segunda-feira, dezembro 14, 2015

Politicavoz: A carta


Nunca na história desse país uma carta rendeu tanto. Renderá ainda mais nos próximos capítulos. A carta de um amor não correspondido perdeu sua eficácia nos modelos da nova literatura romântica: o romantismo político. O sofrimento pelo poder é hoje mais vital, suficientemente taquicardíaco até a morte. Adeus aos românticos do século passado, retrasado; temos a contemporaneidade dos românticos políticos. Eles, da velha nova guarda; são tão humanos quanto heróis. Dizem que são anti-heróis, mas eu duvido. Há neles uma questão de uma moralidade terrivelmente incomum aos seres normais.

Na crise do golpe ou num golpe em nome da crise, merecíamos um pronunciamento desses. Uma carta roubada, como quem rouba um beijo. Muitas vezes acaba sendo uma afronta aos enamorados; mas no fundo, é algo que ambos desejavam. Deixar claro a relação ao público é o êxtase. Um sofre o amor não correspondido, vão ao programa de auditório, num jogo de cena que todos eles já sabem, aquilo que deveria existir apenas na intimidade. A família, alguns políticos; outros jornalistas também suspeitavam da situação; mas deixar assim, tão claro, é algo fabuloso.

Estamos na época da “sofrência superfaturada”. A crise política é enorme, mas não existe nada de diferente daquilo que vemos na nossa democracia há décadas. A crise econômica é tão ruim quanto tantas outras que vivemos. Assim por diante. Há uma certa correlação de expectativa: um governo medíocre torna-se ruim e culpado por tudo que acontece no país. Até mesmo situações que aconteciam antes, desde o início da nossa história. Mas o bode expiatório pode ser um resultado prático, eficiente e estanque; mas em nenhum momento resolverá nossos problemas incrustrados; pois são problemas que independem da liderança política no poder, nem o nome do presidente; nem o partido. Por isso, a presidente é culpada, mas não é a única. Há uma parcela enorme de responsabilidade inclusive de nomes da oposição, que não torcem muito pelo barco não afundar. Há uma parcela significativa do povo, com seus velhos hábitos.

A crise agora é de confiança, como também é a confiança um termo que nós, população em geral, já perdemos. Quem me dera acreditar que a corrupção é um problema de um partido, isolado em alguns membros; decidido ou não por um líder político. Seria mais convincente decidir pelo impeachment; acreditar que a mudança de um Brasil melhor estaria ao nosso dispor. Mas não acredito, acredito que é uma ferida que será aberta; caso haja irregularidade no julgamento de Dilma, tirando-a do poder por questões que estão além das decisões jurídicas. A presidente cometeu erros administrativos, isso é fato. Não conseguiu resolver um problema que nossa economia enfrenta. Podemos dizer, de fato, que seu segundo mandato é ruim para baixo. Mas essa percepção não pode tirar um presidente. Há razões para afastá-la? Que o façam. Só não pode ser por debaixo do pano, com jeitinho; pois fica feio.

A carta revela uma intimidade entre membro dos poderes. É aquela coisa: se soubéssemos aquilo que os jogadores falam nos vestiários antes dos jogos, poderíamos ficar perplexos. Como também nos causaria certo constrangimento a intimidade dos políticos convivendo com políticos. Sabemos exatamente aquilo que eles pensam? São verdadeiros nas entrevistas? Decidem pelo nosso bem, como afirmam em suas manifestações públicas? Querem mesmo aquilo que achamos que eles querem? Temer devia imaginar que a crise de confiança não é um fato isolado, mas aquilo que ele disse em sua carta revela mais ou menos aquilo que o povo diz sobre os políticos de uma maneira geral, coisa que não deveríamos pensar apenas da Dilma.







quinta-feira, novembro 12, 2015

Lembrar Sorrindo

 

(2004)

Privada.
Vomito de bêbado.
Garrafas vazias no chão.
Sem jornal há meses
e sem nenhuma noticia na televisão.

Não sinto falta de nada.

Papel de parede rabiscado,
alguns livros jogados e um disco no chão:
Cazuza, Kafka e te amo Fátima

Mas não é por amor que estou no sofá.

Não existe comida em minha geladeira.
Leite estragado em pó.
Frutas podres.
Batatas, rabanetes e beterrabas brotando.
Nenhuma mosca na sopa
ou abelha no pote de açúcar.
Todos nesta casa estão vivendo algum tipo de morte.

Estava nas profundezas da caverna da minha tristeza.

Um corpo morto,
um olhar sem vida
uma calça rasgada, um maltrapilho.
Um copo de suco
e uma xícara de chá (vazia)
com doses de uísque sem gelo.
Um Alacran Tartarus  

Mas sabia que ainda estava vivo.





segunda-feira, novembro 09, 2015

DESCONECTADO: Será? Minha imaginação.


No mundo do rock é muito comum grupos viverem na órbita de um dos seus integrantes, que geralmente é responsável por toda criação artística, desde as composições, letras até a decisão pela capa do álbum. Não por acaso, a figura quase sempre é a do vocalista. Em alguns casos essa divisão é compartilhada, veja o exemplo dos Beatles. Em outras, o líder não é tão evidente assim; mostrando sua gerencia nos bastidores; com é o caso de Iommi no Black Sabbath e do Harris no Iron Maiden.

Legião Urbana é um modelo clássico de uma associação quase que imediata em relação a essa liderança. É impossível falar sobre Legião Urbana sem falar do Renato Russo e vice-versa. Principal compositor, letrista e arranjador, Renato é líder de uma legião, não apenas do grupo. Os legionários existem, não à-toa. Renato ofuscava todos os outros envolvidos, ao ponto de uma automática extinção do grupo logo após a sua morte. Dado e Bonfá como mero coadjuvantes ficaram reféns não apenas das determinações jurídicas, mas emocionalmente. Como continuar o grupo sem a principal figura? Como será a criação?

Outros grupos espalhados pelo universo musical já passaram pelo mesmo dilema. Alguns conseguiram desvincular a imagem desse líder, continuando a carreira, lançando novas músicas; e a vida que segue. Não é fácil, mas possível. As novas composições geralmente são novas “roupagens” de uma ideia central da banda, mas nunca será a mesma coisa. Muitas vezes nem melhor, nem pior; mas simplesmente diferente. Dado e Bonfá, se pudessem, continuariam com a banda? Havia clima após a comoção de milhares de fãs? Era normal continuar ou falta de “respeito”?

Com o tempo, e sempre o tempo, muitas coisas aconteceram. Dado se atualizou, esteve presente no mundo da música; assim como Bonfá. Projetos pequenos, projetos grandes; participações especiais, e assim por diante. Um músico, mesmo no ostracismo, nunca deixa de ser músico. E talvez por isso, em algum momento da história dos dois; houve uma necessidade enorme de não deixar a história acabar; ou como diz a própria essencial do rock, “deixar rolar”. Assim, surgida a oportunidade, e a vontade, em comemorar os trinta anos do lançamento do primeiro álbum, eis que o novamente o Legião Urbana surge no mundo musical. Disponível, melhor e nostálgico.

O show em São Paulo me mostrou exatamente isso. Legião estava disponível para os fãs, aqueles que nunca puderam ouvir a banda ao vivo. É sempre uma cara de “cover de si mesmo”; mas com algo diferente. A banda está melhor, tanto Dado como Bonfá melhoraram muito do que eram naquela época. Alguns solos que não existiam foram incorporados; um peso maior com o auxílio de uma segunda guitarra; Bonfá com uma vontade enorme de tocar. Em meio a tudo isso, um agravante na análise: o vocalista. Sim, não pode existir um novo Renato Russo, não é certo, justo e lógico. Mas seria certo, justo e lógico o grupo não existir nunca mais? Fica a pergunta para os fãs, eu tenho minha resposta.

