quinta-feira, novembro 08, 2018

Aquarela


AQUARELA[1]


Sabe aquele tipo de música que te passa uma paz enorme, mas ao mesmo tempo tem uma tristeza contida em suas palavras no enredo que ela apresenta? Pois é. Uma dessas músicas é “Aquarela”, do Toquinho. Percebendo a música com sua docilidade, com a imagem que ela forma, temos a impressão de uma suavidade colorida, coisa infantil e sem qualquer maldade. São passos sendo construídos num papel em branco, onde as cores acabam fazendo com que nossa imaginação caminhe por situações felizes e libertadoras. Vejam vocês que o primeiro verso da música é exatamente o começo de tudo daquilo que podemos chamar de vida: Um papel em branco e um sol amarelo. Já imaginaram a importância do Sol em nossa existência? Uma folha em branco, um sol surgindo, surgindo também a vida. Uma folha qualquer, uma folha que pode ser a vida de qualquer pessoa, ali nascerá a vida. E como uma canção que carrega tantos elementos lúdicos, brilhantes e numa voz tão suave pode causar alguma tristeza? Chegaremos lá.

“Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo”. Tudo começava com a vida, como eu disse. Não há vida sem a nossa principal fonte de energia. O sol ali no papel branco era tudo que precisamos para começar nossa trajetória. Flores, natureza o dia; tudo virá depois do Sol, por isso ele é desenhado primeiro. Depois da energia do Sol o que uma criança pensa sobre a sua própria vida? Não seria sua casa? A segurança de sua casa? Precisamos de segurança. Uma casa seria esse lugar seguro. Mas não tão seguro que poderia ser visto como um castelo. E essa casa é tão fácil de perceber quando somos pequenos, não importa se grande ou pequena, confortável ou não. A nossa casa sempre foi o nosso castelo: “E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo[2]”. 

Na construção da vida no papel em branco, temos o simbolismo da nossa roupa, ainda que o autor diga apenas sobre a luva, talvez esteja se referindo na mentalidade infantil de que ter uma proteção para as mãos seja essencial: “Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva”. E mais além, ainda nesse simbolismo sobre segurança diz que pode fazer chover (o autor tem o controle sobre tudo), mas que pode fazer algo para se proteger se isso sair do controle fazendo um guarda-chuva: “E se faço chover, com dois riscos tenho um guarda-chuva”. Já imaginou que poder maravilhoso é da nossa infância que vê os perigos do mundo, cria seus próprios monstros e ao mesmo tempo a forma de combate-lo? E falando de imaginação, ele passa para a outro verso dizendo que não é preciso muito na vida de uma criança para curtir a vida e a liberdade, já que basta um “pinguinho de tinta” para voar no céu: “Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel, num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu”.

Livre a imaginação toma contornos mais desenvolvidos na fase adolescente. Então não temos mais a criança voando, mas um jovem com ambições maiores. Vemos isso quando ele diz que a imaginação o faz voar uma imensa curva, passando por cidades distantes: “Vai voando, contornando a imensa curva norte-sul, vou com ela viajando Havaí, Pequim ou Istambul”.  Os desejos então aparecem, quando não temos mais a versão infantil de quem pinta num papel em branco, as palavras como “beijo”, “avião rosa e grená”, que pisca e brilha e que parte lindo com local para pousar: essa inquietação pelas descobertas do mundo se tranquiliza com a descoberta do amor, da paixão, da relação amorosa: “Pinto um barco a vela branco navegando, é tanto céu e mar num beijo azul, entre as nuvens vem surgindo um lindo avião rosa e grená. Tudo em volta colorindo com suas luzes a piscar, basta imaginar e ele está partindo, sereno e lindo e se a gente quiser ele vai pousar”.

A satisfação da vida chega na maturidade, quando o ser consegue ver na folha em branco a oportunidade da conquista. Já não é mais um avião, nem gaivota e nem céu. Ele está dizendo agora que o mundo pode ser conquistado por um navio, ou seja, mais lento e mais seguro dos sentimentos[3]: “Numa folha qualquer eu desenho um navio de partida”. A simplicidade da conquista se depara com a necessidade de ser grande, de conquista: ao mesmo tempo a felicidade é beber com amigos é também dominar o mundo em sua volta: “Numa folha qualquer eu desenho um navio de partida, com alguns bons amigos bebendo de bem com a vida. De uma América a outra consigo passar num segundo, giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo”. E nessa disputa sempre existe uma desilusão, pois não conseguimos conquistar o mundo, nem conseguimos mais sonhar com a liberdade das coisas simples, é uma barreira que nos prende ao presente: “Um menino caminha e caminhando chega no muro”. Há sempre uma barreira mais ou menos intransponível para que toda nossa felicidade seja conquistada. Quando conseguiremos evoluir diante da situação se o futuro caminha tão depressa? “E ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está”.

Então, nessa última parte entra a parte mais bonita e sentimental da canção. Afinal o que é o futuro? Primeiro o verso: “E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar, não tem tempo nem piedade nem tem hora de chegar, sem pedir licença muda nossa vida e depois convida a rir ou chorar”. O futuro é nosso único tempo inquestionável: vivemos nossa vida para bem morrermos, como diz um provérbio budista. A vida não conseguimos pilotar e a morte chega sem piedade, sem hora nem local, a morte muda nossa vida; e com ela somos convidados a rir daquilo que aproveitamos ou chorar pelo que não fizemos.  O autor então diz a frase conhecida de Horácio[4], mas de uma maneira poética, abrasileirada; bossa nova. Não adianta ficar pensando muito na vida, pois ninguém sabe o que vai acontecer, a única certeza é que construiremos nossa história (passarela de uma aquarela) e um dia vamos morrer (descolorirá): “Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá, o fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar, vamos todos numa linda passarela de uma aquarela que um dia enfim: descolorirá”.

Enfim, faz o resumo da vida, e que as coisas morrerão no final: O sol, o desenho no papel, cinco ou seis retas, o castelo e o mundo, tudo na nossa vida um dia descolorirá:

“Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo, que descolorirá. E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo, que descolorirá. Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo, que descolorirá”




[1] Antônio Pecci Filho Toquinho / Vinicius De Moraes
[2] Uma construção mais abstrata do que a de Vinícius de Moraes, quando dizia: “Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada. Ninguém podia entrar nela, não; porque na casa não tinha chão...”
[3] Lembrando que uma das interpretações do “mar” é sentimento. Em algumas escolas esotéricas, quando Jesus andou sobre as águas, ele estava dominando na verdade os seus instintos.
[4] Carpe diem

quinta-feira, outubro 18, 2018

Poema da Verdade

Raiz profunda que me prende.
Na terra úmida, não sinto as pernas.
No vento gelado, cortam o rosto.
E a natureza, olha a natureza:
ela não é a verdade que eu queria.

