terça-feira, setembro 29, 2020

Página 76

 "Tinha preocupação com o corpo,  a estética e a sedução.  A juventude carregava o brilhantismo da  conquista. Mas, ao mesmo tempo,  tudo é tão vulgarmente belo, que da beleza em si pouco se esperava. O tempo é o inimigo oculto que  destrói toda essa insuportável contemplação do corpo. Vemos, aos poucos,  que não só a pele se renova,  jogadas pelos cantos da casa. Mas somem também músculos,  cabelos e brilho no olhar. Da pior experiência que tive,  não ter café da manhã com bacon foi a mais horrorosa.  Vivo,  hoje,  prefiro passar longe do espelho. Ignorar álbum de fotografia.  E jamais pensar no corpo, mas só torcer para acordar vivo... "

quarta-feira, setembro 16, 2020

A PRAIA NUNCA ESTEVE TÃO LONGE

 


Ponho os pés na areia, cada passo uma vitória. Não, eu não sofri nenhum acidente que me impossibilitasse qualquer movimento. Ando de forma normal, mais lento de quando era mais novo. Um pé de cada vez. O vento, o cheiro e o barulho. O sol ainda não era quente, mas já sentia o calor na pele, a boca seca e uma ardência nas costas. Não era o dia mais quente daquelas férias, mas era o dia mais bonito de todos.

Um pé, outro pé. Umas duas crianças passam correndo por mim. Saem em ziguezague pela praia, chegando em poucos segundos na água. Eu quero curtir cada minuto até que a primeira onda me atinja em cheio, quase me derrubando no chão. Então, passam as mães, transloucadas atrás dos filhos. Eu estava sozinho, pois sempre sonhei sozinho. Nos meus sonhos, quando não estou em preto e branco e sozinho, estou apenas sozinho. Tem sonho que eu não lembro, mas aquele era bem real. Então, pé ante pé, vou sentido o vento, bebendo as gotículas daquela água salgada que bate nos lábios, como enamorados; tão decididos.

Passo por uma barraca velha e abandonada de pastel e batida, de cerveja e água gelada. Umas cadeiras dependuradas, guarda-sol enferrujado. Não era abandonada, tinha uma senhora tomando conta, mas era melhor que não tivesse ninguém, seria a desculpa do desleixo. Ando devagar, passo pelas mães que estão esparramadas na areia, delicadamente seus corpos distribuídos no terreno desnivelado. Continuo andando, embora uma troca curiosa de olhares.

Passo pelas crianças, tão barulhentas.

O primeiro pé que chega na água é o direito, tenho inúmeras superstições, mas o pé direito é o que mais me incomoda. Algumas vezes chego a me atrapalhar no passo, quase caindo, quando tenho que entrar em algum lugar, ou sair dele, com o pé esquerdo. Esquerdo jamais. Então, com o pé direito a primeira onda, os dois pés a segunda; o corpo a cintura, depois o corpo e a mente, a alma e tudo que precisava ser liberto. O sol eu não via, mas o mar completo estava bem na minha frente, em todo o corpo; e eu já não tinha mais tanta vontade de sair com o pé direito, ou esquerdo.

As crianças, ora. As mães, ora. A senhora, ora. O tempo, ora. Que férias, ora.

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Não saber: o meu realismo

 

Não há nada melhor que não saber. E se chega a essa conclusão, sabendo. Procura-se mais, mais se quer saber. Não há nenhum contentamento quando chegamos num local do conhecimento, preciso que é. Pois, além dele, sempre haverá alguma coisa falha, uma decisão inconsistente, determinada ciência incoerente. Sim, eu passei as minhas férias lendo, estudando e escrevendo. Eu não tinha para onde ir, nem lugares para visitar; pois tudo está fechado, ou parcialmente fechado, ou não querendo de fato receber gente.
Eu pensei uma vez: se eu estivesse numa guerra, escondido dos ataques inimigos; visto não ser um homem prudente que luta contra qualquer um que seja, como manteria meu tempo sem ficar louco? Primeira coisa: cuidaria das minhas plantas para ter o quê comer. Segundo, cuidaria dos animais, caso a coisa se complicasse de vez com a guerra. Terceiro, zelaria pelas pessoas confiadas à mim, dando-lhe segurança. Quarto, escreveria um livro contando minha história na guerra, ou fugindo dela. Quinto, iria ler todos os livros que pudesse.
As três primeiras coisas são bem específicas, a quarta eu fiz parcial, escrevendo algumas crônicas sobre a pandemia que foram recusadas - e até hoje eu não entendo o motivo - e quinto, li muitas coisas, estudei tantas outras; eu me atrevi até dar aula, coisa que me parecia sem cabimento em qualquer época. A pandemia foi algo que me assustou, mas também deu um certo limite a minha mesmice: eu precisei inovar, ainda que não de forma completa o meu "eu tão inferior".
Assim, chegando ao final das minhas curtas férias, não posso dizer que foi um desastre completo. Em outras épocas eu me sentiria satisfeito em assistir alguns filmes, ouvir música ou mesmo escrever algumas bobagens. Hoje eu quero mais, quero um pouco da inibição dos jovens, da imprudência das crianças e do dinheiro dos milionários. Eu não posso mais ser as três coisas, por isso devo me contentar com um novo elemento que está bem nítido em minha atual fase existencial: o realismo.
O realismo me diz: acabou a farra, segunda acordo cedo.
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sábado, setembro 05, 2020

Retomado, recriado: há reputação?

Nem sei ao certo, busquei os poemas que estavam espalhados por aí e resolvi postar todos aqui. Eu tinha largado mão, meio que sem motivo de continuar. Também não tenho motivo nenhum para retomar as postagens. Mas, nem sempre as coisas são completas na finalidade, às vezes, como agora, são boas mesmos quando meios.

Então, busquei alguns textos e publiquei. Não foi uma tarefa fácil, e acho que ainda não acabei. Escrevo todos os dias, ou quase todos, nem tudo é publicado, nem tudo presta. Também aqui, agora com essa pesquisa, posso dizer que escolhi os melhores. Apenas pesquisei nas diversas fontes e trouxe para cá, do jeito que estavam. Alguns são ruins, mas eu sou suspeito. Tomem suas considerações.

Não estou, portanto, recriando esse espaço. Talvez ele continue sendo ignorando sistematicamente. Isso não é importante, pois penso que um dia, ainda que não esteja aqui para saber disso, os poemas serão lidos e apreciados. Ou não. Não sei como será minha reputação, ela importa, mas não me define.

