terça-feira, março 24, 2009

Um algo estranho

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Não disforme, espelho quebrado.
Sem cheiro, o nariz escorre.
Sem gosto; a boca....
Seu nome; qualquer nome.

Não preciso dizer que te amo.

Meu corpo estremece.
Os olhos embaçados,
sei que está perto, mas
não quero te encontrar
sempre do mesmo jeito.

Meus sentidos se misturam:
Os olhos, a boca, o nariz.

Somente a pele continua sendo
alguma coisa importante,
misturando nossos gestos.

Por isso não preciso dizer que te amo.

(2006)
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quarta-feira, março 11, 2009

Cartas ao Vento - 021

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Descobri semana passada o que significava o prêmio de melhor fotografia.

Não conheço cinema. Não sei falar sobre cinema. Confesso que conheço cinema como conheço literatura. Culinária. Química. O cinema como forma de arte, assim como pintura. Desconheço qualquer forma de arte, em seus aspectos técnicos e teóricos. Conheço cinema em sua prática: gosto ou desgosto. É assim. Pintura: legal ou não. Isso mesmo, cinema em breves comentários: legal, chato, curti; não gostei. Quase um tratado de ignorância todos os comentários que eu fizer sobre cinema.

Pois bem, li um comentário sobre o prêmio de piores filmes, o famoso “Framboesa”. É fácil decidir o pior, em suas categorias ruins, muito ruins e péssimos. Não precisamos de comentários técnicos sobre cinema ruim já que parecem também ter sido gravados sem qualquer critério. São filmes ruins, chatos e indecentes. Filmes temporais. Concordei com a premiação, mesmo não entendo nada do que o sujeito estava falando no texto.

Mas, o interessante dessa carta nem é o cinema, nem a literatura; nem a culinária ou mesmo a química. O que me interessa nesse texto é uma definição que eu sempre procurei me ocupar, mas que jamais consegui o melhor resultado. A pergunta é: qual a definição de arte?

Lembro-me de uma pergunta dessa, feita num passado não tão distante, por um amigo. Ele me perguntou se eu achava moda uma arte. Bom, escrevi três textos como resposta, mas nunca tive coragem de enviá-los ao meu amigo. O primeiro texto resumido: arte é a imitação da vida. No segundo texto: a vida é uma representação da arte. O terceiro texto: quem nasceu primeiro? O círculo continua na minha cabeça, deixando-me sem saída.

Desisti de pensar que a vida imita a arte, ou quem representa o que.
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terça-feira, março 10, 2009

Omisso

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Contarei sobre mim três mentiras,
E apenas uma única verdade.
Duvidarão de todas, mas ouvirão quietos.
Dizer-ia a morte, mas ninguém acreditaria.
Que a fome, mas todos duvidariam.
A mentira, que contarei um dia;
deve ser tão próxima a verdade,
que os cépticos se submeteriam.

Não vivo mais nessa terra.

E as mentiras, tão dilaceradas;
Servirão de irá, em meu corpo.
Pequenos pontos perfurarão minha pele,
Acreditando que dali não houvesse sangue.
É por ele, sangue, a mentira que eu decido.
Que não corre mais nas veias;
Por infortúnio ou descaso,
Ou desgosto ou covardia.

Morro pelo sangue que me apavora.

E as paixões, outras mentiras,
Que fazem o coração pequeno,
Mostrarão aos impacientes,
A cura inversa no engano.
Morrerei mais pela falta da paixão,
Do que pensar em seu excesso.

E destruído pela paixão, me incomodo.

E feliz viverei na desilusão,
Como qualquer outro ser humano.
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sexta-feira, março 06, 2009

Arrependimento

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A paisagem desse meu caminho,
De volta onde não saio.
Lugar solitário, sem qualquer vento.
Onde se esconde paixões e esquecimento.
Nos morros meus gestos, cravados;
Na grama a calamidade dos meus sonhos.
Quem me leva, segurando minhas mãos?
Minha plenitude otimista ou verbo derrotado?
E grito, mesmo que ninguém ouça:
Grito como liberdade desse tormento.
Se soubesse lhe dizer coisas, teria dito.
Mas como só sei fazer coisas, me arrependo.

Se soubesse o caminho de volta, estaria indo.

A paisagem continua, numa negritude
Os pés na lama, sem movimentos.
O lugar que solitário, provocando medo.
Os rostos esquecidos, me dizendo coisas.
Quem é você que me puxa para o lado?
Quem sabe eu mesmo, precisando de ajuda.
O mais certo é o eco, do meu grito escondido.
De quem quer dizer, mas dizer arrependido.
Quem me leva embora, nessa hora intensa?
A liberdade dos ventos, que na hora inexiste
Ou a chuva rala, que lava meus pensamentos?

Se soubesse como era, jamais teria feito.
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Cartas ao Vento 020

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O mundo está fedendo. São pessoas, comidas e flores. Os cheiros estão cada vez mais fortes, misturando-se com a poluição e as coisas deterioradas. Tomate tem cheiro de inseticida. Chocolate tem cheiro de manteiga, que tem cheiro de leite azedo. Tantos cheiros e tantos gostos. O olfato está sendo o sentido que mais perde especialização. Olhar cores ainda parece não ser tão deprimente do que sentir cheiro de alguma coisa.

Pessoas em conglomerados, em dia quente de verão, são usinas orgânicas de fedor. Todas contribuem um pouco com o cheiro, que se mistura no ar, envolvendo qualquer nariz que seja. Pessoas cheiram marmita azeda. Cheiram tapete molhado. Cachorro em dia de chuva. Pessoas estão cheirando guarda-chuvas molhados e esquecidos nas bolsas durante duas semanas. Não importa o perfume borrifado, o cheiro continua horrível e enjoativo.

Não é falta de banho, é o próprio banho que faz com que pessoas fiquem fedidas. A água tratada não se livra do resto de dejetos despejados diariamente nos esgotos. Água potável não existe, água inodora é quase um milagre. Saímos do banho mais fedido do que quando entramos. Esfregamo-nos freneticamente com banha com essência de frutas, flores e plantas exóticas do Amazonas.

Melhor seria a imersão em barro terapêutico, certificado por alguma divindade.

Eu me choco com as pessoas, e seus cheiros agora me pertencem. Também contribuo com os outros, dando-lhes um pouco do meu fedor. Uma fetidez inexplicável de cigarro, bebida, grama, banha, vela; um cheiro de alface, cebola, alho e arroz cozido. Um cheiro de maçã, limão e banana podre na fruteira. Cheiro de terra molhada. Só não sentimos ainda alguns odores, como o da luz do sol ou das formigas. Formiga não tem cheiro enquanto vivas, mortas e pisoteadas cheiram azedume.

Formigas mortas cheiram humanos vivos, quase sempre.
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