A minha natureza não é perfeita.
Desordena minha fome de permanecer;
Decide minha sede de matar. 
E a natureza, rompa a natureza:
ela é o demônio de quem quero fugir. 

O corpo e a mente, raiz tão sinistra.
Na terra gelada poderá ficar para sempre. 
Cortam seus caules, destrói as folhas: 
E a natureza, renovada pela natureza: 
Lá na minha ignorância me faz renascer.

E passos calmos em direção ao presente,
a verdadeira vida que empurra e segue,  
na alma se despede com elegância. 
Dessa natureza tão deprimente, ora: 
Uma natureza que eu nunca quis viver.


quarta-feira, outubro 17, 2018

Poema da Exaustão

Respirar.
Respirar tão profundamente. Respirar até haver o silêncio. Respirar onde a vontade se enfraquece. Respirar onde fica o nada, incógnita. Olhar para o mar, olhar e apenas olhar. Respirar até a extremidade do não-ser. Respirar deixando o relógio se afastando. Gritar internamente. É a hora que passa, sem ela passar. Pois infinito somos, eu e a alma do universo que em mim habita. Respirar e sentir as mãos adormecerem. Não tenho nada para escrever. Nem pintar. Nem modelar uma massa de argila. Nem sequer acariciar o próprio cabelo. A mão sem se mover. Não temer o inseto que sobrevoa a respiração. Não temer o abandono. Não temer ser ignorado pelas coisas que estão em sua volta. Respirar até o desapego. E nessa condição: crescer. Avolumar-se até a imensidão da própria existência. E só ali, decidir amar. Respirar. Respirar tão profundamente. Sentir o coração pulsando todo o sangue. Das mãos dormentes e olhos cansados, Desfalecer qualquer evidência de dor. Olhar as desgraças e não ser parte delas. Elas como um tufão arrebentando tudo: Colchão, perfumes, espelhos e sapatos. Nada nas mãos para o crime. Nada, nenhuma arma. Não temer a violência no corpo, que a idade trás aos poucos. Respirar até o corpo sobrevoar o abandono. Sentir o coração pulsando todo o sangue: e um tufão passa, arrependa; destrói. E só ali, nascendo novamente, Reencontrar o amor pela própria existência; E ali, amar e amar. Amar descompassadamente. Respirando. Respirando tão profundamente. Que não terá medo de qualquer dor. Nem receio de qualquer morte. (Quando eu era criança, tinha medo do mar. Ele parecia tão infinito que eu poderia me perder para sempre. Depois esse medo foi embora. Eu sinto o mesmo medo pela imensidão do céu e pela disposição do inferno, ambos tão próximos e atentadores). Respirar. Respirar tão profundamente. Que as pernas não levarão onde deseja. Mas onde precisamos ir. Iremos com orgulho de ter feito os melhores planos. De todos os planos que não deram certo. E daqueles que nos fizeram felizes. Qual o objetivo de sua existência? O mar, às vezes o mar é uma boa explicação. Vem, vai. Vem, vai. Reiteradamente. Respirar, vem e vai. Só respirar até que todas as coisas em sua volta percam o sentido. Pois elas não são. E ali, diante da tribulação, respirar ainda mais. Respirar tão profundamente até ouvir uma única voz. Sua voz. Não terá medo da dor, nem de amar compassadamente. Vem e vai, o amor compensa. O amor que torrente, invencível. Respirar. E eu continuo respirando como nada mais existisse. E a pretensão de falar da morte. Como se ela fosse qualquer disparate. E respirar, tão profundamente, que abunda a vida que está em sua volta, sem ser. Desnudar o corpo cansado, revelar a alma intrépida. E desarmar-se das mais estranhas incoerências. E amar, ágape, amar. (Um dia eu tentei contar as folhas caindo de uma árvore que tinha perto da minha casa. Era um jardim bonito, mas poucas flores. Para alegrar, mangueiras. Bananeiras. Goiabeiras. Passei a contar as folhas caindo, e elas caindo, vem e vai, sem eu ter controle do cálculo certo). Respirar. Respirar tão profundamente. Dispensar a vida exausta. Amar a congruência da vida. Respirar.


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terça-feira, outubro 16, 2018

Auto redenção


Não sou mais o mesmo. O tempo passa diante dos nossos olhos e por tanto sonhos, acordamos e dormimos e renascemos. Há em mim um sonho gigante, mas não depende apenas de mim. Há em mim outros tantos menores, que me fazem valer cada dia que passa. Sonho em ser melhor a cada dia, mas não exijo que alguém seja melhor por mim. Não tutelo qualquer liderança a mostrar  qual o caminho devo tomar, pois dentro de mim algo maior é meu coração; e na mente algo me empodera pelo bem, algo divino que há em todos nós.

Sigo exemplos, dos melhores exemplos a seguir; dos piores a evitar. Olho para quem diz, mas absorvo quem fez. Ação nas palavras é fé, falácia nas ações é hipocrisia. De qualquer maneira quero evitar os hipócritas, quero evitar, em todos instantes, ser um deles. Quero que a verdade liberte, mas para isso devo assumi-la em sua completude. Não me cercar da palavra para meu alívio. Quero as dores do mundo, me chocar com as dores do mundo, me compadecer das dores do mundo. O resto é egoísmo, o resto é defeito; é conjectura de quem não aprendeu nem uma letra da palavra que dizem salvadora. Estão presos no seu mundo, adquirindo tesouros para seu mundo; disfarçando o mundo que nem é deles, nem é de ninguém.

Tudo concorre para o bem, insisto nessa leitura todos os dias. Insisto em acreditar que, em meio a tanta turbulência, há ainda um Deus que nos ama como somos, mas que não quer nos deixar como estamos. Frase enriquecedora de um pastor americano que dá a nos um caminho da correção: não somos perfeitos, mas chegaremos lá. Como eu disse, sonho ser grande, meu sonho de ser enorme, mas sonho requer não apenas palavra, exige a verdadeira conversão: a verdade vós libertará. 

A salvação eterna, pois quem conquista o amor dos homens não perecerá. A salvação que é presente, mas olha todos os itens do nosso passado, fazendo e refazendo; aprimorando o que há de melhor em nós. Esse sonho, de ser eterno, de beber a água e nunca mais ter sede; implica em olhar para o outro, vendo o outro como a si mesmo, em maneiras diferentes: nenhuma das minhas ovelhas se perderá. Eis que a verdade me liberta.