Assim, segue mais uma porção de textos, poemas e reflexões, para quem quiser, para quem não quiser também. Eu preso a liberdade, liberdade que não tenho dos meus textos, agarrados em mim, mesmo aqueles dispersos...



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Feliz dia do Escritor


" ....e eu preciso de um livro.

Não da biblioteca que está na estante.

Mas um livro publicado.

E assim, e só assim, posso me dizer escritor.

Não adianta milhares de palavras, conceitos; sentimentos. Não adianta tinta, lápis; folhas e folhas, se não existir o livro.

Não há regra, mas há modo.

E sem modos, não sou escritor.

Mas, ainda, escrever por si, já é o bastante. Dizer nos muros. Dizer nas entrelinhas. Dizer no rascunho. Dizer aquilo que insistem ouvir, dizer ao mundo aquilo que ele pensa, traduzir suas ações; requerer seu amor: isso é de escritor.....

.... E nisso, satisfaço-me."



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PÁGINA 12

 "... não sei o quanto posso estar errado. Na verdade, procuro não quantificar a situação; mas qualificar os melhores desvios. Errar é humano, errar sempre ainda mais. Errar e descobrir que errou acho que é divino. Então, eu acho que cometi alguns erros. Mas não posso dizer que os não faria novamente. Descobri que são erros, pois os cometi. Poderia ter descoberto por olhar os outros, pela boca dos outros; pelos sonhos dos outros. Mas ai o erro não seria o mesmo, seria um erro que observei, julguei e evitei. Mas o erro meu, aquele que eu cometo por inquietude, indisciplina e quem sabe por maledicência, esse é meu mesmo; em grau, número e cor. Não é um erro observável, mas um erro impregnado; do qual terei que retirar ponto a ponto do corpo. Pode ser que eu coloque uma tatuagem por cima do estigma, pode ser que eu tente arrancar com as unhas, como quem coça sem parar; mas pode ser que eu deixe a marca lá no corpo mesmo, para refletir pela posterioridade, refletir que eu posso errar; embora não deva....."

Ontem e hoje: faça-o


Ontem e hoje. Todos os dias do ano que já chega ao fim. Fragmento das memórias que prefiro deixar para o passado. Esquecer os dias que não quero mais. Para mim o ano foi pesado. Um peso de coisa que enrosca no fundo do oceano, de lama que gruda na pele e de tropeçar na sujeira espalhada pelas ruas. Um ano pesado em que lembranças ruins foram mais ruins, lembranças boas foram mais saudades; momentos em silêncio e reflexão foram de nostalgia. É um pouco egoísta tudo que estou dizendo, mas é algo que cada um carrega um pouquinho em si; como se a coletividade da vida desse maior sobrevida a toda nossa insatisfação. Toda essa tristeza que andamos enfrentando, estamos de algum modo enfrentando juntos.
E se ontem o texto foi de esperança, hoje ele é de agonia. Mas amanhã, amanhã é outro dia.
Ontem eu vi gente alegre, hoje estão todos tristes. O time que é campeão que não é o meu, mas todos estavam vivos. De repente eu me vi tão impotente em não saber compartilhar a alegria daqueles que eu quero bem (Naquela hora a rivalidade era compreensível). A sua vitória não é a minha vitória, mas como é bom fazer piada e chorar e sorrir e tomar umas e outras e soltar rojão por coisa tão sem importância como é ser campeão de futebol. Sim, pois ser campeão é importante; mas estar vivo é muito mais. Então, no ano que para mim teve alguns lampejos de alegria, por motivos egoístas que deixarei em segredo; a notícia de um desastre, e mais um desastre que acontece no mundo; traz novamente uma reflexão: ganhar, perder, número de títulos; gols e o ídolo é tão importante; mas não é mais importante que ter amigos; que saber tolerar o adversário em sua vitória; curtir também a vitória do outro.
E se ontem o time que eu torcia não era vitorioso, hoje é o time que não torço que me faz pensar em como ganhar a vida...
Ontem e hoje, amanhã é outro dia. O mundo acabando e o peso do ano onde aconteceram tantas coisas lastimáveis. Um ano nebuloso, onde o futuro parece tão distante quanto ilegível. Mas o ontem e o hoje, o ano; não estão determinados em nenhum lugar da alma. O agora que é hora da mudança, de deixar de lado a monotonia da vida e ser feliz com todas as possibilidades possíveis. O ano que não começa daqui alguns dias, mas começa exatamente quando decidimos ganhar o jogo, jogando com nossas regras e nossas atitudes.
E se ontem não foi bom, um dia tenho certeza que será.


29.11.16

PÁGINA 85

Duas tentativas formaram minha frustração: nada mais além disso. Não foi preciso recomeçar o jogo, nem remontar o tabuleiro. As peças não fazem sentido, nem as regras. Sempre odiei as regras, mas as do tempo fui obrigado a seguir. Olho o rosto cansado e as rugas, olhos os pelos mais finos e claros. Minha pele enrugada e os dentes frágeis: é tortura comer um pão amanhecido sem molhá-lo no café com leite. Mas qual o sentido disso tudo? Qual o sentido de acordar cedo e olhar para o dia chuvoso? Não há sentido. E quanto menor o sentido, mais graça existe na vida. Jogo o pão picado na xícara, com uma colher vou saboreando o gosto daquilo que eu não tenho mais gosto, mas adoro continuar comendo...

Antes de mais nada

 

Não queira pedir aquilo que lhe devo.
Posso ser melhor que tem cobrado:
Nas páginas, um personagem desqualificado.
Ou nos versos livres, um iletrado.
No vício, um descontrole moderado,
Viciado nas entrelinhas, inveterado.
Mas posso ser pior daquilo que lhe mostro.
Não queira pedir aquilo que não mereço:
Um personagem descontrolado no vício,
Nas entrelinhas, o inveterado verso,
Um iletrado, viciado e descontrolado.
Nas páginas livres um desqualificado.
Mas se quer isso mesmo, sem tirar,
Estou eu aqui na meia verdade, inteiro.
Sem ódio ou amor, apenas parte da história.
Se quer mesmo nossa história, que inteiro,
O amor que se transforme do ódio,
Na verdade completa que partimos ao meio.
(07/04/2017)


MUNDO QUE EU VIVO


Tudo anda tão doente,
que, às vezes,
acho que só por esperança,
vivemos.
Todo mundo sem sono,
numa insônia inconsequente;
que prefiro achar que só é doença.
Tudo tão doente,
parado na porta de casa;
com armas em punho,
esperando um vacilo qualquer.
Todos doentes, defendendo os doentes,
como certo fosse andar tão doente.
E defendem a doença com unhas e dentes.
impõem ao outro suas verdades,
vermes e bactérias
de um pensamento doente.
E querem o fim da doença,
torcendo pela doença,
desejando o fim do mundo.
Tudo tão doente nesse mundo
que eu prefiro nem ter esperança.
Esperamos?

