sábado, setembro 05, 2020

ÀS VEZES CONVERSAMOS SOZINHOS


Ninguém me conhece. Ninguém que me conhece, sabe que não me conhece. Sabemos pouco sobre nós mesmos, resguardado todos os dias, em cada segundo. As míseras impressões que sabemos sobre nós estão escancaradas em todos os instantes, em qualquer situação. Mesmo assim, não nos conhecemos. Ninguém nos conhece. Posto um enigma que nunca foi enigma, mas que era essencial que fosse comentado para que a sequência dos fatos não ficasse sem argumentos; vamos ao que interessa: ninguém quer me conhecer. Ninguém se interessa por mim. Há vários interesses, mas nenhum deles é sobre mim. Há o interesse profissional, de sangue; da história; interesse de contar piada e o outro rir. Interesse em tomar uma cerveja gelada, mas por mim, qualquer desinteresse. 

Outro dia: uma pessoa se aproximou de mim e perguntou as horas. É muito estranho alguém perguntar as horas no mundo de hoje, pois estamos sendo vigiados em cada passo, cada momento; ligados, desligados; e no monitor da nossa vida cotidiana, os ponteiros nunca mais foram importantes, mas o número, o tempo, o cronograma; todos estão ali diante de nós. Eu olho para o relógio no pulso (eu ainda uso relógio de pulso) e respondo calmamente para a pessoa. Ela sorri, parte para o lado oposto para onde eu estava caminhando. Eu estava sem destino, pois ali onde eu não pretendia chegar, ninguém me conhecia. Então, eu olho para trás, a mulher continua me acompanhando, como uma sombra, uma consciência, um espectro qualquer querendo ficar ali ao meu lado. Eu pergunto: Você me conhece?

Não estava chovendo, mas estava frio. Não era Lua cheia, mas estava bem iluminada. São dias ótimos para dormir, encostar a cabeça no travesseiro e descobrir quantas pessoas não te conhecem. Eu não sei se isso passa por vocês algumas vezes, esse sentimento de completa anulação. Não saber mais o que fazer na manhã seguinte quando conseguir, depois de algumas horas, pegar no sono. Não sei vocês, mas é um vazio daqueles. Um vazio de olhar para o, lado e todos estrarem andando, comendo e se divertindo; mas ninguém ali conhece você, Ou te ignoram. Eu sinto estar abandonado sistematicamente. Mas o pior afastamento e de você mesmo. Alguém ai me conhece? Eu te  pergunto: sabe exatamente o que eu sou capaz de fazer agora?

Outro dia: alguém me perguntou sobre as horas e eu passei direto sem responder, sem ser gentil, ignorando tudo. Sou capaz disso. Nós somos capazes disso. E quem duvida, não se conhece, não sabe que um inimigo pode morar bem ai dentro, precisando ser domesticado. Nós não conhecemos, nem queremos; pois junto com suspeitas das coisas boas, virão as certezas das coisas ruins: nesse momento é melhor mesmo ninguém conhecer ninguém, e ir seguindo vida como se isso fosse possível.

23.10.18

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