sábado, setembro 05, 2020

UM NOVO CRIME

Existe um novo tipo de assassino, que vaga no ar, mas principalmente se agarrando ao corpo de alguém descuidado. O novo assassino não fala nossa língua, mas se adaptou muito bem ao nosso modo de viver. Nunca um assassino se sentiu tão prestigiado. Eles se multiplicaram e aos montes eles vão enfileirando corpos, muitas vezes nem do seu tiro, mas de uma bala perdida tão ou quase idêntica: febre, tosse e dor. Tanto faz. Faz, o assassino, sumir o resto de uma dignidade festiva de um povo, pois sabe que essa dignidade há tempos já estava morta.

O assassino não é calculista, nem recebe qualquer bônus do mandante, pois não há mandante. Mesmo que queiram grafar na bala as iniciais, não existe qualquer mandante. C19 é a bala que segue, sem romper muros, mas acertando em cheio quem se sente protegido nessa couraça de arrogância e de uma suposta preferência de Deus. O assassino ri da própria ignorância sobre Deus, que não escolhe como o morto, nem escolhe nada; nem se admira e nem se irrita; o assassino, assim como os assassinados, não conseguem compreender Deus.
Mas Deus não é motivo da questão, pois seria de fato o fim da questão. O assassino caminha por linhas tortas, desviando-se para as favelas, onde suas chances são maiores. Irritou-se em ser chamado, por alguns, de democrático, ou aleatório. Ninguém sabe exatamente como e os motivos que ele tem em ser. Não é Deus, talvez seja o acaso. Talvez seja uma forçosa ameaça ao mundo, um recado apocalíptico - ainda que ninguém perceba o quando o Apocalipse pode ser bom. O codinome marcou a história, em poucos meses, mas ainda não é o bastante para ser um antes Covid e depois do Covid.
Mas sabe mais ainda o assassino que tanto faz: A maioria sairá ilesa sem saber muito sobre Deus, sobre o mundo, sobre o acaso e sobre os caminhos aleatórios. Pois os sobreviventes, diferente das vítimas, vão temer encontrar novamente o assassino, numa próxima calamidade, pois sabem que não levam jeito nenhum em saber evitá-lo.


09.05.2020

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