A salvação do mundo quando eu me salvo: o mundo é uma gloriosa e indissolúvel obra-prima, pois nele há tantas discordâncias, mas que nunca deixa de ser um. Somos todos um, como diz a lei, somos filhos de Deus, e dentro de nós ele age, e por ele fazemos mais. Não, não é pregação. Não é sistema religioso: é auto-redenção no alo-redenção. Coragem, eu enfrentei o mundo e venci! Quem Cristo enfrentou que ainda hoje também te desafia? Afinal, se passou uma mensagem que perdura tantos séculos, quem é nosso maior inimigo?

Eis que a verdade nos salvará, e a verdade é tão subjetiva, às vezes, parece mentira. Parece tão pequena a verdade, cabendo em um mundo tão pequeno, dissoluto; sem ordem nem regras, sem eira nem beira. O meu reino não é desse mundo, disse ele em sua mais alta aptidão pelo mistério do mundo desconhecido e imortal. Mundo onde ele converte quem não quer o sofrimento de ninguém, a morte e a violência; a fome e a guerra; onde não quer a maldade, nem a tortura, nem a doutrinação de uma raça, nem o empoderamento cruel; nem a vingança nem a facada.

Quem tem olhos, leia até subtrair das palavras aquilo que una, nunca enfraqueça.

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sábado, outubro 06, 2018

Das mentiras na eleição, os verdadeiros eleitores



(Aos meus amigos, minhas sinceras desculpas pelos meus exageros. Não tomarei mais o tempo de vocês, visto que tudo que vemos e lemos por aqui parece ser mais estorvo que alento. Vamos fazer as pazes? A gente se dava tão bem, não?)
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Não dá para pensar que, em meio ao sombrio universo criado nesses eleições presidenciais, algo não possa ser tirado de bom. É fato que a verdade muitas vezes incomoda, é dolorida; carrega uma outra verdade ainda pior, que é aquilo que escondemos de nós mesmos. Eu disse em outra ocasião: a ilusão é o pior castigo ao ser humano, e descobrir aquilo que faz uma pessoa agir, amar, odiar e até mesmo se relacionar com outras pessoas; é uma ilusão que não precisamos mais. Desvendar o homem atual era fato crucial para continuarmos nossa caminhada evolutiva, e ele se desmascarou.
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Não se trata, porém, de índices econômicos, variação cambial; ganho ou perda, segurança e educação; moradia; ou todo esse discurso que ouvimos em todas as campanhas políticas. Trata-se daquilo que levamos para a vida, da forma que nos relacionamos com os outros, a íntegra natureza humana. Deixamos a integridade de lado, pois parece que ela não serviu em nenhuma ocasião. Vivemos guerras, perdas e ganhos; e a lisura sempre foi dita como algo conveniente apenas ao vitorioso. O derrotado, muitas vezes, tinha um pressuposto da indecência, maledicência e monstruosidade.
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Não, não é a eleição que me incomodou tanto. Afinal de contas há de existir consenso apenas na morte, pois para todos os outros setores também haverá discussão, discórdia, injustiça e descontentamento. Não é a eleição do candidato, mas a eleição que fizeram de mim. A eleição que eu fiz de vocês. Amigo, primo, irmão e vizinho, todos passaram a carregar no peito a sigla do seu partido, íntimo e indissolúvel. Em muitos momentos eu vivi na pele aquilo que eu mais temia, trazendo das vísceras a infantilidade e a maldição que é julgar alguém. Nós, humanos, nos subjugamos em todos os instantes, e deixamos de lado a questão ideológica para o "front" da vida pessoal. Fui chamado de burro, idiota e tantas outras coisas, somente por ter, por incrível que pareça, uma ideia diferente de vocês.
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Erramos um bocado com as pessoas que dizemos amar.
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Não importa mais o resultado das urnas, isso já passou por mim como um trauma, uma ruptura com um idealismo que já não fazia mais sentido. Mas importa, sim, a realidade que ela me trouxe. Já disse: é bom vivermos uma desilusão. Mas repito: como dói. Como dói descobrir que aquele inimigo íntimo pode ser aquele que você tem mais apresso. Como dói descobrir que o amor não é tudo. É um brutal rompimento do amor pela paz, da tolerância pela silêncio e do respeito pelo distanciamento. Resta a mim a conformidade, pois só assim viverei em paz; pois não haverá equilíbrio em propostas tão opostas.
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Sou um democrata, anseio pela necessidade em escolher e deixar escolher; mas isso tudo que aconteceu não é democracia, mas uma ditadura que, ampliada nos recôncavos da natureza humana, onde há perversão, desumanidade e desesperança; mostra a odiosa condição humana. Uma sombra que intriga os mais atentos religiosos e os menos curiosos cientistas: amor virando ódio e razão, insanidade. Não é mais esquerda e direita (até porque desconhecem a fundo o seu significado histórico e contemporâneo); mas a necessidade de dominar o outro, das mais variadas formas e desejos, até destruí-lo definitivamente. Estávamos necessitados pela guerra, acabamos conseguindo uma.
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Veremos, num futuro não tão distante, que sucessivos erros em nossa democracia criaram abismos tão profundos que não haverá escapatória exceto a sua própria extinção. É terrível pensar dessa maneira, mas os tempos sombrios criados pelos agentes dessa democracia testificam tal argumento. Não houve avanço em nenhum campo de discussão política, mas um rompimento grave com a realidade e a boa-fé. Somos movidos pela propagação de notícias falsas, argumentações medíocres e uma notória determinação por aquilo que é cômico. Adoramos fazer piada com tudo, mesmo que englobe nosso próprio bem-estar, e por empatia, a do nosso país. A forma que se propagou o ódio demonstra que não buscamos nenhuma solução, mas determinamos que genericamente tudo está errado. Limita-se o eleitor aquilo que ele não quer, desconsiderando que maior parte da política é também esperança pelo que se deseja. Mudamos o ângulo ideológico e rasgamos com isso todo e qualquer bom-senso.
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Mas pior de tudo é saber que o eleitor também não quer mais o seu opositor, não apenas por ter uma ideia contrária, mas por personalizar aquilo que ele mais odeia. Enfim, a eleição mostrou que não estamos dispostos a pensar num mundo de regeneração, de conquistas e de paz; estamos interessados num mundo onde sempre teremos razão: fiel a proposta mais audaciosa para a destruição de tudo que amamos, que é a divinização do ego. O egoísmo é o início de todos os males, e ele ficou muito bem claro em todos os momentos dessa eleição.
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Pois todos nós fomos muito egoístas nessas eleições, e a boa notícia é que alguns deixaram de ser.
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sábado, setembro 29, 2018

