quinta-feira, outubro 18, 2018

Poema da Verdade

Raiz profunda que me prende.
Na terra úmida, não sinto as pernas.
No vento gelado, cortam o rosto.
E a natureza, olha a natureza:
ela não é a verdade que eu queria.

A minha natureza não é perfeita.
Desordena minha fome de permanecer;
Decide minha sede de matar. 
E a natureza, rompa a natureza:
ela é o demônio de quem quero fugir. 

O corpo e a mente, raiz tão sinistra.
Na terra gelada poderá ficar para sempre. 
Cortam seus caules, destrói as folhas: 
E a natureza, renovada pela natureza: 
Lá na minha ignorância me faz renascer.

E passos calmos em direção ao presente,
a verdadeira vida que empurra e segue,  
na alma se despede com elegância. 
Dessa natureza tão deprimente, ora: 
Uma natureza que eu nunca quis viver.


quarta-feira, outubro 17, 2018

Poema da Exaustão

Respirar.
Respirar tão profundamente. Respirar até haver o silêncio. Respirar onde a vontade se enfraquece. Respirar onde fica o nada, incógnita. Olhar para o mar, olhar e apenas olhar. Respirar até a extremidade do não-ser. Respirar deixando o relógio se afastando. Gritar internamente. É a hora que passa, sem ela passar. Pois infinito somos, eu e a alma do universo que em mim habita. Respirar e sentir as mãos adormecerem. Não tenho nada para escrever. Nem pintar. Nem modelar uma massa de argila. Nem sequer acariciar o próprio cabelo. A mão sem se mover. Não temer o inseto que sobrevoa a respiração. Não temer o abandono. Não temer ser ignorado pelas coisas que estão em sua volta. Respirar até o desapego. E nessa condição: crescer. Avolumar-se até a imensidão da própria existência. E só ali, decidir amar. Respirar. Respirar tão profundamente. Sentir o coração pulsando todo o sangue. Das mãos dormentes e olhos cansados, Desfalecer qualquer evidência de dor. Olhar as desgraças e não ser parte delas. Elas como um tufão arrebentando tudo: Colchão, perfumes, espelhos e sapatos. Nada nas mãos para o crime. Nada, nenhuma arma. Não temer a violência no corpo, que a idade trás aos poucos. Respirar até o corpo sobrevoar o abandono. Sentir o coração pulsando todo o sangue: e um tufão passa, arrependa; destrói. E só ali, nascendo novamente, Reencontrar o amor pela própria existência; E ali, amar e amar. Amar descompassadamente. Respirando. Respirando tão profundamente. Que não terá medo de qualquer dor. Nem receio de qualquer morte. (Quando eu era criança, tinha medo do mar. Ele parecia tão infinito que eu poderia me perder para sempre. Depois esse medo foi embora. Eu sinto o mesmo medo pela imensidão do céu e pela disposição do inferno, ambos tão próximos e atentadores). Respirar. Respirar tão profundamente. Que as pernas não levarão onde deseja. Mas onde precisamos ir. Iremos com orgulho de ter feito os melhores planos. De todos os planos que não deram certo. E daqueles que nos fizeram felizes. Qual o objetivo de sua existência? O mar, às vezes o mar é uma boa explicação. Vem, vai. Vem, vai. Reiteradamente. Respirar, vem e vai. Só respirar até que todas as coisas em sua volta percam o sentido. Pois elas não são. E ali, diante da tribulação, respirar ainda mais. Respirar tão profundamente até ouvir uma única voz. Sua voz. Não terá medo da dor, nem de amar compassadamente. Vem e vai, o amor compensa. O amor que torrente, invencível. Respirar. E eu continuo respirando como nada mais existisse. E a pretensão de falar da morte. Como se ela fosse qualquer disparate. E respirar, tão profundamente, que abunda a vida que está em sua volta, sem ser. Desnudar o corpo cansado, revelar a alma intrépida. E desarmar-se das mais estranhas incoerências. E amar, ágape, amar. (Um dia eu tentei contar as folhas caindo de uma árvore que tinha perto da minha casa. Era um jardim bonito, mas poucas flores. Para alegrar, mangueiras. Bananeiras. Goiabeiras. Passei a contar as folhas caindo, e elas caindo, vem e vai, sem eu ter controle do cálculo certo). Respirar. Respirar tão profundamente. Dispensar a vida exausta. Amar a congruência da vida. Respirar.