André Frateschi foi escolhido para essa complicada tarefa. Complicada para quem assiste, mas posso garantir que não foi para ele. Ator e músico, Frateschi subiu ao palco com jeito de fã, mas com presença de músico. Estava tão natural ali, cantando bem e com segurança, que parecia que a escolha tinha o dedo mágico e imaginário de Renato Russo. Em nenhum momento quis imitar, em nenhum momento quis ser o Renato; mas em todos os momentos quis fazer a apresentação em sua maneira mais honesta possível. Deixou transparecer sua energia, trejeitos e jeitos próprios: Renato Russo não estava no palco, mas não se envergonharia de ver André cantando.

A primeira parte do show era a apresentações na íntegra do primeiro álbum. E começou numa agressividade que já não víamos nas últimas apresentações da banda. Som pesado, rock and roll brasileiro. Duas guitarras (embora a segunda mais baixa), baixo também corretíssimo (também mais baixo que a bateria e a guitarra de Dado); nada disso interferiu na apresentação. Primeiro álbum com todos os hits, e a minha certeza de terem acertado, dessa vez, em escolher um cara não muito conhecido pelo público; mas muito bom no palco. A segunda parte com alguns convidados intercalando com André os vocais. Figuras exóticas, figuras conhecidas; músicos do underground. Tudo muito divertido, mas evidentemente pouco ensaiado; nada que não aconteça nesse tipo de apresentação.

Apresentação foi nostálgica pois, além da apresentação na íntegra do primeiro álbum, a maioria esmagadoras das músicas apresentadas são da primeira fase do grupo.  Também de uma maneira geral, músicas com mais a cara do grupo, pois eram composições que ainda eram determinadas pelos membros remanescentes. A minha grande frustação foi não escutado alguma coisa inédita, sentir como o público reagiria com um novo som, novas letras. Dado, Bonfá e André numa única composição seria um indício interessante de que as coisas não acabariam por ali, uma apresentação festiva. Minha satisfação? Música mais pesadas que o habitual.

Foi um show maravilhoso daqueles inesquecíveis? Não. Um dos melhores que eu vi na minha vida? Não. Foi um show bom. Foi um show inesquecível no sentido histórico, por tudo que envolvia a apresentação. Não foi o melhor show da minha vida; mas isso pouco importa para o rock. No mundo da música é assim mesmo. Para os fãs, Espaço das Américas foi um pedaço do paraíso; numa transloucada relação metafísica entre quem tocava, quem ouvia; e uma eventual presença de Renato Russo meio que admirando todo o espetáculo. “Eu sei que ele está aqui!”, uma fã ao meu lado não cansou de revelar. Para um fã de música, foi uma apresentação cheia de músicas legais, com uma banda de músicos muito bons; com a aura de termos no palco duas figuras importes do rock nacional.

Mas, acima de tudo isso, como um cara que gosta de música como eu, ficou aquela sensação de que novas criações poderiam surgir. Músicas de dois caras importantes para o rock nacional, em conjunto com um cara que demonstrou ter incorporado o espírito do grupo, e com o nome ou não de Legião Urbana, poderiam lançar novas músicas para tirar um pouco o marasmo daquilo que estamos vendo e ouvindo no cenário nacional nos últimos anos. Será minha imaginação?





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terça-feira, setembro 15, 2015

DESCONECTADO: Como um vício

 

E tornou-se tudo tão superlativo. É verdade, ainda não me acostumei conviver com tantas diferenças. Aqui nada é viver, tudo é paisagem. Tudo tão descritivo: opiniões demais. Mas faz parte da minha vida rotineira, como tomar banho; comer e fazer sexo. Um relacionamento aberto, às vezes, festivo; muitas vezes, não. Curtir, compartilhar e determinar tendências. Tudo é uma certeza excessiva: da moda, da política; do certo e errado. E eu, ao meu tempo, do meu modo; sinto-me cada dia mais ignorante, não sabendo qual minha decisão certeira; pois o tempo passou depressa, e mais algumas palavras ficaram perdidas.

Você lembra quais suas postagens de hoje? Não lembramos. E quando lembramos, por um descuido qualquer da memória, não sabemos sua relevância. Pois nesse mundo de excessos, não é tão relevante quando há inconsciência. Fotos, piadas, músicas, opiniões, reportagens; mentiras. Tudo vai e vem, num replique multiplicador de informações, que deformam muitas vezes aquilo que é essencial: a troca, a conversa, os desejos íntimos. De tantos que aqui comparecem, somos tão pouco íntimos. Como foi o seu dia? Como está o trabalho? Tem vontade de comer o quê no final de semana? Como estão os filhos? Tão íntimas, mas tão ordinárias nossas relações inconstantes. Diga-me sobre você, mas não diga aquilo que os outros estão dizendo, numa manada tão despretensiosa.

Aqui eu vivo nitidamente vigiado. Como se normal nos dias de hoje fosse tanta nudez. Expresso-me sem qualquer receio, pois não será apenas aquilo que eu sou, mas o tanto que me fizeram ser. Por isso, quando digo odiar a segunda-feira, odeio com todo o coração, mesmo quando a segunda-feira for de bom grado. Quando digo contar as horas para a sexta-feira, faço-o como se toda sexta-feira tivesse qualquer produto que me fizesse feliz. Aqui não há espaço para o talvez, nem para o “hoje não quero, estou com dor de cabeça”. Hoje é todo o dia, até o dia seguinte; até a próxima postagem. A escolha; qualquer que seja, é polêmica.

Vigiado, vigiado. Jogo numa centrífuga tudo de mim, minhas escolhas, decisões, medos e vontades. Gostem em mim, triturado aos meus iguais tão desiguais, meu desejo. Em formado único, pulverizado; decido que quero mesmo sem saber realmente o quê. Quero, pois todo mundo quer. Não quero, pois ninguém quer. Tudo ao mesmo tempo, simultaneamente. É assim a vida por aqui, nessas horas que passo com vocês, intercalando o metrô lotado com as centenas de curtidas no texto. Às vezes não são centenas, e isso é a morte. A morte que acontece aqui dentro pode ser a vida que acontece lá fora.

E assim vamos logando, transloucados...





sexta-feira, setembro 04, 2015

Desconectado: Iron Maiden V – The Book of Souls


Devo confessar que me sinto um pouco desconfortável falando sobre o Iron Maiden. Duas situações me levam a isso, a primeira é que conheço pouco de música. Não da história, mas dos acordes. Portanto, falar sobre técnica, riffs, graves e agudos; cowbell é um grande enigma para mim. Outra coisa, falar de uma banda que eu escuto há mais de trinta anos, mais difícil ainda. Tudo soa como blasfêmia, de quem perdeu o respeito aos mais velhos. Mas vou anotando, dizendo aquilo que penso, como se libertário fosse. Eis que estou aqui, com mais um álbum completo, diretamente aos ouvidos, existindo por nós, os fãs: The Book of Souls – Iron Maiden.

Acho que o fã é um estereotipo incompreensível. Todos os tipos e de todos os modos. Fã do Iron Maiden não gosta de levar desaforo, mesmo quando a banda faz algo errado. Foi assim que eu me senti quando ouvi os piores álbuns da banda, tentando achar ali alguma coisa que salvasse a reputação de ser fã. É claro que a idade nos dá uma clareza estranha, até mesmo quando o subjetivo parece dominar todo o parecer. Pensando em tudo isso, decidi refletir sobre Iron Maiden. Sem medo de dizer a verdade, pelo menos a minha verdade.