11.03.17

PÁGINA 01

...Acordo pontualmente. Não precisava de nada me dizendo a hora de levantar. Vinte e dois anos nesse cotidiano criou uma certa habilidade que poucos podem compreender. Seis horas da manhã. Não importa se faz frio, calor ou se está chovendo. Não importa o dia da semana. Não importa em que condições eu fui dormir na noite anterior. Seis da manhã. Levanto e coloco a água para ferver. Café bom é feito demoradamente, água quente no pó, sem pressa. A água no fogão, vou para o banheiro. Um banho muito rápido. A água no pó de café, aroma. Seis e meia da manhã e eu estou pronto para sair. Não preciso ser pontual, mas sou. Coloco água e ração para o meu cachorro. Pego o jornal entre as flores (já avisei para o entregador não fazer isso, mas ele prefere não perder tempo com minha exigência tola). Saio com o jornal debaixo do braço.....

PÁGINA 4

... madrugada. Geralmente dormimos bem nas madrugadas frias. O vento lá fora, bem calmo. Aqui dentro eu ainda continuo tentando terminar o livro que comecei a ler no final de semana. Ainda bem que não terminei. Seria agora inteiramente consumido pelo tédio. O livro chato, que não consigo terminar; é minha única saída para continuar vivo. Estava chovendo. Eu sai para dar uma olhada na rua, mas não havia uma única alma. Dois sujeitos passaram por mim enquanto eu fumava um cigarro. Leitura e cigarro; minha chance de acordar no dia seguinte. Volto para a cama: preciso perder a mania de fumar e de perder o sono nas horas mais impróprias....

QUESTÃO DA FÉ


Estou posto sangrando em praça
pública, onde olhares me ignoram,
é onde devo olhar para minha fuga?
É ali, então, que ninguém enxerga,
o caminho feliz do homem são?
Onde lama mole, os pés moldam?
Lugar para onde eu mereço fugir?
Ou sangrando caminharei na fome
da doença e da mísera absolvição.
Romper caminhos que ora forjam
viver livre capturado pela redenção?
Ou na alegria do sonho que dorme
o sono feliz que delatores acordam,
de onde, no cume, não posso subir?
Prefiro ser arrogante, se me permitir,
Libertar-me da culpa, essa imaginação
que colhe da vida a morte, que só um dia
mostrará a realidade de sua revelação.
E assim, revolto, achar a cura e ser feliz?
E se pôr fim a esperança, achar o caminho?
E se moldar na decepção o quê faz sorrir?
Não será de Deus mãos nos meus ombros,
tortos destinos que não escreveu em vão?
A fé estará submersa onde continuo fugindo?

19.05.17

PÁGINA 32

Considerando que hoje acordei com um humor não muito agradável, decidi que não abrirei minha boca. Pretendo não falar nem comigo mesmo, que parece ser uma coisa impossível. Talvez eu encontre um meio de iluminação: Não me ouvir "me atrapalhando". O sujeito que mais me faz errar: Eu mesmo. Não venham me dizer que estou sendo muito exigente. Humor do relógio passando e as coisas paradas. Completamente paradas. O vento, quem sabe? Os ponteiros, idem. Mas e a vontade? A vontade saiu ontem a noite, quando eu estava com sono; quase desmaiado. Ela disse: Eu vou e não volto. A vontade parecia uma esposa zangada e cheia de razão. Esposas, vontade e relógio: a marcação do tempo nunca mais será a mesma. E eu, querendo olhar no espelho e discutir a relação..... hoje eu não abro a boca.

PÁGINA 43

Ainda é madrugada e eu não consegui dormir. Isso seria ruim em outras ocasiões, hoje é um alívio. Não dormir significa que não preciso sonhar. Nem preciso acordar com esse despertador velho tocando uma música chata. Quem nunca desejou jogar um despertador na parede? O meu é velho, vermelho com fundo branco. Por algum problema ele parou de marcar as horas. Os ponteiros ficam parados, separados; observando-me em cada passo. Eu poderia colocá-los juntos, marcando três e quinze. Poderia ser seis e meia. Dez e cinquenta é impossível: ele ficaria despertando eternamente. Ele está feliz desse jeito, inutilmente prático. Algumas pessoas deveriam se conformar com isso também: serviam de despertador e hoje não conseguem marcar as horas.....


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O INSONHADO


De alguma forma, tenho abandonado tudo. É uma retirada estratégica, como acontece na cabeça dos grandes generais quando se veem em condições terríveis, quase derrotados. Mas não sou general, nem estou em guerra. Mas tenho me retirado. Tenho me retirado cruelmente de várias coisas que acredito. Vários sonhos que tive, e os que não tenho. Os sonhos inexistentes são piores de se abandonar, pois eles são nascituros: estão sem pecados. Outros sonhos, os mais maduros; têm um pouco de egoísmo. Um pouco do vício, um pouco de intolerância, um pouco de sexo e um pouco de ilusão.
O que é pior, falhar ou nunca tentar?
Tenho abandonado todas as tentativas, pois acho que descobri a resposta que é totalmente incongruente com aquilo que o mundo espera de nós. Tentar sempre foi considerada a maior e melhor forma de vencer: mas eu decidi abandonar tudo. Abandonar a tentativa. O que é pior que nunca tentar? É falhar. É falhar sempre. Falhar quando se cria uma expectativa da vitória. Não tentar não gera nada, não se faz nada; não se cria nada, não se ignora nada. Assim, tem-se o nada. Abandonei tudo, sou nada.
Pior que nunca tentar?
De alguma forma sou abandonado. De mim é retirada a estratégia na vida. Como não acontece com os grandes generais, que planejam a vitória, morrem pela vitória. Parece contraditório, mas não é. Morri, mas venci. E a morte tem tirado a vida desde o nascimento. A morte é nunca tentar, por isso a falha é a vida.
Eu, que estou tentando abandonar todas essas conclusões miseráveis, prefiro ignorar todas as minhas palavras ditas até agora.