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terça-feira, outubro 16, 2018

Auto redenção


Não sou mais o mesmo. O tempo passa diante dos nossos olhos e por tanto sonhos, acordamos e dormimos e renascemos. Há em mim um sonho gigante, mas não depende apenas de mim. Há em mim outros tantos menores, que me fazem valer cada dia que passa. Sonho em ser melhor a cada dia, mas não exijo que alguém seja melhor por mim. Não tutelo qualquer liderança a mostrar  qual o caminho devo tomar, pois dentro de mim algo maior é meu coração; e na mente algo me empodera pelo bem, algo divino que há em todos nós.

Sigo exemplos, dos melhores exemplos a seguir; dos piores a evitar. Olho para quem diz, mas absorvo quem fez. Ação nas palavras é fé, falácia nas ações é hipocrisia. De qualquer maneira quero evitar os hipócritas, quero evitar, em todos instantes, ser um deles. Quero que a verdade liberte, mas para isso devo assumi-la em sua completude. Não me cercar da palavra para meu alívio. Quero as dores do mundo, me chocar com as dores do mundo, me compadecer das dores do mundo. O resto é egoísmo, o resto é defeito; é conjectura de quem não aprendeu nem uma letra da palavra que dizem salvadora. Estão presos no seu mundo, adquirindo tesouros para seu mundo; disfarçando o mundo que nem é deles, nem é de ninguém.

Tudo concorre para o bem, insisto nessa leitura todos os dias. Insisto em acreditar que, em meio a tanta turbulência, há ainda um Deus que nos ama como somos, mas que não quer nos deixar como estamos. Frase enriquecedora de um pastor americano que dá a nos um caminho da correção: não somos perfeitos, mas chegaremos lá. Como eu disse, sonho ser grande, meu sonho de ser enorme, mas sonho requer não apenas palavra, exige a verdadeira conversão: a verdade vós libertará. 

A salvação eterna, pois quem conquista o amor dos homens não perecerá. A salvação que é presente, mas olha todos os itens do nosso passado, fazendo e refazendo; aprimorando o que há de melhor em nós. Esse sonho, de ser eterno, de beber a água e nunca mais ter sede; implica em olhar para o outro, vendo o outro como a si mesmo, em maneiras diferentes: nenhuma das minhas ovelhas se perderá. Eis que a verdade me liberta.

A salvação do mundo quando eu me salvo: o mundo é uma gloriosa e indissolúvel obra-prima, pois nele há tantas discordâncias, mas que nunca deixa de ser um. Somos todos um, como diz a lei, somos filhos de Deus, e dentro de nós ele age, e por ele fazemos mais. Não, não é pregação. Não é sistema religioso: é auto-redenção no alo-redenção. Coragem, eu enfrentei o mundo e venci! Quem Cristo enfrentou que ainda hoje também te desafia? Afinal, se passou uma mensagem que perdura tantos séculos, quem é nosso maior inimigo?

Eis que a verdade nos salvará, e a verdade é tão subjetiva, às vezes, parece mentira. Parece tão pequena a verdade, cabendo em um mundo tão pequeno, dissoluto; sem ordem nem regras, sem eira nem beira. O meu reino não é desse mundo, disse ele em sua mais alta aptidão pelo mistério do mundo desconhecido e imortal. Mundo onde ele converte quem não quer o sofrimento de ninguém, a morte e a violência; a fome e a guerra; onde não quer a maldade, nem a tortura, nem a doutrinação de uma raça, nem o empoderamento cruel; nem a vingança nem a facada.

Quem tem olhos, leia até subtrair das palavras aquilo que una, nunca enfraqueça.