O voto secreto na escolha do Vilão


Estamos tão próximos que o assunto não sai da cabeça: nunca o brasileiro se preocupou tanto com a questão política. Rede sociais, culto evangélicos, missas, escola de samba, jogo de futebol, transporte coletivo e uma variedade infinita. Falar de política virou gosto popular. Mas, infelizmente, um gosto amargo de quem não teve ainda condição de propor a democracia uma saída honrosa. O maior defeito de todos os defeitos do sistema democrático são colocados à prova no Brasil. Discutimos política para decidir nosso herói favorito. Uma eterna disputa clichê entre Marvel e DC Comics. Quem irá me salvar? A discussão política jamais passou pela questão da cidadania. É difícil nos colocar no jogo político, pois, somos um tanto displicentes, em certo ponto irresponsáveis.
Sou de uma época em que o voto era secreto, não por ser proibida a manifestação, mas por sermos educados a não lutar pelos nossos direitos. Não discutir sobre política nos deixava ainda mais distantes daquilo que ela realmente representava. Esse vestígio reflete o quanto ainda hoje somos reféns dos nossos governantes. Eles parecem à parte de uma sociedade. Vejam vocês que a maioria dos eleitores não se sente representado pelo político que ele ajudou a eleger.
Fato novo dessa nossa era contemporânea é que os políticos se desnudaram: são expostos em suas melhores e piores condições humanas, num jogo de toma lá verdade, toma cá a enxurrada de notícias falsas. Notamos aos poucos (quando nos esforçamos para isso) para saber o que é verdade e o que é mentira sobre quem escolhemos.
Mas é irrefutável dizer que, se o político mente ou diz a verdade, é por ele que nos motivamos a discutir política, debater propostas, e sair no dia da eleição cheio de orgulho e satisfação. É verdade, nem todos saem tão satisfeitos, muito menos orgulhosos. Chegam até a urna como quem vai para o abatedouro. Naquele jogo da escolha do herói, decidimos pelo melhor vilão.
Ser amigo do vilão é assumir o risco de que, enquanto estiver com ele, nada pode nos acontecer. Em teoria isso é bonito, mas na verdade é que vilão sempre será vilão, e quando ele propõe algo para te ajudar é por ter um interesse egoísta ainda maior. Vilão é aquele cara que te ajuda quando precisa de você, mas quando não lhe é mais útil ele, no máximo, te arruma uma arma e um carro para a fuga. Vilão é aquele cara que faz o inimigo dele ser seu inimigo também.
A eleição presidencial brasileira terá um ingrediente diferente, que é essa escolha do vilão. Não à toa se vê tantas postagens numa alusão ao "malvado favorito", "ladrão de estimação", "capitão do mato", "coroné" e tudo que evolve uma desgraceira enorme sem fim. Palavras tão preferidas pelo primeiro mundo como: "liderança", "estadista", "herói", "modelo" e muito mais, foram colocados no ralo de nossa história.
Enfim, o povo terá o herói que escolheu ou o vilão que pensa não merecer.

