quinta-feira, janeiro 22, 2015

POLITICAVOZ: Não sou conduzido, conduzo.

 

São Paulo num aniversário sem qualquer festa. Terá um bolo, cantaremos parabéns; beberemos alguma coisa. Mas tudo será fúnebre. Uma festa para cobrir o protocolo histórico, mas sem qualquer comemoração. São Paulo não tem qualquer motivo para festa. Não há felicidade, amor e humildade para se desejar ao aniversariante. Vivemos uma crise. Aliás, várias crises que podem não estar ligadas, mas estão correlacionadas. São Paulo é um efeito borboleta complexo. Vamos chegar ao festejo com roupa de gala, mas cada um dos convidados, ao seu estilo, carregará uma justa e diferente frustração.

A cidade que me deu a vida, não me dá abrigo. Deu-me a liberdade, mas não a escolha. Deve-me, portanto, sinceridade. Em cada ponto de ônibus, hospital, posto de saúde; deve me dizer a verdade. Cidade extremamente cara em seu requinte, pobre em sua individualidade. Cada um por si, dinheiro sonho de todos. O carro, o tênis; o perfume nas Madalenas, Jardins; Afins e Alamedas. Vamos beber gasolina qualquer dia desses. Cidade que cheira fumaça, diesel e cigarro sem filtro. Beleza que Narciso acha feio nesse espelho do resto do Brasil: aqui somos um pouco de tudo e quase não somos nada.

Em São Paulo, de “Lobatos”, “Alvares”, “Tarsilas”, “Andrades” e “Mários”; não há espaço para devaneios. Sonho aqui é fuga. Êxodo para um lugar melhor: Rios que não correm apenas em janeiros, fortalezas de nossas escolhas; qualquer um salvador. Vamos para um porto alegre desse nosso belo horizonte que é fugir da poluição, dos carros e dessa multidão ao nosso lado. Mas não: amamos essa bagunça, amamos perder a noção, amamos sermos exatamente como somos.

A semana moderna é o muro grafitado. Crônicas diárias da violência, dos meninos nos faróis; da nossa solidão e desumanidade. Não nos julguem; amigos brasileiros, somos muito mais sozinhos que vocês imaginam. E nesse orfanato; Pedro brigado com Paulo; que desconfia de Deus e sua chuva. São Paulo, na descrença, pense em se tornar novamente Saulo, caindo não apenas do cavalo, mas do trono que sempre quis para si. Como se fosse o melhor povo, escolhido e que sabe escolher (votar). Uma locomotiva que virou carroça sem freios; e que tem o destino triste de morrer com sede e na brasa do seu rigoroso verão.

Mas, com essa festa toda; melhor não pensar em coisas ruins. Faremos a festa, sim. Trazendo a cultura de todo o lugar do mundo, pois a festa não é nossa; a cultura e a comida já não é mais nossa exclusividade; mas dinâmica e orgânica. Nossa cultura de ontem com hot dog e cinema; hoje é BBB e sushi congelado. Amanhã? Quem sabe quadros no MASP e Food Truck. Comemos bem, bebemos bem; trabalhamos muito e dormimos mal. Mas adoramos a sexta-feira como refúgio; e feriados como presente divino.

Pena que nosso feriado este ano cairá num domingo.



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quinta-feira, janeiro 08, 2015

A noite que dormi na Sunset Boulevard



Pássaros? Não havia. Somente nuvens negras de um final de tarde de verão. Elas afugentam qualquer animal que voa. Nuvens de dia de verão, com temporais. Aquilo tudo me fez lembrar quando eu tinha doze anos. O mesmo pensamento desde os doze anos. Aquele não foi um ano especial, como nenhum outro que eu tenha vivido. Mas, alguma coisa aconteceu quando eu fiz doze anos que eu não me lembro. Mas está dentro de mim, silencioso. Talvez a puberdade. Não sei quando cheguei à puberdade, só me lembro de quando me apaixonei pela primeira vez, e isso foi com dez anos. Naquele dia, da paixão da inocência, as nuvens eram de verão também, mas não eram tão negras.

Houve um tempo em que os pássaros não temiam absolutamente nada.