Assim, posso afirmar a existência de cinco fases do Iron Maiden. E esse disco, lançado agora mesmo, The Book of Souls, faz jus de forma magnifica a última Era, que começa com o retorno de Bruce Dickinson aos vocais, em 2000. Fase I (1980-1981), Fase II (1982-1988), Fase III (1990-1992), Fase IV (1995-1998) e Fase V (2000 – Atual). A decisão de detalhar as fases é uma forma de passar uma informação importante: Estamos há 15 anos na fase do Iron Maiden e seu relacionamento conturbado entre Hard Rock, Heavy Metal e Prog Metal.

Se eu não me engano, poucas resenhas tratam o novo álbum sem compará-lo com a segunda fase, a mais grandiosa e certeira da banda. Poucas resenhas tentam desvincular o Iron Maiden II (De 1982 até 1988 - E lá se vão quase trinta anos). Por isso, resolvi escrever sobre o álbum, pois ele me pareceu o clímax da quinta fase, onde músicas longas são apresentadas, mas sem serem cansativas; onde o hard rock é apresentado, sem parecer tão comercial; onde o Heavy Metal é tocado, sem parecer nostálgico. Um amadurecimento dos seus membros, evidente. O romance com o rock progressivo, que teve seu namoro com o Seventh Sono f a Seventh Son, pode ser colocado a sociedade, sem medo de críticas e arrependimentos. O Iron Maiden não é mais a banda que tinha suas características no punk, heavy metal tradicional inglês e uma agressividade pungente. A banda agora é aquilo que há de melhor para o Heavy Maiden. Absolutamente um estilo único.

E já que falamos em fases, nada melhor que localizar o álbum exatamente em sua Era, que se inicia com Brave New World (2000), o menos experimental deles; até o The Final Frontier (2010). E nessa comparação não há menor sombra de dúvidas que The Book of Souls é o melhor álbum de todos. Não sei qual a motivação individual, mas a verdade é que vemos todos os integrantes em sua melhor apresentação. Poucas músicas, desde então, me fizeram prestar atenção nos instrumentos de forma isolada, apreciando cada passagem de cada músico. Poucos álbuns, dentro da nova fase, me trouxeram o prazer de escutar um álbum mais de uma vez, trazendo à tona nostalgia de grandes grupos, não apenas do Iron Maiden. Vi Black Sabbath, Deep Purple, só para ter uma ideia. Mas antes de tudo, ouvi Iron Maiden em sua nova fase, definitiva em sua quinta geração de álbuns. Devo pensar que, como fã, estou exagerando um tanto; mas qual é o problema, todos os fãs são um tanto exagerados.

As primeiras informações que surgiram sobre o novo álbum eram antagônicas. Ao mesmo tempo em que se ouvia que o Iron Maiden apresentaria músicas longas num inusitado CD duplo, surgia a notícia sobre a doença do vocalista. Bruce Dickinson tratando um câncer na garganta. Era de se esperar que os vocais fossem menos exigidos (embora tenha descoberto a doença posteriormente); trazendo para o álbum as famosas e terríveis introduções dos últimos álbuns. Cansativas e desnecessárias. Neste álbum, boa parte das músicas possuem essas introduções, mas longe de serem detestáveis. A base do Iron Maiden enfim estava evidenciada: Bruce Dickinson numa fase esplêndida, Nicko McBrain aparecendo muito, Steve Harris galopando, Guitarras certeiras e melodiosas. Tudo muito bem feito. Músicas longas, mas música muito bem executada. Por isso eu afirmo, o novo álbum não serve para quem tem pressa. Não serve para serem escutadas no carro, indo para o trabalho. Não serve para quem tem hora marcada.

O álbum começa com uma música de pouco mais de oito minutos: If Eternity Should Fail”. Diferente dos outros álbuns, em que a primeira música era agressiva e rápida, esta começa com uma introdução que lembra algo tribal, com Bruce Dickinson cantando sem nenhum instrumento. Quando a banda inteira aparece, eis que temos Iron Maiden em sua maneira mais clássica. Considero uma das melhores músicas. Riffs poderosos e um refrão característico. Música caberia na segunda fase, em qualquer álbum. Não faria feio na Fase de Ouro. Nota 10.

A segunda música é “Speed of Light” – Escolhida para ser o single, inclusive sendo liberada pela banda num clique muito interessante sobre os games da década de 80. A música é direta, rápida e o tipo de música, que em outros álbuns, seria a primeira a ser tocada. Curiosamente é a música que eu menos me identifiquei, embora muito interessante. Nota 8,5.

“The Great Unknow” – Marca evidente da quinta fase da banda. Poderia ser colocada em qualquer álbum de 2000 para cá. Embora de qualidade muito superior. Enquanto as duas primeiras músicas mostram a participação dos membros do Iron Maiden, esta parece ser uma composição exclusiva do patrono, Steve Harris. A cara desse novo Iron Maiden, prog metal, introduções e afins. Se vocês não gostam dos últimos álbuns devem estar torcendo o nariz para a música somente pelos meus comentários. Mas não se enganem, esse álbum é muito bom, e até mesmo uma música com a cara dessa Nova Era Maideana, soa com um hino clássico. Quando a música começa, temos o verdadeiro e irreconhecível Iron Maiden, Nota 9,5.

Outra música que nos remete mais ao Iron Maiden da segunda fase (exceto pela introdução), “The Red and The Black não traz nenhuma surpresa, nenhuma reconstrução daquilo que já ouvimos antes, no entanto, é a música com cara de Piece of Mind que o vocalista disse em entrevistas (Em entrevista, Bruce Dickinson disse que Speed of light tinha cara dos anos 80). Como sempre, música feita para shows, pois o clima todo é contagiante e grandioso. Mais uma vez a presença marcante do sétimo integrante, trazendo os teclados para preencher os espaços entre os solos e afins. Aliás, mais uma vez grande presença dos guitarristas, nas batalhas já conhecidas da banda. Nota 9,5

A quinta música nos remete a fase quatro do Iron Maiden – Tudo ali parece caber nas linhas vocais de Blaze Bayley, um pouco mais alegre. Talvez por isso considere “When The River Runs Deep” o ponto fraco do álbum. Vale ressaltar que a música não é ruim, mas se compararmos com tudo que foi apresentado até então, sua qualidade é muito inferior. Iron Maiden direto, rápido, pesado e simples. Poderia também ser um single, com retoques mais de heavy metal que hard rock. Nota 7,5.

A faixa título, “The Book of Souls”, dá um certo calafrio com sua introdução. Trauma dos últimos álbuns do Iron Maiden e suas despretensiosas introduções. No entanto, no caso específico, temos uma belíssima introdução acústica que serve para trazer uma das melhores canções do álbum. Batalha de solos, vocais claros e melódicos. A música tem tudo para ser uma das mais emocionantes nos shows. Outra vez o dinamismo da música não nos permite questionar os dez minutos da faixa. Assim como aconteceu com Seventh Son, os teclados dão uma estrutura para todo o acompanhamento. Vale a pena decorar a letra, cantar junto, se arrepiar. Encerra-se a primeira parte do álbum. Nota 10.

Mais uma faixa intermediária, entre o Iron Maiden progressivo, do estilo dos últimos álbuns; e o Iron Maiden que agrada os fãs mais novos, recém adquiridos com o já longínquo Fear of The Dark. “Death or Glory”, música pesada, rápida, nervosa; com tudo aquilo que os mais ávidos roqueiros querem. Cara da carreira solo do Bruce Dickinson, mas com algo bem específico do Iron Maiden. Interessante, embora tenha passado desapercebida por mim numa primeira audição. Não faria falta, ainda que eu considere importante na divisão entre “as porradas” e as “músicas trabalhadas”. Refrão típico. Nota 8,5

Os anos 80 voltaram! Descaradamente “Shadows of The Valey” poderia ser gravada na época do Powerslave ou coisa do gênero. Cara completa da fase mais famosa e empolgante do Iron Maiden. Pura nostalgia. Se dissessem que a música estava gravada em algum lugar do passado, e que tivessem encontrado a “fita k-7” e a regravaram, não seria nada impossível. Quando o álbum parecia ficar cansativo, eis que aparece um respiro, um alívio; um estimulo qualquer dizendo: fique ainda, coisas interessantes virão! Mesmo que você odeie a nova fase do Iron Maiden e que não queira saber desse álbum, escute essa música pelo menos umas duas vezes (uma das poucas músicas com final clássico, sem rodeios). Nota 10.

