sábado, setembro 05, 2020

NUNCA É SÓ UM ENCONTRO


Ontem ouvi poucas e boas. Nada muito pessoal, falava o som das palavras e do sermão à toda uma geração. A minha geração ali reunida precisava ouvir que nosso tempo passou e que é tão inútil a nostalgia sem contratempo. É preciso olhar para o futuro sempre, evoluir sempre, desejar que a história nunca se apague, mas nunca se apegar a qualquer história. Um novo ser renasça de tudo que passou. Naquela hora a conversa, o sermão, o passado deveria ser um requinte de amor, mas a ideia do futuro é a paixão geradora, uma nova vida. Como diz Belchior: “é você que ama o passado e que não vê”. A filosofia nasce assim, das conversas mais improváveis, nas horas mais absurdas.
Era uma reunião entre amigos de mais de vinte e cinco anos. E sempre que pensamos em nos reunir o passado sempre é aquilo que alimenta nossas emoções. Somos aquilo que no passado era sagrado, enganando um presente muitas vezes tão ou mais feliz. Enganamos conscientemente aquilo que somos, revivendo os absurdos de nossa vida, o tédio de nossa juventude, a falta de oportunidade ou de dinheiro; mas uma grandiosa energia em relação ao futuro. Sinto do passado a saudade da minha energia em mudar o mundo, moldá-lo como eu queria que fosse. O presente é mais assustador, onde somos mais complacentes com as regras. As decisões daquele passado hoje é fruto do que somos. Então, na reunião, uma voz sai entre tantas e diz: você precisa evoluir, sair daquele passado que ainda te aprisiona! Não foram essas palavras, mas em meus ouvidos surgiu como se fosse assim. Pensei é verdade isso, mas como dói ouvir.
Estávamos regando nossas histórias do passado com a emoção do reencontro, mas também com cerveja e aquilo que ela, e só ela, pode revelar diante de olhos tão atentos. Geralmente somos mais verdadeiros quando embriagados. Platão em um banquete. Olhamos atentos na nossa desatenção da conversa e a ideia de mudar, de evoluir, de sair daquela prisão do passado ficou na minha cabeça sóbria. Chego em casa nostálgico. Pego um disco e ele me diz cada linha de tudo que eu precisava ouvir. Música por música, linha por linha: a tristeza não pode mover nunca nada, mas pode a tristeza a chance de decidir que algo não deve continuar como está. Minha tristeza em cada música do Belchior em sua grande obra, “Alucinação”.
“Você não sente nem vê, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo: Que uma nova mudança em breve vai acontecer, o que há algum tempo era jovem e novo, hoje é antigo e precisamos todos rejuvenescer”. Eu precisava rejuvenescer, era fato. Eu precisa deixar aquele velho tacanho dos últimos anos. Não estou interessado em nenhuma teoria, mas amar e mudar as coisas. Eu precisava agir para matar aquele novo homem já velho e aquele velho adolescente novo surgisse com toda a força. Já dizia o grande mestre: remendo novo em roupa velha, ainda que uma roupa arrumada, continuará sendo velha. Era um churrasco entre amigos, mas o nome e os rostos diziam sobre mim, aquilo que em mim não precisaria ter mudado, mas mudou. Disseram-me tudo que eu mudei e que não era preciso.
Sim, foi um encontro fantástico de rememorar do passado a essência do jovem esquecido. Foi um encontro em que ficou estampado que o essencial não precisava ter ido embora, mas que muito em mim precisava mudar para eu ser tão imperfeito como na minha perfeição na adolescência. Andar desesperado a fase adulta é a parte mais terrível do passar dos anos e “Se você vier me perguntar por onde andei no tempo em que você sonhava de olhos abertos, lhe direi: Amigo, eu me desesperava”!

29.12.20

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