sábado, maio 31, 2008

Naquela Caixa

Deixe algumas coisas naquela caixa,
Do lado da mesa da sala.
O resto pode levar tudo,
Nessa sua fuga desesperada.
Não me deixe que a veja chorando,
Sempre fui sentimental em despedidas.
Deixe lembranças, somente as boas.
Caberão perfeitamente.
Não pense que não valeu nada,
Sempre tiramos proveito.
Leve um pouco consigo, é preciso.
Reveja os planos, feche as feridas.
Sem essa de coração, retrato sorrindo.
Na caixa deixe o passado,
Leve a verdade, apenas. O que seríamos.

No meio da discussão vimos quanto
Estávamos errados em tudo.

Deixe os livros, não os meus;
Sempre tive péssimo gosto.
Leve a música que cantarolava.
Caberá perfeitamente.
Preste atenção no caminho,
Para não ter volta.
Na caixa, deixe apenas a solidão.
Com algumas coisas.
Tranque a porta, trinco nas janelas.
Cubra os espelhos e desmonte o castelo.
Não me veja chorando, jamais pensei na despedida.
Revele seus planos, recorde a ferida.
Na caixa que eu levo, não quero
Apenas a verdade, mas o arrependimento.

Antes de ir embora, vimos que há muito
Nos já estávamos no caminho do meio.

sexta-feira, maio 30, 2008

Sustentabilidade quae sera tamen


Três coisas no mundo acabam com o sono dos ambientalistas: clima, população (pobreza) e restauração dos ecossistemas. Não são eles que deveriam perder o sono, mas toda população. Assim como determinados assuntos não conseguirão ser resolvidos apenas com o poder político, o assunto ambiental continuará se debatendo até que os responsáveis sintam na pele os efeitos da degradação do ambiente, dos resíduos, da poluição. Não adianta uma lei se não tem quem a cumpra, não adianta cumprir a lei se existem aqueles que desobedecem. E se desobedecem à lei é porque encontram fortíssimos argumentos para continuar fazendo a coisa errada.

Mas quem são esses responsáveis? Quem dá o poder para o desmatamento? A sociedade consumista? O poder econômico? Todas as respostas? Claro. Todas as respostas. O erro terrível que cometem é da autodestruição. Não é coisa nova, o estudo dos recursos já foi visto várias vezes por economistas, até mesmo Marx disse nas entrelinhas que o problema não era o homem, mas o seu poder de consumo desenfreado. O mundo é consumista, e a tendência dos publicitários é nos fazer mais consumista ainda. Empresários, empreendedores, mídia; todos eles nos fazem consumistas desenfreados. São culpados? Também, mas não são únicos. Nós adoramos a percepção do mundo que eles criam.

Uma luz vermelha acendeu. Uma idéia brilhante ascendeu: precisamos cuidar melhor do lugar onde vivemos! Muitos estão ansiosos, mas poucos preocupados. Até criamos certo clamor quando nos avisam que o mundo está se deteriorando. Mas o glamour tecnológico ainda é mais vistoso. Para onde vão as árvores se meu mundo hoje é feito de plástico? Tenho na minha casa apenas uma coisa de madeira: a cama. Essa idéia traz um pequeno engano que custa muito caro. As árvores da floresta amazônica, por exemplo, estão presentes em nossas vidas mais do que imaginamos. Somos culpados, por ora. Inconscientes, o que é mais perigoso.

Mas precisamos comer, nos vestir, dormir; trocar de celular. Precisamos fazer coisas que antes não precisávamos. Onde iremos parar no mundo do consumo? A resposta está na proposta aceita por quase a totalidade das pessoas, nas suas diversas camadas de poder: Governo, empresas, consumidores, pessoas; ambientalistas. Precisamos pensar na sustentabilidade. O mundo precisa aprender que não se pode viver de forma instável, que precisamos de modos (no sentido educacional) de lidar com suas reservas naturais, onde nos sirva mais do que nos falte. Ninguém deve ser contra a evolução do homem, o que não podemos aceitar é que a evolução esteja amparada em apenas alguns aspectos, que não carregue consigo o sinônimo de sobrevivência.

