamos repelindo quem amamos e vamos nos isolando acidentalmente em nossas convicções que nem sempre são verdadeiras e confiáveis. Esse mundo em que o beijo, amigo, é véspera do escarro; toma logo teu cigarro e saia desse mundo que não é mais viável.
A mão que escreve tão doces palavras, é também vil em apedrejar quem quer que seja. Caí nesse abismo de arrumar inimigo onde quer que seja, de dizer palavras tão duras para quem quer que ouça; a mão que afaga é também a que jorra tantos desaforos intermináveis aos ouvidos de quem não quer ouvir. Ando mesmo errado, subestimando minha porção tão criminosa e indecente, que vê na violência, às vezes, na morte, qualquer coerência.
Sei lá, um sentimento que não pode ser igual ao deles, pois eu não sou tão eles assim. Nós e eles, numa dicotomia que tomou mais que a ideologia, mas o desenho que se faz para o mundo. Um rascunho daquilo que queremos de melhor para o mundo. E de repente, meus rabiscos começaram a comemorar aquilo que eu não devia, esquecer de lutar por aquilo que queria.
Nessas mentes que povoam minhas discussões, mora em figuras engraçadas; ocultas nas anedotas tão sem graça, princípios que não quero para minha vida. Essas mentes que lotam minhas páginas em branco, de manhã e de tarde e de noite, todos são feras que querem acabar com tudo. E esse desejo de ver tudo tão destruído também me faz fera. Causa, pois, pena minha chaga, de odiar tanto o que eles falam, de escrever tudo que eles ditam.

18.08.18

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