Depois da magnífica faixa anterior era de se esperar que a expectativa em relação a próxima música. “Tears of a Clown” não chega a ser ruim, mas é altamente frustrante. Volto a lembrar que a fórmula encontrada em intercalar músicas longas com músicas simples, pode ter dado certo, mas aos ouvidos mais atentos, para essa música em especial, fica a impressão que alguma coisa ficou faltando. A música mais curta, embora mediana, não chega comprometer o álbum. Traz um belíssimo solo de guitarra. Nota 7,5.

Música para mostrar o quanto vocalistas como Ian Gillan e Dio foram importantes para Bruce Dickinson. “The Man of Sorrows”, trouxe um Iron Maiden adepto às influências dos anos 70/80 de bandas clássicas, rock simples e direto; menos melódico; com cara de “balada”. Ainda que (Graças aos Deuses do Rock), não tenham caído no erro de regravarem um Wasting Love II. Não vou dizer que é o ponto alto do álbum, mas como estamos falando da melhor obra pós-2000 do Iron Maiden, temos que ter uma certa exigência em relação a tudo que é apresentado. Vale, sim. Escutei diversas vezes, meio com cara de Whitesnake melhorado, o que não é difícil. Nota 7

Meu Deus! “Empire of the Clouds” é uma coisa que nunca pensei em ouvir num álbum do Iron Maiden! Mas é uma surpresa extraordinária. Música mais longa, com quase dezoito minutos de uma verdadeira ópera rock. Tem violinos, acústicos; piano. Bruce Dickinson demonstrando o motivo de ser considerado um dos melhores vocalistas de todos os tempos. Um início calmo, sento-me tranquilamente no sofá, a música por si valeria todo o disco. A música vai evoluindo, mas diferente do que se pode imaginar, não conseguimos perceber nitidamente a passagem da música, as suas mudanças. Beleza impossível de se comentar, creiam. Não é Iron Maiden clássico, não é Iron Maiden progressivo; mas é Iron Maiden que cria uma obra de arte, cheia de enigmas, sons e uma forma incomparável. Nota 10.

Como eu disse anteriormente, o álbum faz parte da fase em que o Iron Maiden teve as mais sérias críticas em relação ao estilo musical. Há sempre o questionamento em relação ao tempo das músicas, a necessidade das introduções; passagens desnecessárias. Ainda que esse álbum tenha as mesmas características tão comentadas nos álbuns anteriores, considero que enfim puderam cravar com todas as letras a possibilidade de gravarem grandes músicas sem precisarem se preocupar com o tempo que as pessoas gastariam para escutar. Escutar “The Book of Souls” não será perda de tempo. O álbum é simplesmente incrível, desproporcional aos sons pasteurizados que temos ouvido ultimamente. As músicas são livres e belíssimas, empolgantes. É a correção da Era Maiden V, progressiva, única e sem qualquer comparação. ÁLBUM NOTA 9



quarta-feira, maio 27, 2015

Os meus dias de solidão


Sumirei por alguns dias. Assumirei meu estado de graça. É necessário o sacrifício para a mudança. Pretendo o silêncio que faz bem à alma.  A solidão nesses dias aflitivos (Na verdade nunca estamos sós, mas estamos em Deus), requer de mim a paciência; uma sapiência, um correto comportar-se. Um pesar na frase impensada, antes que a revele. Reflexão dos meus atos - Como se fossem dos outros, em mim, a consequência. Não faça ao outro o que não quer para si mesmo, diz o mandamento. Não vou sair do meu cotidiano ordinário, mas transformarei em mim o mundo que me abriga. Sumirei das vistas banais dos homens e ouvirei anjos em sua sabedoria. Olvidar os vícios, os males; paixões irresponsáveis. Em mim, nesses dias, a ágape. Subirei ao monte invisível dos planos secretos da vida; que embora se denomine morte; é onde a história não termina. Aos meus amigos, que a minha volta, em breve; aguardam; trago cartas da fé que sempre tive.

E na carta falarei que felicidade no mundo é impossível, mesmo sabendo que ela é base que alicerça a vida. Impossível ao homem, mas não para Deus. Portanto não queria ser feliz pelo caminho errado, nem pelas escolhas imutáveis. O homem busca a felicidade eterna naquilo que é perecível: o que corrompe a felicidade é a corrupção da matéria. A matéria transforma-se, se desfaz. Vejam os séculos que se passaram, desde a criação do mundo humano; bens e tesouros mudaram de mãos, e continuando não sendo de ninguém. O ouro, que hoje se carrega nos dedos, talvez na alquimia do tempo, tenha sido de um rei ou de um criminoso; na boca podre de algum, pirata. A prata que se coloca na mesa, surgiu na manufatura de uma arma ou de um santuário. Tudo se transforma com o passar dos anos. Mesmo os humanos, com o esquecimento de tudo que deixou de ser; viverá nova velha aventura como se nunca tivesse a vivido. 

A felicidade não é desse mundo, assume o risco de nos desapontar Jesus de Nazaré, quando nos revela a frase fatídica nos Evangelhos. Mas, em sua vasta sabedoria, credita à verdade o remédio para qualquer ilusão. Que adianta a crença na felicidade quando se joga fora a oportunidade do aprendizado? Que nos serve a vida, para quem acumula o bem-estar desapropriado; quando desse mundo não há qualquer apropriação? Que valerá qualquer tesouro, quando nem o corpo, dito maior propriedade; se carrega para infinito?

Então, no silêncio das orações; a conversa íntima com Deus; onde quer que   esteja, nunca é vã. A oração é nosso pensamento ao infinito; a meditação é a resposta do infinito em nós. E nesse sumiço de mim do mundo, escuto nas literaturas sacras alguns ideais precisos e sublimes. É preciso aprender na solidão a companhia do mundo invisível, do saber eterno; a regalia das conquistas espirituais. E nos caminhos da verdade, quer nascido no seio do Himalaia; ou no ventre da Judéia; no agreste sertão; lições da vida e da morte, da felicidade e do sofrimento.

Diz ali que os pecados do homem nascem do homem. Nenhum ser, nenhuma planta e nenhum animal são responsáveis pela mente humana. Dois cavalos que se jogam na estrada, mas que não levam a qualquer lugar quando um deles está desgovernado. O homem como criador do seu caminho deve controlar o seu desejo e dominar sua vontade.

O desejo é a paixão do homem, descontrolado em sentimentos humanos; enraizados em seu instinto. Paixão que não é boa, nem má. Mas é o fogo. A paixão pela vida pode ser traduzida pela paixão do poder. O desejo é descontrolado na maioria das vezes. Irracional, motivado pela inconsequência dos atos. A violência é uma paixão, o amor nasce da paixão. O desejo do homem traz o desconforto da irracionalidade.

Em contrapartida ao desejo, a vontade. A lógica, a ação e o verbo ativo. O homem controla muito facilmente a vontade, embora se esconda de suas consequências. A vontade é criadora; é motivação; caminho que percorrerá em seus dias. A vontade é lógica, uma escolha; uma ponderação. A vontade na solidão é reflexão, solidão nos desejos é tormento. Desejo é afetivo, a vontade é afetuosa. Quem entende e pratica a diferença do desejo e da vontade controla suas escolhas diante da vida.

