Não
existe mais álbum de família. Não existe mais quem queira colocar na parede da
sala o retrato de toda a família, exibindo-o como uma espécie de troféu. A
família feliz que sempre sorri nas fotos. As pessoas sorriam, pois era proibido
não sorrir. Na escala entre pais, filhos, netos, bisnetos; tios e tias, alguns
nem se conheciam. Outros nem se falavam; alguns se suportavam. No entanto,
naquele retrato de família populosa, as pessoas conviviam, interagiam; e nessa
convivência aprendiam. A família que parecia feliz, mas nem sempre era, tinha
como objetivo moldar o ser humano para uma escala maior, que era sua própria
projeção na sociedade.
Famílias
numerosas são pouquíssimas. Estão beirando a extinção. Uma festa de Natal nos
dias de hoje com mais de cinquenta pessoas é uma benção. Uma providência divina
e não do acaso. A maioria hoje vive num convívio minguado. Festas, casamentos;
primeiro ano do filho. Uma ruina numérica da família. Cada vez mais as pessoas
pensam no menos; vivendo subgrupos familiares. Questões econômicas, sociais ou até
religiosas dispersaram as famílias.
Bom
ou ruim, ainda não sabemos. A única certeza que podemos ter é que a família
mudou. Ela não obedece aos paradigmas de trinta ou quarenta anos. A relação
entre pai e filho é uma incógnita que até hoje está sendo analisada pelos
especialistas da área. A relação amorosa idem. Saímos de um contexto grandioso
e idolatra; onde a família era o centro de tudo; para um modelo solitário e
realista. Hoje as pessoas são mais egoístas, embora sejam mais benevolentes e a
solidárias (que parece ser algo muito contraditório). O crescimento das ONGs
demonstram isso. Muitos jovens, solteiros, com ascensão profissional usam parte
do seu tempo livre para a caridade. Pessoas realistas, mas que não deixam de
sonhar com um idealismo humanitário. A família pode estar reduzida a um único
individuo solitário e realista, mas que não deixa de idealizar na solidariedade
um bem maior e comum.
Tenho
dúvidas sobre o quanto essa metamorfose no convívio familiar está sendo
ignorada pelo plano espiritual. Crer que essa mudança é desprezada pelos
espíritos superiores é acreditar também que nossa vida, de uma maneira geral, é
baseada numa desordem gigantesca. Lembro-me da frase célebre de que Deus não
joga dados, explicando que nada no mundo é ao acaso. Consequentemente, de todas
as situações, boas ou ruins, se tira alguma solução para a evolução humana.
Assim, crer que a inexistência de uma família numerosa é motivo para o motim
social que vivemos é acreditar que o plano divino não tem completo conhecimento
de nossas necessidades, o que para mim parece inverossímil.
As
famílias mudaram e ignorar essa nova perspectiva é ditar uma regra obsoleta. As
famílias hoje são mais felizes, pois criam melhores condições para uma
intimidade que não se via em nenhum álbum de família. Pais falando sobre sexo
com os filhos. Filhos falando sobre os medos e as angustias com os pais. Ambos
conversando sobre as drogas. Engana-se, portanto, quem acredita que as famílias
do passado traziam mais oportunidades que as famílias atuais, embora menos
numerosas. Engana-se também quem acredita que a família seja apenas
consanguinidade; ignorando os laços afetivos que construímos durante nossa
existência.
A
discussão não deveria ser nostálgica, colocando a família do passado num
pedestal e ignorando a conjuntura da família contemporânea. A discussão é o
quanto a ausência de uma família pode ser prejudicial à evolução de uma
criatura. O quanto essa ausência delimita conhecimentos sobre religião, ética e
cultura. Não importa mais o modelo de família, importa como essa relação
familiar nos constrói para um convívio mais amplo. Dessa forma, uma ou outra,
grande ou pequena; com laços de sangue ou não; todas têm um objetivo do plano
superior: a nossa evolução. E só evoluímos pela atração e fortalecimento
naquilo que é correto e pelo atrito e correção naquilo que consideramos
indigno. A família nos atraí e nos repulsa em muitos momentos, só assim não
estacionamentos em nossa trajetória evolutiva.
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