quarta-feira, setembro 26, 2007

Mandada

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E desse feitiço, de quebra;
De arrumar saia, de fugir de si
Esmaga a serpente que envenena.
E já era, está feito, de amor
De ódio ou de inveja que morde.
E se mandou, mando de volta;
Quero bem, mas não me incomode.
Se dançar na mesa, música sem dança.
Também faço maior confusão
Dentro de sua casa.
Cobiça é para demo, e palavras
Ao inverso, são dos deuses.
Poema não bota fé, nem tira:
Mas a raiva tem coragem onde
Ninguém admira.
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Ando com essas dúvidas.
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E desse privilégio, não quero.
Manda-me embora, onde se engana.
E já foi, está feito, de amor
Ou ódio, palavra ao vento, não volta.
Quero bem, mas não me amole.
Se matar-me pelas costas, dou a frente.
Também faço loucura,
Dentro da sua cabeça.
Carniça é para abutres, e a carne
Viva sempre vêm do ventre.
Poema sem fé, serve para poucos:
Mas se sirva das formas
Que eu já desuso.
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sexta-feira, setembro 14, 2007

Paz

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A paz, que invade; violenta.
Quer ou não quer, arrebenta.
A paz dos dias e das formas
Das cores lúcidas e das vozes.
Essa paz, que não quero;
Que não me serve.
Não me responde nada, nem adverte.
Jogaria no lixo sem arrependimento.
Jogaria dado, para o destino.
Esconderia a paz dos meus dias.
Infiltraria nos músculos,
Nos glóbulos, enxergaria.
Se gritos: haveria guerra.
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Mortes, cortes e afogamento.
Sangue jorra pela pele,
Arranca os ossos com os dentes.
E essa paz que não me serve?
A paz transparente, sem vida e serena.
Minha paz seria luta para outros.
É que preciso desse termo;
De me arregaçar onde seco.
Preciso de coisas, odores;
Do movimento brusco, do ódio.
Preciso parar onde possam
Arrastar-me por correntezas,
Por injúrias, dores e doenças.
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Haja guerra!
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Que me toquem. Que me fucem.
Que me maltratem sem silêncio.
Puxem meus braços, cuspam na cara.
Que tirem minha comida;
Que enjaulado me amordacem.
Que me interfiram; que suguem.
Que façam tudo, que eu chore;
Que ame desesperadamente.
Que precise de água, de velas.
Que precise restaurar as idéias.
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A paz que tive, nesses dias,
Serviu apenas para saber quem eu era.
Essa paz que não me serve,
Essa resposta que eu não quero.
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Haja guerra!
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Que me esqueçam os dias,
Que me construam indiferente:
Mas que na paz, não me encontrem.
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quarta-feira, setembro 12, 2007