E Deus fez o homem e disse que ele governaria os animais - Descrição da Gênese - Animais são nossos instintos, numa figura simbólica. O homem que quer ascender deve dominar seus instintos primitivos. Nasce a infidelidade, a cobiça; o ódio. Nasce dos instintos descontrolados a tentativa de se tornar Deus. O nosso lugar na criação foi dado com amor e compaixão, mas fazemos do nosso corpo a corrupção do poder. Contenta-nos a criatura mais protegida pelo Criador fizesse distinção de sua obra. O homem dos instintos descontrolados não consegue a solidão do pensamento; a oração. Ele quer a carne, muitas vezes o sangue, quer a luxúria e os prazeres. O homem destrói o corpo, o mundo; os habitantes ao seu redor; transforma a casa de oração, o corpo físico, num covil de ladrões. Expulsa, Jesus em seus ensinamentos, os vícios do nosso corpo mortal.

E em nós cresce os males do corpo físico, que manipulam a oportunidade de aprendizado para vida eterna. Temos na vida física, terrena e humana; condições de compreender tudo que nos rodeia o mundo espiritual, como numa escola, de grandes e magníficas proporções. Na vida, como hospital a nos separar da doença, nos curando das chagas; salvando-nos da miséria da infelicidade.

Os males do corpo físico - li nesses avatares que o mundo nos proporciona -  são determinantes para os sofrimentos humanos, sem idades e classes sociais, indistintamente. Os males, como cobiça, a ira e a ignorância; determinam nossa condição de derrota e de subtração de Deus em nós.

Iluminados serão os homens que compreenderem o melhor caminho. Dado pelos exemplos de tantos vitoriosos da vida, como Buda e Cristo; Khrisna e Moisés. É nos dado a salvação, em exemplos que não são nossos; mas que nos servem para a evolução. Os caminhos corretos, a fala correta. Quando o homem aprendeu a comer tanto, esqueceu-se de comer o necessário. Quando o homem passou a se olhar no espelho, descobriu que as roupas não serviam apenas para protegê-lo do frio. Quando o homem descobriu sua inteligência, fez dela a sua mais terrível e assustadora arma. O homem faz tudo por causa de sua cobiça insaciável. Determina ordens por sua ira incontrolável. Mata e morre em sua completa ignorância.

Reflitam na solidão dos dias, em paz com Deus, ou qualquer nome dado ao que chamamos de Criador; e dele saibam que o homem não nasceu para ser aquilo que pretende, mas aquilo que está em sua base original: vós sóis Deuses, resumiu Jesus sobre nós. Vamos fazer de nós aquilo que há de melhor.

Assim, sumirei por alguns dias. Quem sabe nesse intervalo das horas, sem perceber e com grande surpresa; eu possa me encontrar de novo.


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quinta-feira, maio 07, 2015

Um dia das mães...


Dia das mães é um dia especial. Não estou aqui para escrever mais um texto sobre o dia das mães, como outros que vocês provavelmente lerão ao longo da semana. Esta carta, ou melhor, isto que poderia ser uma carta; não é. Não existe um destinatário, ou pelo menos o destinatário não está mais ao meu lado, fisicamente. Quantas vezes eu tive oportunidade em escrever alguma coisa, mas não o fiz? Quantas vezes, ao longo da minha vida, em que ela esteve aqui, não escrevi absolutamente nada, assim, como faço agora? Pois é. Ao longo dos anos, e já se vão alguns deles, não me acostumei com a ideia de que não posso mais entregar esta carta. Carta que eu nunca escrevi antes; mas que agora eu sinto uma vontade imensa, quase uma necessidade metafísica. A carta que eu escrevo agora não chegará fisicamente em suas mãos, mas esperto que chegue ao seu coração, onde você estiver.

Bem da verdade, é uma carta de egoísmo, uma carta minha, individual e exclusiva. Mas assim, aberta, espero que sirva de exemplo para outras pessoas: entregue, enquanto possível, o seu coração à sua mãe; pois ela merece! Escrevo como querendo colo, mesmo marmanjo. Escrevo como querendo dizer um “eu te amo”, que às vezes, por ironia do destino, não dizia tão facilmente. Errei? Claro, devo ter errado muito. Ainda erro. Você minha mãe, depois que se foi para outras paradas, deve saber que ainda erro; mas que também quero acertar muito. A carta egoísta é para saciar um pouco minha saudade. É como se estivesse escrevendo com você ao meu lado, dando risada das palavras. Você sabe das palavras, sabe o seu poder, sempre me disse isso. O dom de construir e destruir. Como podia dizer aquelas coisas que sempre me motivavam até nos momentos mais complicados? Como eu não pude entender o seu momento complicado? Olha, a carta é para me desculpar também. A carta que estou lendo, em voz alta, esperando que siga o som o direcionamento certo, é para pedir desculpas.

Dia das mães é diferente, volto a dizer. Podemos ter filhos, pais, esposa e marido, amigos e afins; mas amar você, incondicionalmente, deve ser coisa de mãe. Por isso as mães são veneradas; refletem um poder divino. A mãe das águas não quererá meu mal. A mãe Terra sempre complacente com nossos desmandos. A mãe, da barriga, dos meses nos carregando como parte dela, esta mãe dá muita saudade. É para essa mãe que eu escrevo. Hoje eu quero pedir que as pessoas em minha volta me entendam um pouco. Eu sei o quanto elas me amam, e que existe um sentimento recíproco; mas hoje mesmo estou precisando apenas de uma pessoa. Hoje eu queria que ela reclamasse comigo das minhas malcriações na infância (ela sempre disse que não foram muitas). Das minhas escolhas incorretas na adolescência (que ela sempre disse ser da idade); das minhas inseguranças adultas (que ela tentava me ajudar quando possível). Mas, mãe, hoje eu preciso apenas um oi, um telefonema, uma carta; um sonho, um relance qualquer que eu possa ter, como se você docemente estivesse me observando.

Eu sei que peço muito para quem já me deu demais. Mas sou fraco, às vezes. Humano. Como eu disse: um tanto egoístas. E o seu olhar me reprovando dizendo que o sofrimento diante da morte é uma fraqueza que deve ser evitada, pois a verdadeira vida, de amor e de contemplação com o divino, é fora, longe; sem qualquer choro e sofrimento, num lugar melhor. A carta, esta minha carta egoísta, como se quisesse trazê-la de volta, só um pouco; é uma carta que não precisa ser nada além disso, só precisa ser a revelação de que ainda te amo muito, embora já tenha me dito que nunca tivesse falado isso tão abertamente; mas que mais que qualquer coisa, fazia questão de demonstrar.

Hoje é um dia especial também para os filhos, que ainda podem fazer muito para suas mães. Não só hoje, não só um belo presente e um almoço especial; mas é dia de refletir. Quanto tempo minha mãe estará comigo? Quanto eu ainda posso fazer por ela? Quanto que eu ainda posso demonstrar do meu amor? Quanto posso perdoar? É verdade que o dia é especial para as mães, mas é muito mais para os filhos, para sua oportunidade de corrigir algum atalho, um descaminho que, por descuido, andamos tomando. Hoje é dia das mães, mas como o amor de mãe é sempre maior que podemos imaginar, fica aquela sensação de que é possível lhe pedir um presente. Um presente que rompa a barreira do possível, do tempo e do espaço; dos desígnios de Deus: nossa mãe sempre com a gente!