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sábado, outubro 06, 2018

Das mentiras na eleição, os verdadeiros eleitores



(Aos meus amigos, minhas sinceras desculpas pelos meus exageros. Não tomarei mais o tempo de vocês, visto que tudo que vemos e lemos por aqui parece ser mais estorvo que alento. Vamos fazer as pazes? A gente se dava tão bem, não?)
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Não dá para pensar que, em meio ao sombrio universo criado nesses eleições presidenciais, algo não possa ser tirado de bom. É fato que a verdade muitas vezes incomoda, é dolorida; carrega uma outra verdade ainda pior, que é aquilo que escondemos de nós mesmos. Eu disse em outra ocasião: a ilusão é o pior castigo ao ser humano, e descobrir aquilo que faz uma pessoa agir, amar, odiar e até mesmo se relacionar com outras pessoas; é uma ilusão que não precisamos mais. Desvendar o homem atual era fato crucial para continuarmos nossa caminhada evolutiva, e ele se desmascarou.
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Não se trata, porém, de índices econômicos, variação cambial; ganho ou perda, segurança e educação; moradia; ou todo esse discurso que ouvimos em todas as campanhas políticas. Trata-se daquilo que levamos para a vida, da forma que nos relacionamos com os outros, a íntegra natureza humana. Deixamos a integridade de lado, pois parece que ela não serviu em nenhuma ocasião. Vivemos guerras, perdas e ganhos; e a lisura sempre foi dita como algo conveniente apenas ao vitorioso. O derrotado, muitas vezes, tinha um pressuposto da indecência, maledicência e monstruosidade.
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Não, não é a eleição que me incomodou tanto. Afinal de contas há de existir consenso apenas na morte, pois para todos os outros setores também haverá discussão, discórdia, injustiça e descontentamento. Não é a eleição do candidato, mas a eleição que fizeram de mim. A eleição que eu fiz de vocês. Amigo, primo, irmão e vizinho, todos passaram a carregar no peito a sigla do seu partido, íntimo e indissolúvel. Em muitos momentos eu vivi na pele aquilo que eu mais temia, trazendo das vísceras a infantilidade e a maldição que é julgar alguém. Nós, humanos, nos subjugamos em todos os instantes, e deixamos de lado a questão ideológica para o "front" da vida pessoal. Fui chamado de burro, idiota e tantas outras coisas, somente por ter, por incrível que pareça, uma ideia diferente de vocês.
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Erramos um bocado com as pessoas que dizemos amar.
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Não importa mais o resultado das urnas, isso já passou por mim como um trauma, uma ruptura com um idealismo que já não fazia mais sentido. Mas importa, sim, a realidade que ela me trouxe. Já disse: é bom vivermos uma desilusão. Mas repito: como dói. Como dói descobrir que aquele inimigo íntimo pode ser aquele que você tem mais apresso. Como dói descobrir que o amor não é tudo. É um brutal rompimento do amor pela paz, da tolerância pela silêncio e do respeito pelo distanciamento. Resta a mim a conformidade, pois só assim viverei em paz; pois não haverá equilíbrio em propostas tão opostas.
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Sou um democrata, anseio pela necessidade em escolher e deixar escolher; mas isso tudo que aconteceu não é democracia, mas uma ditadura que, ampliada nos recôncavos da natureza humana, onde há perversão, desumanidade e desesperança; mostra a odiosa condição humana. Uma sombra que intriga os mais atentos religiosos e os menos curiosos cientistas: amor virando ódio e razão, insanidade. Não é mais esquerda e direita (até porque desconhecem a fundo o seu significado histórico e contemporâneo); mas a necessidade de dominar o outro, das mais variadas formas e desejos, até destruí-lo definitivamente. Estávamos necessitados pela guerra, acabamos conseguindo uma.
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Veremos, num futuro não tão distante, que sucessivos erros em nossa democracia criaram abismos tão profundos que não haverá escapatória exceto a sua própria extinção. É terrível pensar dessa maneira, mas os tempos sombrios criados pelos agentes dessa democracia testificam tal argumento. Não houve avanço em nenhum campo de discussão política, mas um rompimento grave com a realidade e a boa-fé. Somos movidos pela propagação de notícias falsas, argumentações medíocres e uma notória determinação por aquilo que é cômico. Adoramos fazer piada com tudo, mesmo que englobe nosso próprio bem-estar, e por empatia, a do nosso país. A forma que se propagou o ódio demonstra que não buscamos nenhuma solução, mas determinamos que genericamente tudo está errado. Limita-se o eleitor aquilo que ele não quer, desconsiderando que maior parte da política é também esperança pelo que se deseja. Mudamos o ângulo ideológico e rasgamos com isso todo e qualquer bom-senso.
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Mas pior de tudo é saber que o eleitor também não quer mais o seu opositor, não apenas por ter uma ideia contrária, mas por personalizar aquilo que ele mais odeia. Enfim, a eleição mostrou que não estamos dispostos a pensar num mundo de regeneração, de conquistas e de paz; estamos interessados num mundo onde sempre teremos razão: fiel a proposta mais audaciosa para a destruição de tudo que amamos, que é a divinização do ego. O egoísmo é o início de todos os males, e ele ficou muito bem claro em todos os momentos dessa eleição.
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Pois todos nós fomos muito egoístas nessas eleições, e a boa notícia é que alguns deixaram de ser.
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