sábado, setembro 05, 2020

TRINTA ANOS

 


Não é bem exata a data, mas o período é mais ou menos de trinta anos. Trinta anos quando me atrevi a escrever o meu primeiro poema. De lá para cá já escrevi algumas centenas de textos. Nenhum deles, por mais que eu tenha me esforçado, foi completo. Também não foi algo com que eu me orgulhasse. Tenho, sim, certa admiração por alguns, dos quais eu me esforcei em técnica, estilo e ideia. Mas é impossível pensar que, mesmo com tantos anos, eu me sinta ainda tão imperfeito.
Escrever, por isso, sempre foi algo perverso. E a sensação de mergulhar num caos e sair dele como se nada tivesse acontecido é puramente teórico, na prática saio chamuscado, com algumas dores morais; repelido de mim mesmo como quem passa por uma tortura. O alívio da exposição de qualquer que seja a ideia é o alívio de quem se liberta.
Mas há também, nessas centenas de textos; algumas palavras que curam. Da musa que me inspira todos os dias quando abro os meus olhos, do assunto que me retém por horas e horas olhando para o vazio de uma parede ou infinito do espaço - Da musa não há sofrimento, mas gratidão e conhecimento, textos que ajudaram e ainda ajudam pessoas desconhecidas, algumas que eu nem sei como foram curadas. Pela palavra, dita em local certo e para pessoa adequada, cura.
Então, o texto está ali e dele se pode extrair os elementos vitais, como também confusão do caos. Pode-se pegar o texto e defender seu argumento, analisar o seu estilo; ou mesmo corrigir tantos erros gramaticais que são insistentes em quem, lá no passado, por descuido e desinteresse, não aprendeu corretamente usar tempos verbais ou não. Peço clemência quanto ao erro, só não peço desinteresse pela mensagem. Poema, crônica, artigo, ensaio, etecetara. Pode tudo, menos dizer que não sentiu nada, ou que existe algo muito errado com eles ao ponto de serem excluídos de qualquer história.
Mas é assim, pegamos o texto nosso e pensamos ser seu dono. Não somos, o texto é trincheira das dores humanas, é emancipação da imaginação inquieta, é a tentativa de ordenar sentimento com palavras racionais. Pode-se domar qualquer palavra, mas não há controle sobre qualquer texto. E meus trinta anos, quando me pergunto onde cheguei com tudo isso, e para que lugar eu quero ir, sinto que a resposta é tão misteriosa quanto indecifrável. Mistério, pois existe eu não sei onde está. Indecifrável, pois está em minha frente, mas não sei o quê é.
Todo esse tempo e eu não sei exatamente se já sei escrever.

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