Um ótimo dia das mães, minha mãe, onde estiver receba essa minha lembrança.

quinta-feira, abril 30, 2015

Ninguém é mais temido que nós mesmos



Numa época distante, não no nosso tempo moderno; dois filósofos disseram assim: “Coragem, enfrentamos o mundo e vencemos!” Não foram exatamente essas palavras, mas o sentido é muito próximo. Abrangente, é verdade. Dizendo isso quiseram mostrar para todos os seus seguidores que existe sim uma luta, que existe um inimigo; mas que existe a possibilidade de vitória. O cotidiano nos oprime, irrita; fadiga. Mas é o mesmo cotidiano que nos dá a possibilidade em aprender. Como diz a música: “A lição sabemos de cor, só nos resta aprender”. Essa luta entre certo, errado; justo e injusto e tristeza e felicidade. Sabemos o conceito de todos os termos, mas ainda não sabemos como lidar com eles.

Um deles, o filósofo, foi envenenado: condenado por um crime que ele não cometeu. Olhou para os seus discípulos e disse que estava feliz ante a situação, pois estaria muito triste se a condenação fosse justa. Que grandeza, que espírito e que sabedoria. Mais ainda: que fé! O sujeito se vangloriou diante da morte, ensinando que estava morrendo por uma condenação injusta, ou seja, saia do mundo mas jamais sairia como criminoso. A virtude, segundo socráticos, pré-socráticos e afins, era a verdadeira finalidade do ser humano. Qual a sua virtude? Agora, neste instante; observando tudo que você fez, faz e pensa. Qual motivo de felicidade que você carrega em si, que não pode ser tirado? Pense antes de responder, isso é essencial para sua vida. Coragem, eu enfrentei o mundo e venci! – eles disseram.

Notoriamente um outro filosofo, mais metafísico e místico, trouxe o mesmo comportamento, centenas de anos depois. Humilhado, derrotado, sangrando, chicoteado e moralmente abalado; olhou seu sofrimento e teve mais medo por aqueles que o condenavam do que pela sua própria condenação: “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem”. Bravura diante do mundo, diante da maldade, diante daqueles que substancialmente deveriam amar. Pôs-se diante da morte, dizendo aos discípulos: Coragem, eu enfrentei o mundo e venci! Ele venceu: vive até hoje.

Mas como o mundo pode ser tão perverso? O mundo é um inimigo? As ruas, as calçadas, empresas; pessoas e animais, gente; carros, televisão e tudo que temos noção é, indiscutivelmente, nossos maiores inimigos? Pelo contrário: não há nada de ruim no mundo, pois até nas coisas mais simples existe a complexidade do Universo, sua criação. Criação de quem? Não convém a discussão, embora convém à consciência. Já imaginou a solidão que é a vastidão do Universo se, além das pessoas que amamos e odiamos neste planeta, só existir o nada? O mundo foi vencido não por ser ruim, mas vencido pela tentação e pela distorção que causamos nele. Queremos determinadas coisas aconteçam da maneira como desejamos, muitas vezes com razão; mas nem sempre. Queremos o melhor do mundo, mas queremos que o outro mude conosco, quando na verdade essa possibilidade é impossível. Um outro filosofo mais tarde disse: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos....”. Não adianta querer mudar todo mundo quando não temos ainda condições de nos transformar intimamente.

A publicação de hoje é específica, diferente dos outros textos; está ligado ao ensinamento de que, alvo de qualquer maldade, devemos saber lidar com nossa conduta, ao invés de julgar a conduta do outro. Ao olharmos para uma situação que nos agride, nos entristece; um julgamento tão penoso, é comum olharmos para quem condena com ódio, rancor e um sentimento de vingança. Normal e natural para o ser humano. Mas, mesmo assim, não convém. A resposta odiosa ao outro é a homogênea recusa ao bom. Se não há condição de perdoar, amar; que haja a primeira opção de ignorar. Não saber, sentir e usufruir do mal que nos é imposto é uma guerra que travamos no mundo, onde aprendemos a lição.

Coragem! O mundo em suas tentações, ódios e desavenças foi vencido: Já nos mostraram isso um dia! E a lição, ainda que pareça tão distante de nossa prática; não é um absurdo. A lição de amar os inimigos, a outra face; esquecer daqueles que nos condenam. A lição de nos melhorarmos, e se possível, melhoramos tudo em nossa volta: todos aqueles que nos odeiam, que, a priori, deveriam nos amar. Amar como se amam; pois muitas vezes, odeiam como se odeiam.

Coragem!



segunda-feira, abril 13, 2015

A tristeza do dia seguinte


O dia triste me fez errar o caminho, mesmo sendo um dia como outro qualquer. Embora comum, muito mais triste. Pois, de algum modo, inexplicavelmente; triste. Tomou-lhe, a tristeza, o dia como sendo seu. Não houve discussão, nem consentimento. Pegou o dia, dominou-o. Um dia comum, afirmo novamente. Um dia em que tive fome e sede. Um dia em que fiquei com vontade de deitar no sofá da sala, ver um filme legendado; comer pipoca. Mas tudo isso, com a tristeza, não surtiu qualquer efeito positivo. As situações alegres, ainda que existissem de fato, tornaram o dia um pouco mais triste. Volto a dizer, antes que me questionem novamente: não sei o motivo da tristeza. Não sei a sua razão de estar aqui, não sei afinal o que ela quer de mim. É um dia triste apenas, arrebatador e virulento; como doença sem solução.

Procria-se, a tristeza, em seu abatedouro. Construindo em si mesma a sentença: o fim estará próximo. Nós morreremos abraçados. O dia dessa tristeza, quando comecei a perceber as coisas; tudo ficou parecendo um pouco mais injusto. Ouvi, neste dia, injúrias. Ouvi coisas injustas da boca que até Deus duvida. Embora Ele não duvide de nada em sua criação ainda tão infantil aos olhos da eternidade. Ouvi a ingratidão batendo na porta: Eis que estou aqui, abra! Abri, pois não havia escapatória. Entraria pela porta, ou pela janela; ou pelo ralo do banheiro. Ouvi palavras públicas, que no íntimo, nunca deveriam ser pronunciadas. A mentira tem suas artimanhas, quem dela se apropria se torna embusteiro.  O dia ficou mais triste nas palavras enclausuradas no peito do meu opositor, cheias de mágoas e traumas. Cheias de um rancor, que eu não queria receber: como flecha, dardo ou lança; foram certeiras em mim, pela pessoa errada.

O dia, que ainda não é passado, mas vivido na minha memória; vi poucos amigos. Quer dizer, vi todos; mas partindo. Ouvi seus conchavos de mentes delirantes, buscando alegrias quando mapeando festejos; determinando convidados (Meu nome não estava na lista). Ri dos poucos familiares que me restaram, relembrando histórias, contanto casos; decidindo a receita para o domingo de páscoa; o renascimento. Recriando encontros e desencontros comuns de qualquer família. E dentro de todos esses eventos, meu nome também não estava na lista. Olhei triste, um tanto mais triste; a fotografia de gente que sorri, pode ser mesmo sorridente, de gente séria; por ser mesmo a serenidade; alguns de birra, pela sua teimosia. Cada qual em sua característica; mas poucos ali como eu: sozinho, pela solidão.

Aquele dia triste, que ficou mais triste ainda; resolvi mandar uma carta, sem destinatário. Tinha na mente tantas coisas boas, tanta saudade. Mas ela foi se esvaziando, as palavras. Naquele dia triste, não fingi qualquer discrição; mas evitei a desnudez diante de tantos observadores; que, indiferentes, não quiseram saber de nada do que estava acontecendo, apesar de estarem curiosos. Naquele dia, a chance de matar o Rei. Meu Reino vi por um fio. Meu Reino por um cavalo. Meu Reino por qualquer um que me ajude. Meu Reino por uma chance. Meu reino para as coisas voltarem ao normal novamente.