sexta-feira, agosto 17, 2018

Breve histórico da comunicação espiritual


Não é assunto atual a comunicação entre encarnados e desencarnados. Durante milênios o mundo espiritual está à espreita do mundo material, aguardando a oportunidade de se comunicar, seja para bendizer os dias sofridos dos homens dando-lhes esperança no porvir; seja para criar obstáculos em seu desenvolvimento intelectual e moral. Já é sabido que no mundo espiritual uma enormidade de espíritos, das mais diversas categorias e funcionalidades coexistem; formando hierarquias que se dividem por aspectos que chamamos luminosidade. Um ser de luz, como é conhecido, é aquele diretamente ligado a conquistas morais, intelectuais e divinas. Refletem em suas ações a beleza, a compaixão e o reconhecimento de Deus. São esses espíritos, dos mais altos graus, que nos auxiliam. Outros, os medíocres, muitas vezes nem maus nem bons, são enganados por suas próprias interpretações vulgares do mundo. E os maus, mais ignorantes que “diabólicos”, sempre agem em nome da derrota do homem em sua evolução espiritual. Todos eles, evoluídos ou não, podem se comunicar; transpondo a barreira ilusória entre o mundo material e o mundo espiritual.
Mas quando essas comunicações começaram? Não se sabe ao certo. Na história da humanidade temos inúmeras passagens reais, outras tantas lendárias e muitas simbólicas que falam sobre o contato entre os “mortos” e os “vivos”. Em um desses estudos há uma hipótese curiosa sobre certos acontecimentos: diz que esses primeiros contatos serviram para intermediar conflitos dentro das aldeias. Nessas aldeias os primeiros transes mediúnicos expuseram ao mundo pessoas com habilidades de, não apenas ver os desencarnados, mas também se comunicar com eles. Com o surgimento da sociedade, não apenas as aldeias eram amparadas na relação: espírito, médium e homens; as informações que chegavam do mundo espiritual visavam não mais resolver conflitos bélicos, mas dar ao homem determinados conhecimentos para uma reforma íntima, um crescimento espiritual individual. Assim, informações vindas dos espíritos ditavam rumos de determinados povos ou a formação de leis morais. Por exemplo, quando Ramã mudou a visão que seu povo tinha dos sacrifícios humanos. Ou quando Moisés liderou o povo hebreu para a liberdade.
As comunicações espirituais, ainda que não sejam de forma ostensivas e diretas; tem conexões nítidas ao desenvolvimento científico, filosófico, moral e literário. Afirmam os espíritos superiores que o nosso mundo nada mais é que uma cópia parcial e inacabada dos mundos espirituais superiores. A produção artística ainda é um modelo em que essas comunicações espirituais são mais admiradas, basta verificarmos a quantidade e a qualidade de publicações com essa intenção. Portanto, em todas as áreas do conhecimento humano, a mediunidade é amparo ao homem encarnado: Esperança, a correção, a chance e as oportunidades de crescimento são seus objetivos. A médium é ferramenta para desenvolvimento humano, assim como é o telescópio, o microscópios e outras ferramentas utilizadas em outras ciências. Assim, à mediunidade só convém a certa e justa utilização, todo o resto é contato inútil. Mediunidade pode ser considerado um dom, no sentido real de capacidade, mas sem o glamour que muitos à ela atribuem. Mediunidade dá esperança, mas que carrega inúmeras responsabilidades.  
Sendo a mediunidade tão importante para o desenvolvimento humano, era necessário que em alguma parte de nossa existência humana um estudo mais detalhado fosse realizado. E foi numa época onde o crescimento da ciência positiva dominava os assuntos acadêmicos que surgiu a oportunidade de codificar essa relação entre encarnados e desencarnados. O homem passava por uma transformação onde o materialismo era uma tentação justificável. Todos os aspectos religiosos até então sofriam sérios golpes dos magistrados e céticos da época. Não sem razão, pois a religião que deveria sugerir a irmandade universal, fazia vítimas em calabouços e prisões. Era preciso que o homem se voltasse novamente aos fenômenos que ele considerava “sobrenaturais” para que o mundo espiritual voltasse a ser “consultado” novamente.
E foi pela curiosidade que, em alguns lugares do mundo, homens e mulheres resolveram entender estranhos acontecimentos. Na Europa, onde surgiram grandes descobertas e ideias inovadoras na política e na economia; que um passatempo virou algo muito interessante: “as mesas girantes” que de espetáculos circenses se transformaram em matéria-prima para uma revolucionária doutrina. Foi exatamente nesse momento que Allan Kardec chegou até os espíritos: as mesas eram sinais de que alguma coisa além da matéria sobrevivia, tinha consciência e individualidade. Estavam vivos.
Da mesma forma que as pitonisas do passado conversavam com os ancestrais em busca de informações e resoluções sobre os conflitos mundanos; a nova doutrina surgida no século XIX buscava também informações dos espíritos dos “antepassados”; mas com um objetivo mais abrangente e sensato. Queria dos espíritos superiores a comunicação que revelasse, ou que auxiliasse, em respostas sobre aquilo que perseguia o homem desde o surgimento dos primeiros filósofos: “Quem somos e para onde vamos?” Mais que a conversa com os espíritos, Kardec determinou que ali era a grande oportunidade em saber sobre os fenômenos paranormais, ou seja, como acontecia de fato a transposição entre a barreira física e a espiritual. Também era a oportunidade de saber mais sobre o homem de forma integral; sua formação completa e suas necessidades espirituais. E com isso, mais além, determinando sua correção. Nascia algo inexplicável para alguns: a filosofia, a ciência e religião caminhando lado a lado.
A comunicação espiritual não foi criada por Kardec, mas foi ele quem descodificou o misticismo em torno desse contato. O seu trabalho científico é base para o desenvolvimento e estudo dessas comunicações até hoje. Como cientista dizia que nada poderia se encerrar com o seu trabalho, mas cada experimentação, com provas positivas ou não, mudariam a forma como entenderíamos aquilo que ele havia sido publicado. O Espiritismo é um organismo vivo com bases sólidas na codificação elaborada por Kardec, mas é uma doutrina ainda maior; vista estar pronta e programa nos mundos espirituais. O quanto aprendemos e quais etapas ainda temos que cumprir não é de nosso conhecimento, pois vivenciamos uma nova proposta a cada dia. Um conhecimento a cada nova capacidade.
Como o Espiritismo ainda não está pronto no nosso plano, devemos considerar que outros conhecimentos seriam programados. Novas formas de observamos aquilo que já estudamos com Kardec. Novas “revelações” e novas descobertas surgiram. Visto dessa forma é compreensível que as comunicações espirituais não cessassem. Teríamos novas comunicações espirituais que ditassem na prática tudo que estava exposto na codificação. Chico Xavier foi um dos responsáveis em trazer, dessas comunicações, a prática do mundo espiritual. Se sabíamos que existiam espíritos, não sabíamos como eles viviam. Se sabíamos que o mundo era mais completo que o nosso, não sabíamos quantos mundos existiam nem como eram. Se sabíamos dos sofrimentos dos homens e das conquistas após a morte, não tínhamos ideia de como essas coisas eram determinadas;
Através das publicações que nos chegaram quase cem anos depois da publicação de Kardec, tivemos uma noção mais pictórica do mundo dos espíritos. Eram cores, carros, casas, árvores, homens e mulheres, filhos; água; energias e uma série de detalhes que compõe os planos reencarnatórios, as manifestações espirituais, a formação do caráter espiritual do ser humano, suas chances e suas derrotas. Mais do que falar sobre o mundo espiritual podíamos ser carregados pelos espíritos como quem participa das histórias de modo atuante. Pudemos perceber com as novas publicações o quanto os espíritos estão próximos, nos dirigindo e nos orientando para o caminho da correção e da felicidade.
Assim, se alguém um dia quiser saber afinal de contas o motivo de ainda acreditarmos e vivenciarmos as comunicações espirituais, é fácil interpretar que sem ela, nós humanos, ainda estaríamos expostos ao acaso. E definitivamente o mundo não parece esperar resultados inteligentes, sábios e amorosos em condições tão aleatórias. Não acredito estarmos ligados ao golpe de sorte do destino.

domingo, maio 06, 2018

DESCONECTADO: Os Vingadores: uma guerra infinita.. de possibilidades

ATENÇÃO: SPOILER


Você pode sair com raiva, triste, impressionado, decepcionado, confuso, entre outros sentimentos inexplicáveis. Você só não vai conseguir sair indiferente. E se a função da sétima arte é te envolver sentimental, intelectual, emocional e espiritualmente; “Os Vingadores: Guerra Infinita”, consegue isso com louvor. São tantos elementos simbólicos que ouso dizer que estamos diante de uma proposta dramática tal qual outros clássicos contemporâneos, como “Star Wars” e “Senhor dos Anéis”.  

Vamos começar com o título: Guerra Infinita. Quem se atém a esses detalhes já entra com a sensação de que não haverá um final convencional. Surpreender-se com o final é o mínimo que eu esperava do filme. Então, durante toda a trajetória dos heróis, dá para entender que tudo aquilo que estávamos vendo era apenas prólogo de uma sequência ainda mais emocionante. Sabendo que tantos elementos místicos foram incorporados sutilmente no MCU (Universo Marvel), mas principalmente em Thor, Guardiões da Galáxia e Doutro Estranho. Assim, todas as possibilidades ainda estão em aberto, principalmente por termos ainda com os mocinhos o poder da mente e do tempo.

É essencial entender que a Joia do Infinito são peças fundamentais para tantas reviravoltas que a história ainda pode dar. Vale lembrar mais uma vez a frase do Doutor Estranho, quando diz que existe apenas uma possibilidade entre milhões de resoluções no futuro, mas que ele faria aquilo que é certo. A batalha tinha seus adjacentes, mas os personagens principais dessa guerra foram: Thanos, Visão e Doutor Estranho. O poder de manipular a mente pode ser menor que manipular o espaço? Saber o tempo passado e futuro é menor que saber sobre a Realidade? Poder e alma conseguem agir sozinhos? Os Vingadores estão em meio a uma batalha quântica, e somente os detentores das joias poderão conseguir a vitória.

