quarta-feira, setembro 16, 2020

A PRAIA NUNCA ESTEVE TÃO LONGE

 


Ponho os pés na areia, cada passo uma vitória. Não, eu não sofri nenhum acidente que me impossibilitasse qualquer movimento. Ando de forma normal, mais lento de quando era mais novo. Um pé de cada vez. O vento, o cheiro e o barulho. O sol ainda não era quente, mas já sentia o calor na pele, a boca seca e uma ardência nas costas. Não era o dia mais quente daquelas férias, mas era o dia mais bonito de todos.

Um pé, outro pé. Umas duas crianças passam correndo por mim. Saem em ziguezague pela praia, chegando em poucos segundos na água. Eu quero curtir cada minuto até que a primeira onda me atinja em cheio, quase me derrubando no chão. Então, passam as mães, transloucadas atrás dos filhos. Eu estava sozinho, pois sempre sonhei sozinho. Nos meus sonhos, quando não estou em preto e branco e sozinho, estou apenas sozinho. Tem sonho que eu não lembro, mas aquele era bem real. Então, pé ante pé, vou sentido o vento, bebendo as gotículas daquela água salgada que bate nos lábios, como enamorados; tão decididos.

Passo por uma barraca velha e abandonada de pastel e batida, de cerveja e água gelada. Umas cadeiras dependuradas, guarda-sol enferrujado. Não era abandonada, tinha uma senhora tomando conta, mas era melhor que não tivesse ninguém, seria a desculpa do desleixo. Ando devagar, passo pelas mães que estão esparramadas na areia, delicadamente seus corpos distribuídos no terreno desnivelado. Continuo andando, embora uma troca curiosa de olhares.

Passo pelas crianças, tão barulhentas.

O primeiro pé que chega na água é o direito, tenho inúmeras superstições, mas o pé direito é o que mais me incomoda. Algumas vezes chego a me atrapalhar no passo, quase caindo, quando tenho que entrar em algum lugar, ou sair dele, com o pé esquerdo. Esquerdo jamais. Então, com o pé direito a primeira onda, os dois pés a segunda; o corpo a cintura, depois o corpo e a mente, a alma e tudo que precisava ser liberto. O sol eu não via, mas o mar completo estava bem na minha frente, em todo o corpo; e eu já não tinha mais tanta vontade de sair com o pé direito, ou esquerdo.

As crianças, ora. As mães, ora. A senhora, ora. O tempo, ora. Que férias, ora.

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