Sou pessimista nesse sentido, pois apesar de tantas discussões em relação ao assunto, pouco se vê de prático. É certo que em algumas regiões o desmatamento, a poluição das águas, o ar; estão caindo em percentuais a cada ano, o que não impede que continuem sendo feitos. Não há uma política de recuperação do ecossistema, e quando existe, é escasso. A velocidade da destruição tem maior atrativo no momento (já que consumismo essa destruição) do que a vontade de reabilitar. Quanto a isso, os ambientalistas devem continuar muito preocupados: clima, população, pobreza e restauração dos ecossistemas continuam como se nada tivesse acontecido de ruim. E nós continuamos fingindo que não sabemos de nada.

quinta-feira, maio 29, 2008

O Vinagre

A saliva como ódio, sem disciplina.
No chão dizendo tudo sobre mim.
Quer minha verdade?
Escarrada como resposta.
Ali, transparente e salgada.
Azedume dos dias, vinagre!
Acre nos pulsos, na veia que corre
em direção ao fígado, a bílis.

E minha dor de cabeça que não pára.
Mas é o que menos importa.

As pessoas importam, mas incomodam.
Se quietas e tão distantes;
odeio também as pessoas falantes.
Elas podem me dar respostas
que me causariam coceira.
Uma fermentação no estômago.
Um maldito rancor que sentirei
pela falta do que fazer.
Esse suor, essa saliva.

No poema dizendo a verdade sobre mim.

quarta-feira, maio 21, 2008

Fim da Questão

.
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Eu preciso de um basta.
Mais do que um trem, danado.
Preciso que me digam coisas
Preciso me mexer.
Preciso de um poema, feito por mim
que não seja para mim, nem me diga nada.
Preciso de um tema,
do nome do personagem que irá morrer
no final da história e não será feliz.
Preciso de importância,
da futilidade.
Preciso de horas de descanso,
Preciso de palavras sábias.
Preciso apreender que sei mais do que isso.
Preciso me renovar.
Todos precisam se renovar.
Preciso ser capaz de questões.
Preciso de respostas.
Preciso de um tema:
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Meu cavalo por um tema.
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terça-feira, maio 20, 2008

Os pés no sofá II

Folha 44/08

Estou cansado, mesmo assim aceito a entrevista. Ela entra. É uma mulher nova, muito nova. Recém formada. Odeio essa gente que estuda pouco, tem muitos diplomas; mas não sabe coisa nenhuma da vida. Senta-se. Seus cabelos loiros. Pele muito branca, olhos verdes e um sorriso infantil. Diz que fala três línguas, eu duvido. No entanto não tenho menor condição de avaliar o sotaque francês, a desenvoltura do inglês; muito menos discutir português. Eu porcamente falo minha língua pátria, que de simples, já não tem nada. Ela não usa caderno, nem prancheta. Um computador de bordo, tiracolo. Daqueles que podemos levar para a praia, carregado no lombo, quando praticamos alpinismo. No banheiro. Não levo nada para o banheiro. É ali que reflito pacientemente sobre minha vida. Devemos ter um momento de meditação, dizem os médicos.

“O índice de vendas do seu segundo livro foi considerado muito baixo, principalmente quando compararmos os números do mercado editorial, que cresceu quase 25%”. Pronto! Botou percentual na conversa eu danço. Tudo bem que 25% é uma coisa comum de percebermos. Pego um bolo de nozes (odeio nozes) reparto em dois. Minha empregada também odeia nozes. Então, como sei que eu não vou conseguir comer metade de um bolo, eu corto mais uma vez esse pedaço no meio. Estão ai meus 25%. Assim, se o mercado cresceu tudo isso, significa que o bolo ficou maior e que as pessoas gostam de nozes. Continuei olhando para a menina, enquanto ela tentava formular a pergunta. “A história da garota que procura o pai e pede ajuda para um detetive não é coisa nova na literatura. Acredita nessa explicação para seu fracasso?” Até que enfim a pergunta.