Então, eu posso dizer que sai com um sorriso no rosto, uma alegria contida, uma satisfação incontrolável. A Guerra Infinita pode ser um jogo de ilusões em que o vilão Thanos foi inserido sem saber, desde que conseguiu a joia do tempo. É um spoiler genial para a sequência dos acontecimentos? Pode ser. Mas pode não ser nada disso, pois as conjunturas apresentadas acabam eliminando qualquer possibilidade de adivinhação, apenas podemos supor. Podemos torcer. Podemos encarar que a magia foi exatamente a ilusão, como a formação de um mundo paralelo em que todos foram acrescentados: somente a mente e o tempo sabiam que nada daquilo era verdade.

Mas aí você pergunta: mas Thanos estalou os dedos e tudo começou a acontecer, como num arrebatamento bíblico dos humanos. Devemos lembrar que tudo que estava acontecendo era sobre a perspectiva do vilão. Thanos que estava subentendido em todos os filmes até então, aparece nesse último episódio como o grande onipresente. Assim como aconteceu com Malévola, que decide contar sua história em “Bela Adormecida”, temos Thanos contando sua decisão, seus argumentos e suas desilusões. A ligação do personagem com a morte é um dos elementos mais aterrorizadores, todavia mais libertadores. Não à-toa ao catequeziar os povos conquistados ele diz mais de uma vez sobre a liberdade. Liberdade para quem vive ou para quem morre?

Thanos tinha poder, tinha o espaço e tinha a realidade, mas somente quando esteve prestes a obter a joia da alma que seus olhos transpareceram vestígio do amor (e a dor da perda) que ele sentia por sua filha. Doutor Estranho pode ter visto o único ponto fraco do vilão. Thanos entrega sua filha ao guardião da pedra das almas (Estranhamente o Caveira Vermelha) e se arrepende disso quando ao final da trama olha para o por-do-sol. A aparição de Gamorra, ou por estar presa na da alma ou pelo poder do Visão, faz com que Thanos entre em contato com seu “peccátu”, sua culpa. Olha para tudo que conquistou (imaginário ou não) e reflete sobre as condições em que conseguiu tudo isso, e por conta de algo que ele achava mais precioso: o amor de sua filha. Lembrei da “A última tentação de Cristo”, de Scorsese, onde Cristo entra num processo ilusório em sua crucificação. Na mitologia criada no mundo Marvel o bem e o mal sempre foram bem claros e definidos, exceto com Thanos. Thanos foi levado ao arrependimento, embora não se saiba o que fará com ele. Por isso sai satisfeito, a guerra ainda não tinha acabado, mas revelado um triunfo que somente quem viu o futuro poderia revelar.

Por todos esses elementos, o filme é fabuloso, mas não é para todos os gostos. Há quem acredite que cada filme está encerrado em si, ignorando por completo o MCU em que eles estão se desenvolvendo. Depois de vinte e um deles, dá para imaginar que os seus produtores e idealizadores sempre têm uma carta na manga. Assim como acontece frequentemente nas HQs onde os personagens morrem e ressurgem de forma mais espantosa. Por tudo isso a “Academia”, que não olha com bons olhos os filmes de super-heróis, deverá se render em breve ao que a Marvel anda fazendo em seu Universo, não podendo mais ignorar que os efeitos desse planejamento estão diretamente ligados à um estilo de cinema, como se fosse uma outra categoria. Assim como perceberam que curtas, desenhos entre outros elementos se tornaram importantes na análise cinematográfica, entenderá que esse novo cinema que fatura bilhões já é algo real e inquestionável.

Real e inquestionável que é muito diferente dos últimos acontecimentos do filme, que podem ser questionáveis e com várias possibilidades. Vamos supor que o Visão, assim como pode ter embaralhado todos os acontecimentos para Thanos, fazendo-o acreditar em coisas que não aconteceram, pode também ter nos inserido nessa ilusão. A ficção ultrapassando todas as barreiras: teremos então a chance de um final ainda mais animador, esclarecedor e surpreendente. Só temos que esperar...


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quinta-feira, abril 12, 2018

DESCONECTADO: La casa de papel: Bandido bom?


(Vou avisando de antemão: conto o final. Portanto, se você ainda não terminou a segunda parte da primeira temporada, não leia. Não leia também os comentários, se houver. Ignore-me e volte mais tarde). 

Bandido bom é bandido vivo. Pelo menos é nisso que pensamos em todos os capítulos da série La Casa de Papel. Ela é uma série dinâmica, divertida e com uma história muito bem construída. Tem lá sua cara de Breaking Bad e eu achei muitas coisas em comum. Ela também tem seus defeitos, como clichês latinos de amor e ódio; mas isso pouco importa. Torcemos muito pelos bandidos. Fico aqui imaginando em que momento nós, meros telespectadores, fomos enganados pelo Professor. Afinal de contas, ele consegue a opinião pública não só na ficção, mas do lado de cá, de quem assiste. Mensagem subliminar? Da mais alta categoria. Torcemos pelos bandidos, por suas histórias sofridas, por seus repentes de paixão. Torcemos em todos os momentos, até quando estão errados. Torcemos para que um deles, qualquer um dos bandidos, num momento de fúria, matasse o Arturo. Arturo, o Refém. 

A história toda nos leva a isso: os bandidos são os mocinhos. E quando paira a dúvida sobre quem está certo, o Professor nos faz mudar de ideia mais uma vez. Faz a mocinha mudar de lado. Não estamos roubando, estamos imprimindo dinheiro dentro da casa da moeda, esse é o resumo de sua moral. Parece tão certo que dá tudo certo. Para o assalto, o Professor reúne alguns bandidos. Eles não se conhecem e é preferível que não tenham nenhum vínculo pessoal. Hipótese que ele mesmo destrói, apaixonando-se por quem deveria investiga-lo. Então, os bandidos recebem pseudônimos: Tókio, Moscou, Rio, Berlim e assim por diante: temos uma completa novela, com a ninfeta fatal, o nerd bonzinho, o malandro ingênuo, o pai protetor e amoroso, vilão psicopata e simpático, mãe desesperada, mulher fragilizada, mulher traída, adolescente mimada e o homem infiel. Tudo isso trancado dentro da casa da moeda, por bandidos armados com a máscara de Dali; e tudo ali parece mesmo ser tão surreal.

