quarta-feira, maio 23, 2007

Um jogador nota mil, um atleta seis e meio

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Romário é um jogador de futebol moderno. Tipo de futebolista que deve ser repetido nos campos de várzea, no grito da torcida ou em crônicas esportivas. Ele é um dos poucos sobreviventes de uma espécie magnífica. Nele, características de um verdadeiro jogador de futebol, que repele toda estrutura químico-orgânica das salas de musculação e complexos vitamínicos que inflam corpos, fortalecem a briga física pela bola, mas esquecem a técnica. Romário é um dos melhores jogadores de futebol, mesmo considerando sua idade e o péssimo preparo físico.

Note bem que estou falando de jogador de futebol e não de atleta do futebol. Jogador de futebol é coisa mitológica, do tempo dos meus avós. Tempo em que a graça do esporte estava na disputa em campo. Atleta de futebol é o que vivemos hoje, essa tendência pela exibição da marca, dos logos e dos paparazzos infernizando a intimidade. Atleta de futebol é o novo profissional do esporte, é um novo competidor. Romário nunca foi nem quis ser atleta do futebol.

Eu contemplo o feito do Romário. E nem ligo para ausência da chancela, de critérios ou da auditoria dos gols. Romário é uma espécie extinção, tipo de futebolista que não será encontrado tão facilmente. As barreiras contratuais, a profissionalização; a seriedade do futebol não dá mais espaço aos jogadores de futebol, pois fortalece cada vez mais os atletas. Jogador de futebol é o folclore que procuramos em cada nova rodada, em cada entrevista.

Talvez, por essa nossa dependência de jogadores de futebol, Romário tenha sobrevivido por tanto tempo. Sua carreira acabou mesmo depois da brilhante participação na Copa de 94. Aliás, ano que considero o final do ciclo dos jogadores. A carreira acabou, mas o sonho não. Romário buscou, correu (nem tanto) e chegou ao milésimo gol. Se fosse qualquer outro atleta, teria desistido da idéia. Mas ele não é atleta, é jogador. E jogador não se importa com os outros, não se importa com críticas ou estabelece metas atingíveis. Jogador de futebol, quando vira craque; torna-se também um visionário.

Alguns jornalistas criticam tudo que envolve a marca história. Também agiria da mesma forma caso caracterizasse Romário como um atleta do futebol. Irresponsabilidade em treinamento, opção tática muito individualista, movimentação irrisória pelo padrão atual do futebol, que exige cada vez mais um comportamento de disputa em todos os espaços do campo. Mas Romário não é atleta, é jogador; lembro toda hora essa divisão do futebol. Portanto, um protótipo diferente; que não precisa fazer outra coisa além de sua tarefa principal: gol.

Romário não só marcou o milésimo gol como demarcou a história do futebol. Restam poucos jogadores. Muitos adiando o fim da carreira, mas assumindo sonhos mais humildes. Dentro de alguns anos, jogadores de futebol serão encontrados em eventos beneficentes, jogos de exibição ou comentado futebol. É provável que entre os novos atletas do futebol, surjam alguns jogadores de futebol. Mesmo assim, contaminados pela estrutura profissional, pela interpelação dos procuradores e a descaracterização dos treinadores. Jogadores de futebol serão poucos e nenhum se manterá no futebol por muito tempo.

Romário fez história, deixou sua marca. Será lembrado como um dos maiores artilheiros de todos os tempos. No entanto, não é mais modelo para o futebol atual. Em compensação, na galeria do passado; ele se mantém intacto como tantos outros craques.


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