quarta-feira, maio 12, 2010

A Fome e o Artista

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Sou um artista da fome.
O dinheiro não me falta,
Nem o corpo que me sustenta.
Independente do tempo,
Inexisto para sempre.
Sou um artista, na pior concepção:
A não criação eterna,
E a morte do personagem irreal.
Nasci e me criei com propósito,
Que agora não existe mais.
O artista que eu era; não come.
E não teme mais seus animais.
Aquele sujeito sente frio,
Sente sede, medo; se arrepende.
O outro é intocável, mas morreu.
O artista com sede,
Envolvido nas mortes, na traição;
Nos mistérios inventados, foi.
E demorou muito em seu sacrilégio.
Foi para não voltar mais.
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É a decisão penosa, indecente.
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O que era a obra vive sempre.
Hoje tem mais sentido.
Eu me sinto melhor assim,
menos irrestrito.
A contradição da história:
O que me liberta, aprisiona.
São as dores nas paixões alheias.
Nas formas do corpo,
No sangue correndo na veia.
Sinto-me mais vivo e liberto.
Das palavras que julgadas livres,
Que na verdade me mantinham preso.
Sou o artista da fome,
Mas não tenho mais tanta fome.
Não tenho mais jeito, e sem jeito,
Decido pelo que é breve.
A morte do impacto é melhor, às vezes,
Do que a sofreguidão do silêncio.
Então, demorado o mistério:
O sacrilégio da boca
No que não sai mais em desespero.
Prefiro sim, essa aflição.
Prefiro o sofrer, o rompimento.
Elementos estranhos em mim,
Do outro instante de tempo.
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E se não causo mais transformação,
O artista que se mantém entorpecido,
Nesse túmulo de ossos e carnes,
Nesta montanha de sentimento em pedra;
É cadáver do peso do tempo,
É perdido no relógio da época:
Enfim, inútil na vida metáfora.
Ridículo como pulsar das letras.
Escárnio da amizade imaginária.
E quando a fome se torna memória,
A contradição ainda mais séria, então,
Nesse momento de repulsa
A vida bela é misturada com mórbida.
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E o artista sem idéia, morre sem ideal.
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Não tenho mais a fome,
Nem do corpo; nem da alma.
Não tenho mais a paixão pelas coisas
Nem das vivas, nem das mortas.
A flor que nasce do cheiro,
Nas mãos esmagadas pela espada.
Dos lagos cristalinos do brilho;
A lua que reflete apavorada.
E as coisas da irreal transmutação,
Não são mais belas nas palavras.
São reféns da mesmice história,
Que o artista da fome canta
Que a vida do poeta mata.
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A pintura do quadro que queria.
Fez-se necessário um dia.
Mas o mundo completo, falta.
Todos que desperto calam.
E, se usei tudo que tenho;
Corrompido, ignóbil ou inexato.
No sulco do desdém minha fome.
No julgo da consciência a queda.
No monumento das obras,
Um incompreensível arrependimento.
E tudo que tenho, ou quase nada.
Nas palavras ao vento desabam.
Na altura dos montes, se jogam.
O artista da fome não come
lidar com a derrota que o consome.
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Sou um artista da fome,
que vive em guerra no interno;
que nas paredes do impossível
lamenta-se do ser possível externo.
Aquele que muda o jogo,
mas nunca o número dos dados.
Aquele que recria o gosto,
E no maremoto dá o socorro.
O artista que fazia tudo,
Desaparece feliz em clausulo.
O artista que perde a fome
Que na volta para casa
Perde também o rumo
E na criação dos limites
Finda a palavra dita:
Nela o seu único e verdadeiro sentido.
Nela o seu indecifrável rito.
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Não tenho mais a fome,
Nem do corpo; nem da alma.
Não tenho mais a paixão pelas coisas
Mas uma coisa em mim ressurge:
Decido de quem serei refém na história.
Da Lua que brilha no lago,
Ou da mutação que me devora.
São as mais belas palavras,
Que na fome do artista é saudade;
Do alimento que no poeta morto
É a vida da flor que morre
do tempo que não mais desaparece,
do grandioso sentido da eternidade.
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terça-feira, maio 11, 2010