Na rua os carros passam lentamente. Minha cabeça tenta controlar o movimento de todos eles: ir e vir. Pessoas, carros e animais; tento dominar todos eles. As nuvens sempre se movem lentamente, não me preocupo com elas. Mas as pessoas? Estas sim precisam do meu comando, que segue seu caminho como numa espécie de telepatia. Não é telepatia, é alguma coisa muito próxima a isso. Eu olho para as pessoas e faço com que elas caminhem. Que peguem uma bituca de cigarro no chão, olhem para o alto e se despeçam com um aceno. Que sorriam para mim, isso é importante lembrar. Algumas se apaixonam, mas é muito raro.

Outro dia, um acontecimento diferente: Um carro parou bem na minha frente. Uma mulher alta e com cabelos lisos sai do carro. Suas pernas, seu rosto; tudo parece conhecido. Só o perfume que eu nunca tinha sentido. Não é ninguém da televisão, tenho quase certeza. Ela fecha a porta. O carro segue seu caminho (que eu desconheço). A mulher sobe na calçada. Pula calmante a água suja que corre para o esgoto. Ela anda com dificuldade por causa do salto alto. Mulheres sempre são charmosas usando salto alto. A imagem se repete pelo menos mais três vezes em minha cabeça: carro chega, mulher salta; caminha. Ela some. Também não sei para onde ela foi.

Alguma coisa aconteceu comigo quando eu tinha doze anos.

As nuvens? Feias. Cheias e negras. Daqui a pouco vai chover. E a chuva que chega ao final da tarde, sempre tenebrosa. As ruas virarão riachos, avenidas mares. Quantas pessoas no meio daquela aguaceira? Algumas dezenas de pessoas somem no meio da tempestade e não nos damos conta. Se agora uma avalanche me carregar para os confins do inferno, ninguém saberá. Mas eu mereço o inferno? Talvez o desastre me leve para o céu. O céu deve ser maravilhoso, pois está perto das nuvens brancas.

Lá no céu, eu construiria uma casa com o suor do meu rosto - Almas não transpiram (que eu saiba) - Bom, mas eu não sei muita coisa, afinal. Então, construiria um castelo, como um desses que eu vi numa rua famosa nos Estados Unidos: Sunset Boulevard. Isso mesmo, castelo no céu onde eu pudesse morar e criar uma família. Não sei como é o céu, também não sei como é o inferno; portanto, os dois podem ser bons. Não acredito no que as pessoas falam, principalmente por entender que elas podem não saber mais do que eu sei.

A mulher volta. Fica parada na minha frente. Ela está com medo de mim, a todo custo tenta me ignorar. Os pássaros me ignoram também, mas eles não pensam. A mulher com vestido vermelho que tem um corte que começa na altura do joelho. Eu me levanto, vai chover. Eu me aproximo, peço um cigarro. Ela assustada não diz nada. Ajeita a bolsa, segurando com mais força do que o habitual. Pergunto se ela conhece o céu ou o inferno.

Silêncio.

Eu novamente peço um cigarro. Parecia simples que ela me dissesse um sim ou um não. Ela reluta, não responde. As pombas me ignoram também, elas também não sabem pensar. A mulher que tem cabelos longos e loiros fuça na bolsa, tira um cigarro. O carro chega. Ela me dá o cigarro. Ela entra no carro. Agradeço, ela sorri. Eu a conheço de algum lugar. Seria alguém da infância? Alguém da adolescência? Alguém da minha morte? Alguém quando eu tinha doze anos? Jogo o cigarro no chão, eu não sei fumar.

Começa a chuva. A chuva sempre me faz correr para algum lugar que eu não conheço, mas sei que lá estarei seguro. Tantas vezes levou corpos, lavou almas; não me levou ainda. A chuva vai parar daqui alguns minutos. E eu imagino sempre voltando para a mesma calçada, para onde consigo fazer com que as pessoas façam exatamente o que quero: “Um cigarro, por favor”. Só não controlo as nuvens, minha memória e os pássaros que voam.

Pássaros? Foram embora quando eu tinha doze anos.







[1] 08/2011