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quinta-feira, março 19, 2015

FLORES – Titãs



Uma nova perspectiva surge diante a música composta pelos Titãs. Música que nos remete a lembranças boas, pueris e bucólicas; “Flores” na verdade conta o desfecho de um suicídio. Diferente de outras composições nacionais, como é o caso de algumas letras de Zé Ramalho; cheia de enigmas e simbolismos; a canção “Flores” é direta, simples e certeira. Mas qual a razão afinal de não “nunca termos pensado” que a música era tão nebulosa, sombria e fúnebre? Por um motivo simples: intencionalmente ou não o grupo conseguiu produzir uma música otimista, alegre e cheia de cores. Cores que podem ser representadas pela repetição da palavra flores. Não pensamos em nenhum momento que as flores faziam parte de um velório, mas que o indivíduo, o “eu” poético, estava envolvido num ambiente cheio de energias positivas e de um certo romantismo.     
É claro que em qualquer obra artística, seja em prosa ou verso, existe aquilo que chamamos de interpretação literal e a não-literal. “Olhei até ficar cansado de ver os meus olhos no espelho” pode significar uma fase de autoconhecimento. Pode-se tirar elementos salutares de uma análise interior; mas também podemos entrar em contato com os nossos mais profundos e terríveis medos. Será que essa autoanalise fez com o que o sujeito despedaçasse as flores do canteiro? Que representa as flores destruídas? Será que o mundo “colorido” e “sem problemas” apareceu com essa visão interna? Olhei até ficar cansado de ver os meus olhos no espelho. Chorei por ter despedaçado as flores que estão no canteiro.
Sim, o autor vê o mundo sendo destruído. E essa destruição tem suas consequências: a própria morte. O suicídio tem seu momento histórico com os pulsos cortados. Tente lembrar de alguma cena que viu sobre suicídio, no cinema ou na televisão. Os pulsos cortados é o ápice simbólico do suicida. E o “eu poético” vê não apenas os pulsos; mas os punhos e o corpo inteiro. A visão não é apenas de um suicídio, mas de uma mutilação. Vamos retomar o contexto: O mundo de flores (bonito, perfeito e completo) foi destruído depois de uma autoanalise (olhos no espelho).  Os punhos e os pulsos cortados e o resto do meu corpo inteiro.
Com o despertar pós-morte o autor se vê dentro de um caixão. A imagem de flores debaixo do travesseiro é a chave para essa interpretação. Em qual lugar mais poderíamos pensar que flores cobrindo o sujeito por todos os lados, e que repletas embaixo do travesseiro? Ele está dentro do caixão, e possivelmente seu único ângulo de visão é “flores em tudo que eu vejo”. Agonizante, triste e solitário. O encontro do sujeito com sua própria criatura o levou ao estado de completa solidão. Há flores cobrindo o telhado e embaixo do meu travesseiro. Há flores por todos os lados. Há flores em tudo que eu vejo.
Mas ele não está morto. Ou pelo menos não está morto. Estão tentando salvá-lo. Ele que acredita que a dor maior da morte é infinitamente menor que seu erro (a dor vai curar essas lástimas). Os remédios e os médicos em sua volta foram derrotados (o soro virou lágrima). E agora, as flores, criada inadvertidamente como coisa alegre, cheia de vida e romântica; transformam-se em morte. Enfim consumado a escolha do sujeito.  A dor vai curar essas lástimas. O soro tem gosto de lágrimas. As flores têm cheiro de morte.
Não está acabado para o morto. Ele ainda acredita na purificação. Como se sua escolha tivesse uma maneira de se redimir. Haverá um perdão para sua escolha, ele crê. Por isso tem fé de que a dor do remorso irá “fechar esses cortes”. Haverá, dali em diante uma nova vivência, que ele não sabe como será. As “flores”, que ele acredita fazer parte, não morre jamais. Flores sem vida, sem energia; sem escolhas e sem amores: flores de plástico não morrem pois nunca viveram. Assim como ele.  A dor vai fechar esses cortes. Flores. As flores de plástico não morrem.







terça-feira, março 10, 2015

Pior relato: a desesperança


Ontem teve o panelaço, amanhã a revolução. Quer dizer, em cantos do Brasil as panelas viraram personagem central. Não em todos os lugares, apesar do aparente descontentamento geral. A impressão que tenho, de que ninguém está contente com o governo, pode ser coisa de novela; pouco antes do Jornal Nacional. Não estou contente com o governo também, mas nem por isso exijo o golpe. Por isso, há em mim um sentimento de derrota. Um sentimento que me diz que aqui a democracia perdeu a oportunidade. Não que a ditadura trará benefícios, muito pelo contrário. Quero dizer que a democracia regrediu. Transformou-se num aprendizado infantil na sociedade: barulho de panelas, cuspir na presidente; elogiar a reformulação no caos: estamos longe da maturidade.

Fui apedrejado em rede social pública quando disse que achava um absurdo a vaia recebida por Dilma no estádio de futebol, diante do mundo. Não era coisa educada; ainda que muitos achassem as vaias justas. Realmente a insatisfação e a forma que exigimos melhorias é um tanto complicada. Mas é nossa maneira, não arrumamos outra. Nossa maneira de dizer que não precisamos nem ouvir, já sabemos a resposta. Muitos daqueles que se debruçaram nas janelas, fazendo barulho, não souberam nem o teor daquilo que a presidente teria para dizer. Temos essa relação complicada com o poder público, nunca nos amamos.

Não sou favorável ao segundo mandato: a alternância de poder faz o povo e os próprios políticos se reciclarem em suas exigências e comportamentos. Após um primeiro governo de Dilma apenas razoável, seria interessante à esquerda um período sabático. Há quem diga que a esquerda, assim como a oposição; precisam de períodos de descanso; para que não tratem seus ideais com descaso. A divisão dos votos pode ter mostrado isso: a maioria não estava contente, ainda que a maioria tenha eleito. Os números, do jeito que foram, fragmentaram a eleição como se desse ao perdedor o direito de exigir a contagem de votos, a reeleição antes do tempo; o golpe na lógica numérica do resultado. Nunca na história deste país, o cinquenta por cento mais um foi tão questionado.

Com tudo isso, não concordo com o Cavalo de Tróia dentro da minha casa. Uma maciça sabotagem ao governo. Não vejo com bons olhos a tentativa de dar significação maldita ao PT e bendita ao PSDB. O jogo político, entrando de forma descarada, com todos os privilégios; parece mais golpe que ajuste. Quero os corruptos na cadeia, quero a reforma política; não concordo com tantos nomes; fazendo da coisa pública privada. Mas quero principalmente a imparcialidade, a justeza das informações; o critério equiparado. É bem verdade que no mundo, mesmo os países mais desenvolvidos; essa imparcialidade não existe. Mas lá, pelo menos, ela é mais clara, definida; sem qualquer desvio mal caráter.


Cabe a população a busca pela informação, a análise dos fatos. Verão que os vilões dessa história nem sempre são tão terríveis, e que os mocinhos, nem sempre querem nosso bem. Principalmente na política, o bom e o mau, são expressões relativas, eticamente desajustadas; parcialmente compreendidas. O panelaço deveria sair nas ruas, não pelos vinte centavos; nem por causa da Petrobrás; mas por todos os privilégios e anormalidades desse funcionalismo público, político; que causa danos aos menos favorecidos desde da criação da humanidade. 



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quinta-feira, janeiro 22, 2015

POLITICAVOZ: Não sou conduzido, conduzo.