21.07.17


Poema 1 - Concentre sua atenção em você mesmo.

 

Eu ali, tão perto, eu mesmo.
Concentrado em mim em cada momento.
Percebo minhas mãos,
meus pés, meus olhos,
minha boca que não precisa falar,
nem as mãos ter,
nem os olhos, observar; e
nem os pés, fugir.
Eu aqui, dono de mim mesmo.
Quem manda naquilo que estou pensando?
Quem mais, além de mim, sou eu aqui?
Sou eu concentrado, percebendo,
sou eu desejando; fazendo.
Eu ali, sou eu e único.
Devo mesmo além de mim?
Meus medos revelar?
Meus desejos compartilhar?
Meus pensamentos?
Que é aquilo além de mim, pensando?
Quem manda nos meus pensamentos?
Eu ali, observando-me frágil,
pois estou entregue a esse ser
que agora nasce desobediente:
eu mesmo ali, mandando-me,
Olhando-me, desejando-me,
sentindo-me, egoisticamente.
Quero um minuto contínuo, sempre
para observar-me no além de mim,
Eu ali, tão perto, eu mesmo.


17.07.18

Poema 2 - Sempre termine

 

Ponha no lugar.
Tire o excesso.
Fuja do óbvio.
Marque o amigo.
Aprenda com oposto.
Resolva no fim.
Ponha no excesso.
Tire o óbvio.
Fuja do lugar.
Marque o oposto.
Aprenda com o amigo.
Resolva no fim.
Assim, sempre termine,
Termine o que começou.

18.07.17

PÁGINA 09

 "Tem uma passagem imperceptível de tempo: dia e noite. Não vejo. Não noto. Não sei quando acontece. Durmo intranquilo, acordo ainda insatisfeito. Essa rotina não me incomoda. Ela passa como passa para todo mundo. Sou como os que olham para as nuvens de chuva, a lua em suas diversas fases; e se escondem do sol muito forte. Essa passagem, presente dos Deuses, dia e noite; vou indo embora. Mas, aquela passagem perceptível: comer, beber, se vestir; entre outras coisas que se pode contar com as voltas infinitas do ponteiro do relógio; essas me incomodam. Não é para mim como é para todo mundo: eu sofro, choro, reclamo; sinto na pele a secura dos dias quentes; os lábios rachados em dias frios. Essa passagem da vida, tão menos incomum que dia e noite, são as horas que eu olho para o futuro e não vejo nenhum futuro chegando"


Poema 3 - Sal da Terra

 


Olhe, não dá.
Suma do que foi;
reconquiste o nunca será,
não desanime alinhado.
Uma vela de qual cor,
e uma oração das belas.
Faça tudo, exceto silêncio.
Sapo ao luar, solte-o.
Na encruzilhada do destino,
reconquiste-o, das ervas
Colhidas e queimadas,
Plante no peito o crucifixo.
Olhe, não dá.
Se continuar assim, e em nos,
morrermos ambos sem saber,
o pior das coisas: o experimentar
sem sabor.


05.09.17

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Tem dia que não sai uma frase decente.
Confidencio:
Descente o escritor que perde a linha.
Rumo ao solitário tormento do silêncio

Poema 4 - Algo irá destruí-lo com tempo

 

Pegue o cigarro, apague.
O corpo, quebre.
A carne viva, jogue.
O gosto amargo, evite.
Socorra as lembranças,
das lembranças que quer esquecer.
Não despeje tormentos
onde possa carregá-los novamente.
Socorra suas lembranças,
dessas lembranças que quer esquecer.
Pegue o cigarro, ignore.
Não beba a embriaguez.
A carne sangrando do corte.
de dizer adeus mais uma vez.
Eu te escuto, estou sem sono.
Morrer nesses martírios insalubres.
Vou te escutar todos os dias,
até dizer que já não se basta mais.
E jogue o vício fora,
e a apague qualquer cigarro,
e não beba em qualquer copo,
não corte o próprio corpo;
para evitar o amargo da vida.

30.9.18

Poema 5 - Generoso tempo, longo


Quando eu decidi ficar, foi por além de tudo.
Acima das coisas que perdi durante a vida.
Das coisas que você perdeu em mim, e além
Das tristezas que vivemos juntos, do ciúme,
e além, de uma porção de coisas que o tempo,
e só o tempo, parece reverter além de tudo.
Quando decidi ficar, queria ser generoso.
Olhar para meus olhos medonhos e escuros,
e decidir que poderia ficar pelo sonho, que
nós, vida e morte, estávamos travando.
Sim, tristezas juntos, a vida e a morte, que
no momento de acordar me deixava confuso.
Além de tudo, por ele, fiquei sem receber nada.
Então, no desespero da briga, um homem
que eu não sabia quem era, se aproxima:
O seu sofrimento acabará um dia, e ainda,
sairá sem respostas sobre morte e vida; mas
Sairá vitorioso e muito melhor de quando dormia.
Mas, para isso, indica o homem, eu preciso amar.
O amor que será além de tudo, que generoso,
abriga, conforta e basta em tudo, além de tudo.
Deveria amar a generosidade misteriosa da vida.

05.01.18


ELE, ANSIEDADE.