FOLHA 09/05 – FONTE DA JUVENTUDE



O céu estava maravilhoso, limpo; cheio de estrelas. Ótimo para minhas observações. A primeira constelação que vi em minha vida foi de Andrômeda. Ela está bem no hemisfério celeste norte. Intacta. Como há anos. Sei lá quantos, milhões? Só podia ser Andrômega; está descrito aqui no catálogo de Constelações. Eu deveria ter encontrado também a de Carneiro, de Cocheiro e Cão Menor. Não encontrei nenhuma delas. Continuei observando a noite, encantado.

Vou explicar: Ganhei uma luneta e um livro de astronomia. Agora mesmo estou praticando, só isso. Minha tia deu o presente como se eu fosse amar essa profissão de observar o céu. Não digo que odeio, mas não vejo nada demais em descobertas tão óbvias. As lunetas são refratores, isso quer dizer: instrumentos ópticos compostos de lentes. Galileu usava um refrator. Eu não queria ser como ele, queria apenas me encantar com as estrelas. É claro que as lunetas de hoje são mais modernas; meu cérebro é que não pode acompanhar de Galileu.

No hemisfério celeste sul encontramos a Constelação de Aquário. Não posso dizer a relação dessa constelação com o signo. Ainda tem a Cão Maior. Muitas outras. Mas o que mais me incomoda no céu é saber que ele não tem fim. Tudo tem um fim e um começo. Por isso sou Ateu. Uma explosão e nascemos, uma explosão e morremos (decerto em algum atentado terrorista). Sei que parece absurdo não existir nada, parece absurdo também o infinito. Mas como surgiu a primeira explosão? Não faço a menor idéia.

Poderia olhar janelas com minha luneta? O centro da Terra? Alguém, além de Júlio Verne, interessou-se pelo centro da Terra? Olho meu pé com a luneta. Um tênis velho e sujo. O cadarço do pé esquerdo está desamarrado. Estou de calça jeans. Existe alguma coisa em mim que eu queria descobrir? Poderia com a luneta? Minha pele seria Litosfera?

Ponho a luneta na posição que eu a encontrei quando entrei nessa saleta. Fui até o espelho. Havia mais mistérios em mim do que em qualquer infinito céu. Não tenho fim em mim, posso ficar horas descrevendo o que sou e nunca encontrar uma solução. Galileu ingrato, não fez um apanhado do cérebro. Imagens, várias imagens na minha cabeça. As constelações existem em formação quando eu fecho os olhos. Não acreditam?! Incrédulos!! Como ousam duvidar da imaginação?!

A pirosfera arde em minha pele, quer sair; sobrevoar minha casa. O quê existe em mim além dessa vida cotidiana? Não sinto tédio, mas sinto-me pequeno demais diante do mundo. Maldita luneta! Pude ver o infinito e não acreditar nele! Barisfera de ferro e cristais, em mim o sangue no coração. Eu tenho um coração Isaak Newton! Freud, não é sonho!

Deixei o espelho e sua imagem triste, queria as estrelas. Voltei para a luneta: Olho. Procuro. A luneta ziguezagueando o céu. Eu fico tonto. Estaria caindo num buraco negro? Matéria escura não-bariônica? Existe alguém neste céu que possa me colocar no chão? Estou dentro da Adventurer? Posso voltar para a Terra, na minha casinha, perto da minha Tia Geralda? Estou no centro da Terra ou nas Constelações infinitas? Creio que minha viagem em mim trouxe confusões, estou perdido.

Olho novamente meu tênis desamarrado. Sou eu mesmo, com os pés no chão. O livro de astronomia está em cima da estante. Página doze. Capítulo quinze: Constelações do Hemisfério Norte. Ainda estou vivo, tudo voltou ao normal. Não fui, creio que não deveria ter voltado. Só não entendo as marcas de barro, essas pegadas estranhas. Juro que estava com os pés limpos antes de entrar neste inferno! Fantasia. Existe estrelas que multiplicam fantasias? Não neste livro velho e pouco versátil.

Texto original 20/04/2005

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