Com o passar do tempo o que era formal no roubo vai embora, isso era a única coisa que o Professor não conseguiu antecipar em seu plano: a nossa habilidade desastrosa em alguns relacionamentos. Pouco a pouco todos foram se envolvendo, torcendo um pelo outro; querendo esganar o parceiro, mesmo sabendo que ele era essencial para que o plano desse certo. Duas figuras principais motivados por um passado político: Berlim e Professor amigos de longa data emocionados com o Bella Ciao que incrementa ainda mais nosso imaginário sobre serem os bandidos os mocinhos: eles resistem nesse mundo capitalista. Professor, o Bem. Berlim, o Mal: o antagonismo de quem pensa ser frio e calculista combatendo aquele que se acha explosivo e irracional. Eles trocam esse papel todos os instantes, tanto que Berlim joga seu amor na cova dos Leões, o Professor promete resgatar a princesa encantada; ora o racional sendo emotivo, o explosivo virando racional.

A verdade é que os bandidos vão se humanizando, os personagens vão se desnudando, ou seja, mostrando seu lado verdadeiro e sofrido. Com o tempo os apelidos de alguns deles são trocados pelo nome verdadeiro: a farsa não existe mais, eles estão dentro da Casa das Moedas mostrando a verdadeira identidade. Ficamos íntimos, ficamos amigos. Na história a opinião pública, ainda que a informação seja vaga, torce pelos bandidos. E eles vão conseguindo o que querem. Enquanto as máquinas imprimem o dinheiro, em nossa cabeça imaginamos: o que eu faria se tivesse uma parte dessa grana? E se fosse para mim a proposta: passar a linha marcada com giz e ser livre ou não atrapalhar os bandidos e ganhar uma grana? O amor, verdade, ética são colocadas em nossa frente, como estampando nosso caráter mais escondido ou inibido. No lugar deles, ajudaria os bandidos?

Não basta para o Professor a decisão de torcer por eles, a história nos coloca no meio de uma questão ética valiosíssima: fazer o certo por meios tortos é errado? Teoria da convicção e da responsabilidade. Fazer o certo sempre, de acordo com as regras. Ou fazer o certo quebrando as regras? O Professor acha que está certo, pois vê na regra uma falha, um erro; o comportamento das grandes instituições que fazem o mesmo, imprimindo dinheiro para capitalizar o mercado. Eu não estou roubando, estou imprimindo o dinheiro, tanto quanto outros já fizeram: essa é a chave de braço na investigadora, nessa hora ela vê o lado certo é o lado que convém, sempre.

Enfim, é uma história que vale a pena. Embora intimamente preferiria que acabasse ali, naquele encontro num paraíso qualquer do mundo. Acabasse ali e ficássemos na dúvida sobre o que os bandidos fizeram com tanto dinheiro. Mas, não. A história que tem começo, meio e fim; tem o seu desenrolar em uma suposta sequência, que possivelmente irá responder muitas perguntas. Será que as pessoas que não ultrapassaram a linha de giz no chão receberão o seu quinhão? Será que escolhi o lado certo? E você, que lado escolheu? Bandido bom é bandido que não rouba, mas engana o sistema? Pelo menos nesse caso, estávamos torcendo para que todos saíssem vivos.


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quinta-feira, abril 05, 2018

I - Desconstrução dos Novos Poemas



Farei agora um histórico do desapontamento
das palavras que disse em qualquer momento.
De sumir, de repente, como se não fosse nada;
esquecido significado de cada palavra ignorada.
Serão assim, infrutíferos, velhos poemas novos
que há tempos deixaram os fingidos tormentos
de poetizar qualquer dor em vastos sofrimentos.
Se fiz poemas necessários para alguns aplausos,
recordo nenhum ser digno de alguma piedade.
Não marcaram época e nem tampouco saudade.

Pois, os poemas não foram por mim expostos
como quem tem a felicidade uma incapacidade.
Nasceram como nascem plantas e montanhas,
no deserto de uma imaginação, nascem mortos;
nascem, poemas, como som numa noite qualquer
que gera gritos e uivos indecifráveis nas entranhas
pedindo socorro para quem nasceu para morrer.
Assim, de hoje, os poemas viverão sua mocidade
em construir fantasias no instante de uma paixão,
mas dessa fortaleza uma inevitável desconstrução.

Poemas não se fixarão no futuro que desejarem,
mas nas lembranças de um dia desaparecerem.





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sábado, fevereiro 24, 2018

Já cultivou seu lado positivo hoje?


Minha reflexão de hoje começou com um daqueles exercícios que geralmente fazemos no final do ano ou quando algo importante acontece em nossa vida e precisamos de uma explicação não sobre o mundo, mas sobre quem nós somos. Aquela lista onde colocamos nossos desejos para o próximo ano, o nosso objetivo. Um desses exercícios é colocar numa lista os pontos positivos e negativos de nossa personalidade, aqueles que pretendemos corrigir ou fomentar durante o ano. Não raro há maior dificuldade em relatar em nós o quê há de melhor. Muitas vezes precisamos que o outro nos diga o que existe de bom, como se sofrêssemos de uma incapacidade de um autoconhecimento. Imagine uma criança ouvindo uma questão como essa: Relate os seus pontos positivos e negativos. A criança não vai titubear em responder ingenuamente que ela é bonita, educada e inteligente. Em que ponto da nossa existência deixamos de nos olhar e encontrar os pontos positivos? Também para a criança uma percepção menos aguda em relação aos pontos negativos: ela nunca sabe seus defeitos se ninguém os disser.

A maturidade traz essa consequência: começamos a ouvir nossos mais íntimos pensamentos que nos faz refletir o nosso lado mais perverso. Na verdade a palavra não é bem essa, mas nosso lado mais degradador. Ter pontos negativos só condecora ainda mais o pensamento de que o homem é um ser em evolução, ou seja, incompleto. Identificar o lado negativo é tão importante para o nosso desenvolvimento que muitas vezes nos prendemos a ele de tal forma que nos esquecemos que também que em nós existem coisas positivas. Sabe aquela coisa cena que relatei agora sobre a criança não titubeia em relatar seus pontos positivos? Faça o mesmo, mesmo que internamente. Faça o mesmo agora, quando acordar e em todos os instantes de sua vida. Suprimir os aspectos positivos é tão nocivo ao nosso desenvolvimento quanto estacionar indiferente em nossas características negativas. Portanto, há de se compreender que esse movimento de equilíbrio passa por uma total consciência das consequências negativas que o mal causa, tanto em nós como aos outros. E nesse exercício ter bases fortalecidas nos aspectos positivos é essencial para trabalharmos por uma correção.