Um quarto pode ser o cenário. Mas entendam: é muito maior que um quarto. Pode ser um supermercado. Pode ser um colégio. Pode ser uma cidade. Então, no quarto onde estou tem uma cadeira de madeira. Ela é desconfortável. Tem também uma mesa, nela um corpo d´água e um pedaço de pão num prato. Não suporto a idea da morte chegar pela sede. O pedaço de pão não é novo, nem velho. Do lado onde estou não tem janela, mas tem uma porta trancada. Na verdade eu não sei se ela está trancada. Estou sentado na cadeira olhando para frente. Uma parede também sem janela do outro lado. Às vezes estou deitado no chão, que é duro e frio. Nesse momento me ponho a olhar para o teto que me aprisiona. Na maioria das vezes estou desnudo. Mas por isso não sinto vergonha. Sinto uma porção delas, mas não por estar nu.
Do outro lado do quarto eu vejo meu oponente. Ele tem uma fisionomia estranha. Parece uma pessoa conhecida. Uma pessoa que há muitos anos me acompanha. Mas não sinto uma intimidade. Ela está do outro lado do quarto, andando de um lado para o outro. Às vezes ela olha para mim fixamente, dizendo coisas que eu não consigo entender direito. É uma voz que não sai de sua boca, mas que chega direto aos meus ouvidos. Ele gesticula, esperneia, quer me bater. Mas quase nunca se aproxima. Mantemos uma distância segura. Uma barreira no tempo e espaço, o presente. Eu tenho água, ele não tem sede. Eu tenho pão, ele não tem fome. Eu tenho sono, ele continua caminhando desesperado de um lado para o outro como quem carrega todas as dores do mundo. Eu consigo horas de sono, mas é como se ele acordasse com o cansaço de uma noite de trabalho.
Ficamos olhando um para o outro por horas e horas. É uma eternidade. Ele pode vir em minha direção; passar por mim, sair pela porta. Eu posso ignorá-lo, sair sem qualquer medo. Mas parece não existir nenhuma escolha. Eu tenho dúvidas sobre conseguir caminhar sem que ele perceba. Tenho pavor de vê-lo saindo daquele canto e tomando como seu todo o quarto. Tomando minha identidade, meus sonhos e meu nome. Tomando minha cama, minha televisão, minha música e meus livros. Ele pode tomá-los, destruí-los; numa fogueira bem no centro desse quarto. Ele não sai do lugar, mas toda vez que eu pisco meus olhos, ele parece se mover em minha direção. Ele tem desejo ardente de ser como eu sou, e eu acabo sendo o que ele é.
Quando sinto-me exausto ao extremo, meu corpo desaba. Um sono rápido e um esquecimento das coisas que eu não vivi, mas tenho medo. Ele é a preocupação das coisas inexistentes. Ele é minha mente explorando um caminho que eu não reconheço. Ele é meu dinheiro que queima debaixo do colchão. Ele é minha embriaguez em meu desequilíbrio em não conseguir andar em linha reta. Ele é meu medo absurdo de coisas absurdas de uma grandeza ainda mais absurda. Ele se transforma em toda culpa do mundo em mim por coisas que o mundo sequer sabem existir. Ele toma o quarto e me sufoca, pegando o meu pescoço, fechando meus olhos; tapando meus ouvidos. Ele detona o meu peito, deixando um vazio corrosivo que vai se multiplicando pelo corpo, minando meus sentidos, minhas pernas e minhas mãos.
Com um empurrão eu afasto aquela estatura robusta, um corpo formado de mim mesmo, em meu reflexo contestador. Procuro ar entre as frestas da porta. Procuro romper aquele olhar que nos mantém conectados. Cada um de um lado do quarto. Sei que ele estará à minha espera, mas sei que cada vez mais que nesse enfrentamento ele terá mais medo de mim do que eu dele. E a cada dia que deixá-lo longe da minha água e do meu pão, mais dias ele passará despercebido. Ele será forte, mas jamais tomará meus pensamentos. Ele continuará no canto do quarto, no supermercado; o enfrentarei com o mesmo olhar assustador, pois o que nele me dá medo; em mim também há algo amedrontador para ele.
Minha vontade, minha vontade em abrir a porta.

27.02.18

PÁGINA 56

 "... e a Deusa da verdade desvenda aos olhos dos curiosos a vida que nela sempre existiu. Não é feita, a verdade da vida, para qualquer um. Esse conhecimento nasce no momento certo, sem os vestígios da fuga e do abandono. A Deusa da verdade desmonta qualquer teoria sobre a existência e sobre a vida como conhecemos. A Deusa da verdade, a morte; é no momento certo que ela chegar. Por isso, vocês desavisados, que pensam a morte como desnudar a mentira do tempo, saibam que não podemos interferir nas ondas certeiras e equilibradas da escolha: a morte nos escolhe não nós a ela. Por isso sonha-se pela morte ao madrugar, na fortaleza quente e macia da cama; local onde os mais doces e os mais terríveis pensamentos costumam avolumar-se tomando todo o quarto e a mente. A morte não encerrará nada além da própria ilusão que vivemos. Mas, mesmo sendo tão certeira em sua mensagem, a morte ainda terá vestígios das ilusões, do apego e da raiva. Ilusão de que poderíamos dominar nosso tempo, apego ao decidir que o tempo era nosso; e a raiva que é o inconformismo de não termos encontrado a felicidade da existência. Felicidade é por si, nada que o faça ser concreto ou roubado; a verdade reveladora nos diz isso claramente, mas muitas vezes decidimos tarde demais. A Deusa deveria nos falar todos os dias que quando ela nos escolhe está certa, mas quando nos a escolhemos estamos cometendo um terrível erro. A Deusa da verdade, às vezes, nos desvenda a vida cedo demais...." Crônica do dia das Almas, pg. 56

PÁGINA 65

 "... nunca é o fim da linha para quem pensa que pode escrever alguma coisa. Há em mim uma necessidade de sempre relatar coisas do cotidiano, como numa espécie de conto, quando há uma história complexa; uma crônica quando é uma comum; e um romance, quando a imaginação está sempre atenta à todos os pormenores da vida. Já disse uma vez que escrevi romances que nunca foram publicados. Que algumas pessoas até tiveram contato com a história, só não disse que há muito mais que ainda não foi escrito..."

O AROMA DO CAFÉ


Não gosto de cerveja, embora agradeça quase sempre a vida social que ela me traz. Pego uma caneca. Uns 400 mililitros. Um pouco mais. Visualmente a cerveja sempre me faz lembrar de tempos que eu não vivi. Por filmes, sei lá. Por vidas passadas numa Europa bárbara. A cerveja é escura, com gosto um tanto amargo. Lembra um pouco café. Eu tomo café sem açúcar desde os vinte anos. Dizem que é coisa de psicopata, uma dessas pesquisas de quem não tem nada para fazer. Café amargo e cerveja com gosto de grão torrado. Não me faz bem, mas como eu disse, a cerveja me leva onde está a conversa e a música que eu quero escutar.
Num tempo eu achava que qualquer bebida, por menor quantidade possível, sendo alcoólica, era prejudicial a minha saúde. Eu, mesmo assim, não evitava. Ainda não evito. Mas, diferente de uma outra época, lá quando eu era novo e comecei a tomar café sem açúcar, eu ainda sei que a cerveja me fará mal, mas me fará mais mal minha intenção. Bebo discretamente uma cerveja, bebo raramente. Uma vez ou outra, dois ou três copos; com gosto de café, alecrim ou chocolate. A cerveja passou a ser uma distração, mais que uma necessidade. Embora, de fato, nunca tenha sido um vício. Beberei hoje, depois de umas cinco semanas, um copo de cerveja.
Prefiro assim, não ter compromisso que seja com qualquer coisa. O fato de me comprometer a não fazer algo pode me trazer uma repressão tão angustiante quanto a liberdade em poder fazer tudo. Essa balança equilibrada me é bem vinda, segurando as pontas dos dois lados, para não me arrepender de ser emburrado para o penhasco de um vício ou ficar paralisado no pecado inexistente. A cerveja eu nem gosto muito, mas o papo geralmente é bem agradável. Vai saber o efeito que os grãos torrados acabam fazendo.
Seja a cerveja, seja o café amargo