A Ponte

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FOLHA 06/05 – A PONTE (20/01/2005)
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Chove, a água suja. Chafariz. Era o chafariz que fazia aquelas gotas caírem em sua camisa, molhar sua calça. É claro, ainda tinha Sol. Não importava agora o que estava acontecendo, ele estava decidido em fazer muitas coisas. Continuou andando, ignorando os esbarrões, se é que eles aconteciam. Tinha uma única certeza: não se importava mais com as pessoas. Ele continuou andando, decidido.
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Carregava uma sacola, dessas de plástico. Algumas roupas sujas, uma carta, uma maçã e um relógio sem bateria. Andava depressa. Parou para olhar meia dúzia de pombas. Em sua cabeça imensos dragões cuspindo fogo. Era assim que via as pessoas, os animais: imensos monstros. Odiava todos eles. Queria matá-los, mas não podia. Enfim percebeu que estava perdendo tempo olhando aqueles bichos, tinha um plano na cabeça; era o grande momento.
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Parou na barraca de pipoca. Lembrou da infância. Sempre encontramos alguma coisa que nos faz lembrar da infância. Bola, chiclete, sorvete, desenho animado, nossos avós. Sempre lembramos de nossos avós quando ficamos velhos, queríamos ser igual a eles? Pediu um saquinho de pipoca doce. Cheirava manteiga com açúcar. Pôs a primeira na boca, as lembranças vieram. Uma após uma, cada vez mais lembranças. Quis chorar, mas sabia que seria ridículo. Nesse momento ele tinha que se manter forte, ele sabia disso. Mesmo com alguma alegria, sua cara continuava carrancuda.
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Continuou caminhando em direção ao seu destino. Nem sabia direito qual era, sabia que devia estar lá o mais rápido possível. Tinha ódio, raiva. Pisava firme no chão, a cada passo. Sentiu a paixão sumindo, evaporando. A dor de uma paixão nunca evapora, dispersa. Fica concentrada num único lugar: no peito. Ele sentia uma angústia tremenda no peito. Alguma coisa foi arrancada, quem dera fosse um braço, uma perna. Podia ser os olhos, meu Deus! Ele pensava nisso como se fosse adiantar alguma coisa. Estava sem coragem ainda, mesmo com tanto ódio ainda não lhe faltava coragem.
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Água ardente desceu no peito. Não curou nada, ainda sentia a dor. Pediu mais uma, nada. Nenhuma droga o faria esquecer a paixão. Nada lhe arrancaria o desejo de ter Isabel em seus braços, de beijá-la. Desejou não estar vivendo aquilo, que fosse um pesadelo! Teria que acordar, um dia. Continuou andando. Pensava na última dança, ela disse alguma coisa em seu ouvido. Ele ainda sentia o corpo de Isabel perto do seu, ainda se sentia excitado; ainda sentia a voz. Parou. Seria certo sua decisão? Estava mesmo tão angustiado? Sentou no chão, a sacola tinha sido esquecida no bar.
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Do outro lado da rua um assalto: pegaram a senhora e a jogaram no chão. Roubaram alguns míseros reais. Os moleques nem imaginam que com aquele dinheiro não comprariam nada, nem maconha. A velha ficou pedindo ajuda, parecia ter se machucado. Odiava velhos, dane-se os velhos! Algumas pessoas chegaram para socorrer a senhora, puseram-na em um táxi. Iam para o hospital. Que droga isso tem com os meus planos? Ele pensou. Já está tudo decido, dane-se também a sacola.
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Chegou na ponte. Tinha decido desde manhã que iria pular. Não iria mudar de idéia assim tão rápido. Pensou nisso todos os dias, desde que Isabel o abandonou. Não tinha dinheiro, não tinha amigos, não prestava para muita coisa. Considerava-se um verdadeiro estorvo para a humanidade. Qual o motivo de não pular? Não existiam muitos, ele sabia. Ponderou. É terrível ponderar nesta situação. Olhou para baixo os carros passavam em alta velocidade.
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Teria que ser rápido. Não poderia subir na ponte e ficar olhando para baixo, com medo. Todos iriam achá-lo mais fraco ainda. Se caísse também seria considerado um fraco, mas quem sabe alguém o admirasse. Ele sempre admirou as pessoas que se suicidam. Quer dizer: também achavam essas pessoas fracas. Ele iria se atirar, não havia nenhuma dúvida.
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Correu desesperado em direção ao abismo. Até correr era difícil quando se sabe as conseqüências. Se fosse uma linha final, numa corrida qualquer, ele tiraria forças de todo o seu ser, iria correr mais rápido; até o seu limite; seria vencedor. Não era o caso. Se arrependeria nos segundos finais de seu vôo? Tentaria voar de volta? Iria torcer para cair em algum lugar seguro, não se esborrachar? Não, não pode pensar nisso. Se está correndo é porquê sabe o que deve acontecer. A decisão devia ser muito rápida.
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Saiu correndo, para nós, era como se tivesse sendo carregado. Ele também sentia um peso em suas costas, sentia como se estivesse amarrado. Não era possível parar agora, tinha que continuar correndo. Estava próximo, alguns centímetros. Não estava arrependido? Estava, não estava. Não adianta pensar nisso agora, ele deu a partida.
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Seus passos eram leves, mas duravam muito tempo. Em cada passo, em cada nova etapa, lembranças ficavam para trás. Lembranças boas e más, qualquer lembrança. Sentia-se mais leve, quase flutuando. Voltara a sorrir, nos últimos centímetros estava sorrindo. Chegou perto, muito perto de pular. Lembrou da chuva, da pipoca, da Isabel. Um homem sem lembrança não era ninguém, nem poderia estar sofrendo, nem poderia querer a morte. Foi diminuindo a velocidade, mais lento ainda a imagem desenhada naquela ponte. Foi parando. Parou.
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Olhou para os lados e percebeu que ninguém estava interessado na sua tentativa absurda. Ninguém deveria mesmo se importar com ele, estava sendo fraco. Era um homem sem lembrança, sem desejo. Poderia começar tudo de novo, deixando de cometer os mesmos erros. Poderia procurar uma outra esposa, outros amigos. Poderia nascer novamente. Se a tentativa da morte não deu resultado, a da vida tinha lhe dado nova chance.
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