sábado, setembro 05, 2020

Carta ao amigo


Meu amigo, ontem mesmo estávamos aqui falando bobagens da vida. Não era uma conversa trivial, mas sim bem longe do limite da nossa compreensão. Era tão óbvio que o assunto não era dominado por ambos, que olhamos para o relógio e pedimos mais tempo. É assim que funciona na vida também, concordamos. Nem sempre dá tempo de explicar tudo que acontece, todas as coisas que gostaríamos de fazer, corrigir tanta coisa. Somos, em muitos aspectos, covardes. Vai saber quando na criação do mundo aprendemos o decoroso melodrama pela covardia: não choramos a fuga, mas lamentamos nunca ter feito. É, meu amigo, ontem mesmo estávamos ali naquele lugar, olhando nossas esposas, nossos filhos, nossa família que estava junta e se divertindo; e nessa imagem saborosa, decidimos que não haveria mais tempo para se resolver nada. Concordamos na covardia, concordamos que o tempo é rigoroso.
As pernas doem, meu amigo. Os olhos cansados já não conseguem ler as entrelinhas. A memória, o rosto e os cabelos. Somos essa passagem das horas, mesmo quando as horas não passam diante dessa tarde fria de domingo. O tempo poderia parar agora, saboreando esse perfume das coisas leves, o sorriso das coisas engraçadas e belas, o olhar pelas coisas que funcionam coincidentemente quando olhamos. A chuva começa, mas não mais importa que uma gripe nos atinja, pois ali na nossa frente, todos eles se divertem, todos eles com o futuro pela frente, um futuro que hoje lamentamos no presente. Qual o motivo do meu sonho ficar tão distante? Qual o motivo de olhar para aquele jovem e hoje descobrir que ele está tão acabadiço? Qual o motivo de não ter dado certo? É meu amigo, não sabemos exatamente se a vida é um erro quando dela exigimos muito. Sente-se aqui, olhe para as fotos. Olhe para o longe, onde as crianças brincam e os adultos reclamam e os sem idade nenhuma escrevem suas experiências.
Meu amigo, ire te encontrar algum dia desses quando não mais precisar trabalhar tanto? Eu te encontrei quando estiver caminhando com destino ignorado? Meu amigo, lembraremos dos nossos nomes quando apenas aqueles divertidos casos da adolescência estiver na lembrança? Restará apenas os erros e os acertos da adolescência quando todo o resto não tiver mais importância? Olhamos os nossos filhos brincando, olhamos nossas esposas, olhamos a nossa família toda ali na fotografia, e não importa se é dia de chuva, não importa se não há mais nenhuma música tocando, não importa mais que o gosto da comida tenha desaparecido. Só vale mesmo aquilo ali, aquele presente. que um dia era nosso futuro que imaginávamos de outra forma.


19.09.19

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