18.8.18

 NAS ÚLTIMAS HORAS

Vi de tudo, mas não compreendo muito mais que o necessário. Já é o bastante saber que o veneno, ainda que lento, mata do mesmo jeito. Vi mais que queria, pois vi com os olhos curiosos em querer, mais e mais. Vi gente morta andando pelos corredores onde um cheiro insuportável tomava as feridas e o resto de dentes na boca. Vi além, mas não queria mesmo. E todos assistiram o enterro de sua última quimera: era feliz e não sabia. Todos viram, aplaudiram e foram embora como se não devessem nada. É assim mesmo a ingratidão e a inimizade. Muitas fiz, muitas nem quis ofender, pois todos estavam ali, diante de mim, se torturando, se matando e se caluniando.
É a lama que devemos nos acostumar por aqui, onde miserável é o homem que mata por qualquer paixão: política, religiosa ou sem noção. Todas as paixões são mortais, felizes ou não. Vamos nos acostumando ao desacato de tantas mentiras e insultos, e vamos repelindo quem amamos e vamos nos isolando acidentalmente em nossas convicções que nem sempre são verdadeiras e confiáveis. Esse mundo em que o beijo, amigo, é véspera do escarro; toma logo teu cigarro e saia desse mundo que não é mais viável.
A mão que escreve tão doces palavras, é também vil em apedrejar quem quer que seja. Caí nesse abismo de arrumar inimigo onde quer que seja, de dizer palavras tão duras para quem quer que ouça; a mão que afaga é também a que jorra tantos desaforos intermináveis aos ouvidos de quem não quer ouvir. Ando mesmo errado, subestimando minha porção tão criminosa e indecente, que vê na violência, às vezes, na morte, qualquer coerência.
Sei lá, um sentimento que não pode ser igual ao deles, pois eu não sou tão eles assim. Nós e eles, numa dicotomia que tomou mais que a ideologia, mas o desenho que se faz para o mundo. Um rascunho daquilo que queremos de melhor para o mundo. E de repente, meus rabiscos começaram a comemorar aquilo que eu não devia, esquecer de lutar por aquilo que queria.
Nessas mentes que povoam minhas discussões, mora em figuras engraçadas; ocultas nas anedotas tão sem graça, princípios que não quero para minha vida. Essas mentes que lotam minhas páginas em branco, de manhã e de tarde e de noite, todos são feras que querem acabar com tudo. E esse desejo de ver tudo tão destruído também me faz fera. Causa, pois, pena minha chaga, de odiar tanto o que eles falam, de escrever tudo que eles ditam.

18.08.18

Poema da Violência I

 

Pego meu lenço que está na cabeceira.
Está sujo de sangue, o meu sangue.
Foi um sonho, desses pesadelos inconscientes.
Nele eu morria e matava, ambos errados:
O assassino que me comanda, o homem que obedece.
Eu segui os passos lentos, mas não tinha medo.
Lá estava a incontrolável sede:
Matar sempre foi o meu melhor remédio.
Olho para o quadro e ele parece tão violento.
Pego a camisa que está limpa de sangue.
Limpa com a vingança, minha vingança.
Foi um pesadelo, desses que parecem sonhos.
Onde eu queria matar, mas nele morria:
O assassino era algo diferente de mim, e tive medo.
Eu segui os passos lentos do receio.
Lá estava a incontrolável sede:
A água que beber, jamais terá sede.
Olho para o quadro e ele parece tão verdadeiro.
Pego meu corpo, meus braços e meu cabelo.
Estou sujo de morte daqueles que lamento.
Foi um monstros desses que matam e morrem
que tentam descontrolar o homem violento.
O assassino sou eu que comanda a oração
da palavras letas em passos desatentos
pois não haverá menor chance de rompimento
e viver com as mãos abençoadas desse sangue.
Olho para o quadro e hoje eu só lamento.

20.10.18

ÀS VEZES CONVERSAMOS SOZINHOS


Ninguém me conhece. Ninguém que me conhece, sabe que não me conhece. Sabemos pouco sobre nós mesmos, resguardado todos os dias, em cada segundo. As míseras impressões que sabemos sobre nós estão escancaradas em todos os instantes, em qualquer situação. Mesmo assim, não nos conhecemos. Ninguém nos conhece. Posto um enigma que nunca foi enigma, mas que era essencial que fosse comentado para que a sequência dos fatos não ficasse sem argumentos; vamos ao que interessa: ninguém quer me conhecer. Ninguém se interessa por mim. Há vários interesses, mas nenhum deles é sobre mim. Há o interesse profissional, de sangue; da história; interesse de contar piada e o outro rir. Interesse em tomar uma cerveja gelada, mas por mim, qualquer desinteresse. 

Outro dia: uma pessoa se aproximou de mim e perguntou as horas. É muito estranho alguém perguntar as horas no mundo de hoje, pois estamos sendo vigiados em cada passo, cada momento; ligados, desligados; e no monitor da nossa vida cotidiana, os ponteiros nunca mais foram importantes, mas o número, o tempo, o cronograma; todos estão ali diante de nós. Eu olho para o relógio no pulso (eu ainda uso relógio de pulso) e respondo calmamente para a pessoa. Ela sorri, parte para o lado oposto para onde eu estava caminhando. Eu estava sem destino, pois ali onde eu não pretendia chegar, ninguém me conhecia. Então, eu olho para trás, a mulher continua me acompanhando, como uma sombra, uma consciência, um espectro qualquer querendo ficar ali ao meu lado. Eu pergunto: Você me conhece?