Eu me ajeito no sofá, me inclino mais um pouco. Não tenho idade para certas coisas, mas é muito bom poder observar o corpo de uma mulher. Ajeito meus óculos: “Você pratica alpinismo?” Eu pergunto. Dessa vez é ela quem se sente inconfortável. “Como assim? Alpinismo?”. A pergunta era simples, bem mais simples do que a pergunta que ela fez para mim. No entanto, eu tinha a resposta e ela não. “Assim como você não gosta de alpinismo, algumas pessoas adoram novidades. Minha história pode até ser muito conservadora, sem criatividade. Mas sempre tem alguém que sobe o monte pela primeira vez”. Ela sabe que minha metáfora é idiota, mas não tem coragem de retrucar. Desculpem-me por ser tão tosco.

“Não se importa com as críticas? Têm você como um escritor medíocre e sem criatividade?”. Não me importava, eu disse. Mas o sentimento que ficava era de que alguma coisa não ia bem. Talvez por isso devesse responder que as críticas eram estimulo para eu continuar escrevendo e me empenhando por uma história melhor. Mas era uma mentira, eu não me identificava com as críticas e assim elas não me davam motivos para nada. Minhas histórias continuariam do mesmo jeito, e talvez o mundo não ficasse melhor ou pior para entendê-las como diferente. É mais difícil mudar a cabeça de um escritor do que mudar sua história. Eu abaixo a cabeça, como consentindo toda humilhação e respondo: “Claro que as críticas me incomodam, hoje mesmo vou mudar minha biblioteca, vou começar a ler os contemporâneos. Vou ler mais jornais, ficar antenado às mudanças. Não é assim que te ensinaram?”. Ela sorri como se fosse de gratidão, afinal o nosso tempo não estava sendo desperdiçado.

“Voltando ao assunto do livro: Eu considerei muito ordinário o título, já que ele pouco revela sobre o desenrolar da história. Enfim, para encurtar a pergunta, o título tem alguma relação como o tema?”. Se eu estava cansado no começo da entrevista, a coisa ficou muito pior agora. Minhas costas doíam, meus olhos lacrimejavam e meu estômago roncava. Minha empregada entrou na sala, era hora do meu remédio. A menina continua me olhando, esperando uma resposta. Nessa altura da vida, quando eu poderia dizer muito sobre minhas experiências, acabei descobrindo que as pessoas não estavam interessadas.

Para encurtar a resposta: “Acho que não, mas poderia.”. Reposta vaga, como tem sido nossas vidas.

terça-feira, maio 13, 2008

Cartas ao Vento - 007

Fui atacado mais uma vez pela insônia. Não é como gripe, que vai dando sinais de existência, permitindo nossas medidas profiláticas. Insônia chega de repente e custa ir embora. Às vezes quando ela desiste de nós, é tarde demais. Não é engraçado quem sofre de insônia, mas uma das piores coisas do mundo. Não que cause dor ou morte, mas é extremamente constrangedor dizer para alguém que ficamos a noite inteira sem dormir. Quem estava debaixo das cobertas, sonhando com o mundo encantado de Morfeu, não consegue entender: “Imagine deixar de dormir uma noite tranqüila por causa de uma insônia. Você só pode estar doente!”. Não vou dizer que é doença, para isso procuraria uns remédios escondidos no armário. Mas não é o caso.

Na insônia ouvi mais uma vez um amigo perguntando: “E as cartas de suicídio?”. O amigo é um escritor, que também deve sofrer de insônia, seu nome é Valdir Medori. Bem, as cartas de suicídio não existem, mas posso deixá-las prontas se alguém precisar. Deve ser muito chato pensar em se matar e ainda assim mostrar o motivo. Também seria muito injusto, além de se matar, não deixar nenhuma explicação. Fiquei pensando em como seria uma carta de suicídio. Não consegui um modelo interessante.

Além da pergunta sobre a carta, o que me intrigou realmente foi: afinal, eu disse para ele que faria uma carta de suicídio? Se eu disse, deve ter sido num desses encontros em que todos ficam bêbados demais para saber a verdade. Talvez num recado mal pensando que deixei debaixo da porta. Talvez nunca tivesse tido que faria uma carta de suicídio, mas ouvi dizer que alguém estava disposto a fazê-la. Não interessa, pois essas cartas não existem.

Consigo dormir tranqüilo. O recado do Valdir era mesmo para mim, mas serviu-me mais como tema do que como inspiração.