Na relação que eu fiz dos meus pontos positivos e negativos, descobri que alguns deles têm uma medida muito próxima entre o certo e errado. Aquela coisa: remédio demais vira veneno. Um exemplo: descobri que sou ansioso, pois antecipo muitas vezes problemas e sofro por eles. Não há nada extraordinário na ansiedade, pois ela é um sentimento humano. Quando excessiva cria uma paralisia, um descontrole e um autocrítica fora do normal. Por outro lado, um grau de ansiedade satisfatório nos faz lidar melhor com os desafios da vida, criando um situação adequada a um estado de prontidão. Ansiedade não é boa, nem ruim. mas a medida que damos a ela é o tamanho que ela irá nos consumir. Gosto muito de uma passagem em Lucas: “São os teus olhos a luz do teu corpo; se teus olhos forem humildes, todo o teu corpo será cheio de luz. Porém, se teus olhos forem malignos, todo o teu corpo estará tomado pelas trevas”. O jeito que encaramos nossas perfeições e imperfeições pode ser um caminho importante para a evolução espiritual.

Então a medida que damos às coisas é essencial. Quando a importância é dada a determinado assunto, que ele se molda no formato que quisermos. Pode ser tão grande que não caberá na sala. Tomando todos os pensamentos e ações, torna-se-á o limite do seu propósito. O tamanho será suficiente para sufocar ou libertar. O ódio, por exemplo, expandido na medida incerta tornará também incerta as consequências. Pode-se odiar no extremo das coisas, pois a medida é injusta. No amor, em compensação, a justeza só oprime a expansão de um bem-estar, trazendo consigo uma desrespeitosa condição da humanidade divina. Assim, a medida do ódio que menor seja para que menor atinja e a medida do amor que maior compreenda para que tudo reflita.

O ágape não pode ter medida, pois viverá injusto em sua fronteira. A medida que dá a cada coisa determina o quanto será medido por ela. Seus olhos medirão as vantagens dos pontos positivos e autocríticas dos negativos.

Mais uma vítima da Depressão


Não dá para entender o motivo de um suicídio, pois ele não carrega consigo uma única resposta. É uma doença, sim. Que tem lá seus desafetos com tudo que existe no mundo, inclusive o depressivo está em constante guerra consigo mesmo, e quase sempre pensa ter perdido a batalha. Não é fácil, por isso tem feito números alarmantes em todo o planeta. Ricos, pobres, moços, novos, mulheres, homossexuais, jogador de futebol, artista, advogado e lixeiro. A depressão silenciosa dá sinais de sua plenitude todos os momentos, mas muitas vezes nós a ignoramos. Só quem passou, ou passa por ela, sabe o sacrifício que é encontrar motivação num mundo em que a própria pessoa se encontra tão deslocada. Problemas todos nós temos: em família, no emprego, com amigos e com os pais. Problemas sempre existiram, desde que o homem decidiu que era um ser pensante, que podia sentir; e principalmente, quando soube que era um ser mortal. O único ser existente no mundo que sabe que um dia irá partir é o homem, por isso já carrega consigo uma carga enorme de responsabilidade: a responsabilidade de aproveitar, de ter que dar certo e de algum modo ser feliz.
Esse desencontro da vida acontece com todo mundo, mas para o depressivo é algo de enorme importância, pois é a única resposta que ele encontra quando olha para a vida, a de que ele não tem forças para enfrentá-la. E muitas vezes é nesse silêncio que a alma agoniza. É nas lembranças pretéritas que vê sua chance de ajeitar as coisas indo embora. Sim, o depressivo precisa participar da vida dos outros e quer que participem da dele. Ele quer sair do buraco, daquele lugar que nem é escuro e nem é claro: é um lugar do tanto faz. A pessoa morna é o depressivo, que nem quente, nem frio; nem sereno, nem despirocado. É dele a história, ninguém tem culpa, mas todos podem ajudar. É para isso que exercitamos a compaixão, a empatia; determinar que o outro nem sempre é auto-suficiente, pois de alguma forma, por diversas questões essa suficiência não é o bastante. Precisamos ajudar para que ele se ajude.
O depressivo precisa de uma mão amiga, mas precisa de suas próprias pernas para caminhar. Venha, segue-me, disse um dos nossos mestres mais importantes no planeta. Em apocalipse, 3:15-16 então João nos diz: “Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente; quem dera foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca”. Precisamos fazer a coisa com amor, mesmo sem forças, fazer por amor ao outro, por amor a nós mesmos, fazer o amor lavar uma multidão de sofredores (pecados), como nos disse Paulo de Tarso. Não deixem passar a chance de amar-se, amando também o outro em sua intimidade. A intimidade de abraçar, saber como esta, se importar, comer uma pizza junto. Mas que com tudo isso, não menospreze a intimidade que diz “pode contar comigo, pois estarei ao seu lado para ajudar-lhe em tudo que for preciso”. Essa intimidade que estabelece que a vida espiritual, social e a saúde mental não pode ser deixada de lado nos menores silêncios de um depressivo.
Por isso a vida é difícil, pois muitas vezes aprendemos quando parece ser tarde para ajudar alguém. Achamos que o problema não é nosso, já que muitas vezes é um problema desconhecido, enigmático; cheio de nomenclaturas que nos fazem dimensionar a questão como algo novo, das trilhas modernas de um mundo que parece estar cada dia mais perto do caos. Não, não é algo novo, nem algo infindável; mas pode ser, por nosso esforço algo controlável. Que tenhamos forças para trabalhar pelos nossos amigos que por algum motivo estejam enfrentando problemas sérios com a depressão, ou que, na nossa incompreensão sejamos ainda auxiliares em orações e pensamentos positivos para que encontrem a paz no coração e a força na alma.
É uma frase óbvia: Junto ninguém se sentirá sozinho.

sábado, fevereiro 17, 2018

Ondas


Do silêncio que não pode existir, posto que a vida flui, em odores, sentimentos, frases e chamados. Eis que a intenção do dia, impôs calar-se para ouvir-se o menor e o maior propósito de acordar. Sentar-se diante o mar, e ondas, que ficam a movimentar a linha do horizonte onde não podemos sequer pensar em nos aproximar: É Deus movimentando os braços? E o silêncio que não é passividade, mas um empurrão do tempo, que nos tira de uma areia movediça, que não se move, mas engole, e nos atraí, para uma mesmice da sequência do momento de acordar. Sentar-se diante do céu, e nuvens, que ficam a estagnar essa imagem do horizonte que não podemos sequer pensar em nos aproximar: Estaria um Deus tão distante?


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