Não estava chovendo, mas estava frio. Não era Lua cheia, mas estava bem iluminada. São dias ótimos para dormir, encostar a cabeça no travesseiro e descobrir quantas pessoas não te conhecem. Eu não sei se isso passa por vocês algumas vezes, esse sentimento de completa anulação. Não saber mais o que fazer na manhã seguinte quando conseguir, depois de algumas horas, pegar no sono. Não sei vocês, mas é um vazio daqueles. Um vazio de olhar para o, lado e todos estrarem andando, comendo e se divertindo; mas ninguém ali conhece você, Ou te ignoram. Eu sinto estar abandonado sistematicamente. Mas o pior afastamento e de você mesmo. Alguém ai me conhece? Eu te  pergunto: sabe exatamente o que eu sou capaz de fazer agora?

Outro dia: alguém me perguntou sobre as horas e eu passei direto sem responder, sem ser gentil, ignorando tudo. Sou capaz disso. Nós somos capazes disso. E quem duvida, não se conhece, não sabe que um inimigo pode morar bem ai dentro, precisando ser domesticado. Nós não conhecemos, nem queremos; pois junto com suspeitas das coisas boas, virão as certezas das coisas ruins: nesse momento é melhor mesmo ninguém conhecer ninguém, e ir seguindo vida como se isso fosse possível.

23.10.18

Poema do Perdão

 

Soma-se, não apenas pequenas desilusões, 

mas ainda surgem as maiores. 

Surge onde eu nem suspeitava existir tanta decepção. 

Elas chegam de repente, como uma bomba sonora:

é, pois. uma palavra maldita, 

uma expressão mais áspera, e

uma informação vazia.

Temos trabalho pela frente, mãos à obra.

Seguindo cada um que está lá fora, que volte.

Cada um que nunca foi quem esperava, revire.

Leve embora também qualquer desconfiança..

E todos que antes eram tantos, 

e que hoje minguam, nasçam.

Soma-se o mundo já ríspido, pequenas ilusões,

onde amigos já se foram, e sempre suspeitava:

Eles foram de repente cuspindo sua bomba sonora:

é, pois, um xingamento ridículo,

uma expressão vazia, e 

uma informação áspera.

Temos trabalho pela frente, mãos à obra,

seguindo cada coração dilacerado, um  abraço  

Cada briga que nunca deveria ter existido, o perdão.

Cada sorriso de confiança, a leveza.

E todos que foram embora, 

Voltem hoje a ser muitos.


30.08.18

Poema do Silêncio

Não te cala um minuto?

Não ouve que não te ouvem:

Não há ruídos, nem soberba.

Há, nesse silêncio medonho,

Uma única e vazia certeza:

Não te houve, não te querem.

Não te cala um minuto?

Não é possível um mísero silêncio?

Onde esse vazio medonho já certeiro,

que cria essa sua soberba vazia,

de achar que na complicada vida,

eles te querem, eles se movem?

Fique em silêncio um único minuto.

Distante das coisas desse vazio medonho,

De não ouvir sua própria voz que sufoca,

ou o seu próprio som pedindo socorro.

Fique longe desse abismo certeiro,

Que é o único socorro que encara,

De ouvir que todos não se ouvem,

Nem se movem quando tudo acaba.



30.10.18

CRÔNICA DE UMA NOITE DE VERÃO


Séria a última vez que aquela porta seria aberta, última volta na chave. Uma volta apenas. Pé direito, pé esquerdo; eu não posso parar e nem olhar para trás.
Uma mochila com algumas roupas.
Uma garrafa pequena com água. Sempre tive medo da sede. A sede é uma morte horrível. Nosso corpo se desfaz, somos feitos de água (ou de sonhos?). Nossos ossos: água. Nossos medos: pesadelo.
Então, uma mochila com algumas roupas e duas maçãs.
Eu não vou muito longe, eu só quero sair para onde as pessoas não continuem falando.Elas falam sem parar. Nos separamos, eu e eles, por seu falatório inútil e débil. Eu não posso mais ouvir tantas pessoas falando tanto. Todas ao mesmo tempo.
A porta está fechada para nunca mais, o caminho está ali, na minha frente. Serão noites cansativas sem sono, serão dias quentes sem sombra, mas eu continuarei andando. A porta se fecha, um céu se abre.
"Posso segurar a sua mão quando eu estiver com medo?"
Eu não tinha um lugar para ficar, mas eu imaginava que seria acolhido por alguém. Prostitutas, pastores ou mendigos; nos somos pecadores, e todos são solidários diante da dor. A minha dor era imensa, mas meu ódio era pior. E por odiar, fechei a porta; uma volta apenas na chave, sem olhar para trás.
"Você está com fome? Tenho um pedaço de pão".
"Não tenho fome, tenho duas maçãs".
"Mas você está com uma cara de cansado".
"Mas não estou com fome".
"Tem lugar para dormir? Cairá uma chuva forte essa noite. E as chuvas são sempre perigosas".
"O quê elas podem me causar"?
"Elas podem levar tudo que você ama".
"As chuvas não poderão carregar aquilo que eu não tenho".
Continuo andando e ao longe escuto a pregação. São os sinais do tempo: a maldição, a fome e a desavença. Irmão contra irmão, pai contra filho; e ao longe o sermão fica cada vez mais longe: o ódio e a vingança não me ajudarão nesse momento tão funesto. Versículo, capítulo e a profecia: não atingem em cheio meu coração. Não por serem o que são, mas por partirem de quem também não encontrou a paz. A verdade está muito distante de todos nós.
Uma maçã, duas. O fim dos passos, direita e esquerda.
"Se eu dormir você me acorda"?
"Você não pode dormir aqui. Tem algumas pessoas lá fora me esperando".
"Quero dormir sendo observado".
"Já tive pedidos estranhos, mas esse é a primeira vez".
"Sim, quero estar seguro. Eu durmo, você me acolhe".
'Não sou paga para ver alguém dormir".
Fecho a porta, duas três voltas na chave.
Nasceremos tranquilos na manhã seguinte: sem roupa, sem água e sem maçãs.
O amor, ao invés do ódio, nasce nos locais mais impróprios, em situações mais imundas; mas nessa sordidez, alguém que sabe silenciar quando é preciso; é quem verdadeiramente saber amar.