 

São Paulo num aniversário sem qualquer festa. Terá um bolo, cantaremos parabéns; beberemos alguma coisa. Mas tudo será fúnebre. Uma festa para cobrir o protocolo histórico, mas sem qualquer comemoração. São Paulo não tem qualquer motivo para festa. Não há felicidade, amor e humildade para se desejar ao aniversariante. Vivemos uma crise. Aliás, várias crises que podem não estar ligadas, mas estão correlacionadas. São Paulo é um efeito borboleta complexo. Vamos chegar ao festejo com roupa de gala, mas cada um dos convidados, ao seu estilo, carregará uma justa e diferente frustração.

A cidade que me deu a vida, não me dá abrigo. Deu-me a liberdade, mas não a escolha. Deve-me, portanto, sinceridade. Em cada ponto de ônibus, hospital, posto de saúde; deve me dizer a verdade. Cidade extremamente cara em seu requinte, pobre em sua individualidade. Cada um por si, dinheiro sonho de todos. O carro, o tênis; o perfume nas Madalenas, Jardins; Afins e Alamedas. Vamos beber gasolina qualquer dia desses. Cidade que cheira fumaça, diesel e cigarro sem filtro. Beleza que Narciso acha feio nesse espelho do resto do Brasil: aqui somos um pouco de tudo e quase não somos nada.

Em São Paulo, de “Lobatos”, “Alvares”, “Tarsilas”, “Andrades” e “Mários”; não há espaço para devaneios. Sonho aqui é fuga. Êxodo para um lugar melhor: Rios que não correm apenas em janeiros, fortalezas de nossas escolhas; qualquer um salvador. Vamos para um porto alegre desse nosso belo horizonte que é fugir da poluição, dos carros e dessa multidão ao nosso lado. Mas não: amamos essa bagunça, amamos perder a noção, amamos sermos exatamente como somos.

A semana moderna é o muro grafitado. Crônicas diárias da violência, dos meninos nos faróis; da nossa solidão e desumanidade. Não nos julguem; amigos brasileiros, somos muito mais sozinhos que vocês imaginam. E nesse orfanato; Pedro brigado com Paulo; que desconfia de Deus e sua chuva. São Paulo, na descrença, pense em se tornar novamente Saulo, caindo não apenas do cavalo, mas do trono que sempre quis para si. Como se fosse o melhor povo, escolhido e que sabe escolher (votar). Uma locomotiva que virou carroça sem freios; e que tem o destino triste de morrer com sede e na brasa do seu rigoroso verão.

Mas, com essa festa toda; melhor não pensar em coisas ruins. Faremos a festa, sim. Trazendo a cultura de todo o lugar do mundo, pois a festa não é nossa; a cultura e a comida já não é mais nossa exclusividade; mas dinâmica e orgânica. Nossa cultura de ontem com hot dog e cinema; hoje é BBB e sushi congelado. Amanhã? Quem sabe quadros no MASP e Food Truck. Comemos bem, bebemos bem; trabalhamos muito e dormimos mal. Mas adoramos a sexta-feira como refúgio; e feriados como presente divino.

Pena que nosso feriado este ano cairá num domingo.



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quinta-feira, janeiro 08, 2015

A noite que dormi na Sunset Boulevard



Pássaros? Não havia. Somente nuvens negras de um final de tarde de verão. Elas afugentam qualquer animal que voa. Nuvens de dia de verão, com temporais. Aquilo tudo me fez lembrar quando eu tinha doze anos. O mesmo pensamento desde os doze anos. Aquele não foi um ano especial, como nenhum outro que eu tenha vivido. Mas, alguma coisa aconteceu quando eu fiz doze anos que eu não me lembro. Mas está dentro de mim, silencioso. Talvez a puberdade. Não sei quando cheguei à puberdade, só me lembro de quando me apaixonei pela primeira vez, e isso foi com dez anos. Naquele dia, da paixão da inocência, as nuvens eram de verão também, mas não eram tão negras.

Houve um tempo em que os pássaros não temiam absolutamente nada.

Na rua os carros passam lentamente. Minha cabeça tenta controlar o movimento de todos eles: ir e vir. Pessoas, carros e animais; tento dominar todos eles. As nuvens sempre se movem lentamente, não me preocupo com elas. Mas as pessoas? Estas sim precisam do meu comando, que segue seu caminho como numa espécie de telepatia. Não é telepatia, é alguma coisa muito próxima a isso. Eu olho para as pessoas e faço com que elas caminhem. Que peguem uma bituca de cigarro no chão, olhem para o alto e se despeçam com um aceno. Que sorriam para mim, isso é importante lembrar. Algumas se apaixonam, mas é muito raro.

Outro dia, um acontecimento diferente: Um carro parou bem na minha frente. Uma mulher alta e com cabelos lisos sai do carro. Suas pernas, seu rosto; tudo parece conhecido. Só o perfume que eu nunca tinha sentido. Não é ninguém da televisão, tenho quase certeza. Ela fecha a porta. O carro segue seu caminho (que eu desconheço). A mulher sobe na calçada. Pula calmante a água suja que corre para o esgoto. Ela anda com dificuldade por causa do salto alto. Mulheres sempre são charmosas usando salto alto. A imagem se repete pelo menos mais três vezes em minha cabeça: carro chega, mulher salta; caminha. Ela some. Também não sei para onde ela foi.

Alguma coisa aconteceu comigo quando eu tinha doze anos.

As nuvens? Feias. Cheias e negras. Daqui a pouco vai chover. E a chuva que chega ao final da tarde, sempre tenebrosa. As ruas virarão riachos, avenidas mares. Quantas pessoas no meio daquela aguaceira? Algumas dezenas de pessoas somem no meio da tempestade e não nos damos conta. Se agora uma avalanche me carregar para os confins do inferno, ninguém saberá. Mas eu mereço o inferno? Talvez o desastre me leve para o céu. O céu deve ser maravilhoso, pois está perto das nuvens brancas.

Lá no céu, eu construiria uma casa com o suor do meu rosto - Almas não transpiram (que eu saiba) - Bom, mas eu não sei muita coisa, afinal. Então, construiria um castelo, como um desses que eu vi numa rua famosa nos Estados Unidos: Sunset Boulevard. Isso mesmo, castelo no céu onde eu pudesse morar e criar uma família. Não sei como é o céu, também não sei como é o inferno; portanto, os dois podem ser bons. Não acredito no que as pessoas falam, principalmente por entender que elas podem não saber mais do que eu sei.

A mulher volta. Fica parada na minha frente. Ela está com medo de mim, a todo custo tenta me ignorar. Os pássaros me ignoram também, mas eles não pensam. A mulher com vestido vermelho que tem um corte que começa na altura do joelho. Eu me levanto, vai chover. Eu me aproximo, peço um cigarro. Ela assustada não diz nada. Ajeita a bolsa, segurando com mais força do que o habitual. Pergunto se ela conhece o céu ou o inferno.

Silêncio.

Eu novamente peço um cigarro. Parecia simples que ela me dissesse um sim ou um não. Ela reluta, não responde. As pombas me ignoram também, elas também não sabem pensar. A mulher que tem cabelos longos e loiros fuça na bolsa, tira um cigarro. O carro chega. Ela me dá o cigarro. Ela entra no carro. Agradeço, ela sorri. Eu a conheço de algum lugar. Seria alguém da infância? Alguém da adolescência? Alguém da minha morte? Alguém quando eu tinha doze anos? Jogo o cigarro no chão, eu não sei fumar.

Começa a chuva. A chuva sempre me faz correr para algum lugar que eu não conheço, mas sei que lá estarei seguro. Tantas vezes levou corpos, lavou almas; não me levou ainda. A chuva vai parar daqui alguns minutos. E eu imagino sempre voltando para a mesma calçada, para onde consigo fazer com que as pessoas façam exatamente o que quero: “Um cigarro, por favor”. Só não controlo as nuvens, minha memória e os pássaros que voam.

Pássaros? Foram embora quando eu tinha doze anos.







[1] 08/2011