06.11.18

A DUREZA DOS DIAS E A FELICIDADE DAS HORAS

 

Há quem acredite que a felicidade seja privilégio apenas dos homens ricos. Supõem, essas pessoas, que os ricos não sentem a pressão do cotidiano. Lutam pelo seu dinheiro e poder. Há outros, no entanto, que dizem que a felicidade não tem nada com o dinheiro, e que viver é uma dádiva surpreendente, um mistério ou algo que não podemos mensurar, que vivem apenas para suas famílias, pelo seu trabalho e amigos. Assim por diante, encontraremos inúmeras opções, sugestões e opiniões sobre a verdadeira felicidade.
Não é de hoje que se pensa sobre isso, e não será hoje que encontraremos uma chave definitiva para a ela.
Importa mesmo é que vivemos numa gangorra, onde a felicidade e a tristeza parecem andar no encalço uma da outra, como quem quer roubar alguma coisa que não lhe pertence: a tristeza e os problemas são mais misteriosos, fraudulentos e gatunos: chegam quando menos esperamos. Estamos fazendo planos para uma coisa que nos deixará feliz quando de repente: Irra! Aparece. Aparece um problema saltitante ali, uma desaprovação dali; um mal gosto acolá, e todos eles pipocando no peito, na mente e na imaginação monótono da ansiedade!
Algumas vezes é duro acreditar na vida!
Mas ai, quando menos se espera, uma frase qualquer alivia. Uma frase de gente estranha, ou de amigos; uma frase solta no ar, Um gesto, um presente, uma desculpa, uma oração; uma palavras tão simples, mas tão poderosa. Não sei como acontece, mas quando parecemos estar arrasados, sem qualquer força para pensar numa saída, eis que não precisamos sair para ludar nenhum: Bravo! Está lá a felicidade! Está lá como quem brilha independente. Não é solitária, chega fazendo estardalhaço, chega trazendo a gente para a realidade, e o que era a monotonia estimula uma paz confiante no peito, na mente; no sossego excitante da vida.
Algumas vezes viver vale a pena!
Há quem acredite que a vida é o passar das horas. Outros se queixam dos familiares, da vida que não parece dar certo; das doenças, dos enganos, dos mal acabados relacionamentos amorosos e etecetara e etecetara. Mas a vida é uma sequencia inconsequente das escolhas entre a felicidade e a tristeza, entre as horas e os dias; entre o rancor e a caridade; entre tantas escolhas que nem sabemos, quando é que decidimos pela tristeza deixando de lado a alegria.
Na vida, às vezes, é melhor não ter muitas escolhas.

01.12.18

TODA NOSTALGIA SERÁ CASTIGADA

Hoje cheio de sentenças. Há em mim alguém que nunca desistiu. Talvez escrever seja o único vestígio de vida, aquele respiro do ar contaminado e tóxico, ainda assim onde respingo um pouco de sanidade. Olho para a nostalgia das coisas que eu li, das que eu escrevi: toda nostalgia será castigada, pois a saudade é burra, concluo. Ante o passado, quisera o esquecimento das coisas que não foram boas, mas, muitas vezes, são elas que nos pregam uma peça, no alto da barca, do inferno ao céu; são elas unanimidades. 

Hoje a sentença é olhar para o que nunca fui, nem nunca serei. Escrever onde nunca reinei. Não há nessa nostalgia momento de glória, um poema que chega perto, diz exatamente muito mais que queria dizer. Não existe um texto da verdade, do meu regresso, desse forasteiro daqui, onde ninguém realmente reconhece a dor, o sofrimento e a inexata certeza de ser o que é. A sentença é descobrir que onde não há futuro, só passado. Onde não há sonho, só pesadelo.  Redescobrir que há algo ainda, dessas cores que eu nem presto atenção, desses nomes que eu nem sei o nome. Dessa gente quem nem me faz falta.

Hoje a sentença desses tempos de ventura é descobrir que corria as letras no papel em branco para a mesa do bar. Gritava sombrio para algum bêbado infeliz: hoje quem chora sou eu! Há sempre alguém querendo um trago e o simples direito de falar. Mas passa, amigo, que hoje é o dia, da minha chance de reclamar. Volto para casa abatido, e a sentença da nostalgia, hoje naquele mesa... quem está falando? Não estou faltando à ninguém.

Queria hoje a sentença, pois hoje acordei um tanto assim que não me faz. Tanto faz. Queria a nostalgia das lembranças que se repetem, não mais as que não podem mais. Queria a nostalgia de reverter o tempo, senhor tão bonito; tambor de todos os ritmos, que sejas ainda vivo... tempo, tempo, tempo...


04.03.19


OS DIAS PASSAM LENTOS

 

A calma não é de sapiência, é de desânimo. Como quem se vê mais que derrotado, vê também uma geração inteira desperdiçada. Havia um sonho e ele morreu. Cada dia mais o Brasil mata. Mata pelas notícias verdadeiras nos jornais. Elas parecem tão falsas. Mata por esse nonsense sem graça. Mata por essa sensação de que algo de ruim deu muito certo. Não se sabe por desejo de quem, mas desejado por muitos. Eles sempre estiveram ao meu lado, sempre pareciam tão doces, sempre rezavam pela minha saúde, oravam pela paz. A paz é tão inútil hoje em dia, com essa calma que é desânimo.
Queria um dia inteiro não ouvir nenhuma novidade. Não ouvir comentários aos cantos pelos desesperados desiludidos que ainda vislumbram uma recuperação. É só não torcer contra, pensam alto. Queria um dia andar sem documento por uma praça aqui perto de casa e apenas admirar o inanimado. Queria respirar o ar puro. Queria o silêncio das coisas que são sem precisarem incomodar ninguém. Sua essência é pura e cautelosa. E nesse dia sem novidade eu faria uma caminhada, beberia água gelada e dormiria com o corpo cansado.
Em mim a desavença dos dias atuais: quem cala, consente; quem não resiste, permite e quem não briga, concorda. E nessa a calmaria dos meus passos eu estaria livre dessa sofreguidão da maldade. Essa esperança pela maldade. Essa alternativa pela maldade. Estaria livre para ser cristão pela bondade. Como estamos presos à essa ditadura da maldade, onde tudo parece tão difícil, tão reprimido e tão desesperador. Que comemorem mesmo o golpe que já nos transformou em terroristas uns dos outros.
É possível estar aqui e ao mesmo tão distante? Tenho lá meu medo por tudo que eles pensam e que nessa fragilidade, de um caos instalado, eu comece a pensar do mesmo jeito. E ai, vou celebrar a maldade, curtir a maldade, comemorar a maldade e quem sabe, nessa calmaria que não é sapiência, eu me transforme também num carrasco.

27.03.19