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Texto perto do Natal, não sei para quê serve essa informação, mas está dito:
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FOLHA 04/04 – NEVE NEVER (20/12/2004)
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Não era para estar daquele jeito, era verão. Um vento gelado, sentia meus pés doerem. Olhava pela janela e via neve. Neve?! Neve mesmo! Aquela que aparece nas noites de Natal. Papai-Noel descendo pela chaminé, trazendo um presente. Uma pança enorme, uma roupa vermelha, charmosa. Tem barba branca, dizem, eu nunca vi. Também nunca vi neve, ou melhor, nunca tinha visto. Fechei os olhos, era impossível. A época do natal me faz lembrar de coisas tristes. Tinha certeza que era um pesadelo. Mas a neve estava ali, sem Papai-Noel.
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Hoje era um dia importante. Iria me encontrar com o Maluco. Maluco é um amigo meu de infância. Vamos assaltar um condomínio. Luxuoso, cheio de gente rica, cheio de dinheiro no bolso. Peguei Jurema, minha arma; sai apressado. Não tinha neve, não tinha merda nenhuma na porta da minha casa. Maluco estava no local combinado, o cara sabia fazer as coisas. Planos são planos, devem ser seguidos. Ele elaborou um plano ótimo, como sempre. Da última vez conseguimos um dinheiro legal, paguei a dívida do meu irmão com o Zóio, meu irmão estava jurado de morte. Paguei o aluguel que estava atrasado, três meses de aluguel. Comprei uma televisão para minha mãe e minha vó. Não tinha cabimento, na Era da Internet, dos computadores, elas acompanharem a novela das oito em preto e branco.
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Era Natal. Não dava para fazer festa sem dinheiro. Queria comprar um peru, umas bebidas. Queria comprar uva. Uva é uma fruta exótica, quase divina. Não sei o gosto, nunca comi uva. O gosto da uva comprada não é o mesmo gosto de uva roubada na feira, uma de cada vez, uma em cada barraca. Você vai passeando pela feira, zoa com um feirante; pronto: come uma fruta roubada. Goiaba, maçã, uva. Não dá para roubar melancia, nem mamão. Minha noite de natal iria ter fruta, muita fruta.
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Chegamos no local do assalto. Tinha que ser rápido. O porteiro não resistiu, levamos o sujeito amarrado. No primeiro apartamento já estavam começando a festa. Festa mesmo, uma porrada de gente se cumprimentando. Como são felizes os burgueses diria Caetano. Sou pobre, mas escuto Caetano. Comida de monte. Olhei para o mais velho dos convidados, acho que ele era o dono do apartamento; apontei Jurema, disse que nada iria acontecer, estávamos em missão de paz. Maluco começou a colocar as frutas na sacola. Todas as frutas. Pernil. Depois: frango, arroz, tudo na mesma sacola. “Leva os refri?!”. Não precisava levar o refrigerante, ia pesar muito. Uma mulher num canto chorava demais. “Por que tá chorando?!” Cabelo penteado, um perfume maravilhoso... não entendia o motivo do choro.
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Carregamos duas sacolas. O sujeito amarrado levamos conosco, por segurança. Paramos numa praça, começamos a dividir a mercadoria. A caixa de uva ficaria comigo, já estava combinado. Maluco ficou com a melancia; até gostei disso, a melancia pesava demais. Frango? Frango eu como uma vez por mês, não me interessa. Peru? Peru recheado com uns trecos estranhos. Vou levar. Assim conseguimos dividir tudo. O sujeito amarrado estava com medo, deixamos o cara na praça, num lugar onde pudessem encontrá-lo. O cara era trabalhador, ora.
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Cheguei em casa. Minha mãe, minha vó e meu irmão estavam dormindo. Não era meia noite ainda. Arrumei a mesa. Chamei todo mundo para a mesa farta, farta mesmo, nunca vi tanta comida. Poderíamos ter pego mais, mas não seria correto, acabaria com a festa dos ricos. Também não caberia mais coisas na sacola. Sorrimos, cantamos e dormimos felizes.
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Algumas coisas só acontecem no cinema: o Papai-Noel não veio. Não existia também a neve lá fora. Não existia assalto, nem mesa farta. Comemos o que tinha, e não era muito para quatro pessoas. Mas não desistimos de olhar pela janela, fazer pedido a qualquer estrela cadente, aguardar que no próximo ano tivéssemos um Natal mais decente. Feliz Natal para quem pode ser feliz! E Deus me livre de ser um marginal!
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Não era para estar daquele jeito, era verão. Um vento gelado, sentia meus pés doerem. Olhava pela janela e via neve. Neve?! Neve mesmo! Aquela que aparece nas noites de Natal. Papai-Noel descendo pela chaminé, trazendo um presente. Uma pança enorme, uma roupa vermelha, charmosa. Tem barba branca, dizem, eu nunca vi. Também nunca vi neve, ou melhor, nunca tinha visto. Fechei os olhos, era impossível. A época do natal me faz lembrar de coisas tristes. Tinha certeza que era um pesadelo. Mas a neve estava ali, sem Papai-Noel.
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Hoje era um dia importante. Iria me encontrar com o Maluco. Maluco é um amigo meu de infância. Vamos assaltar um condomínio. Luxuoso, cheio de gente rica, cheio de dinheiro no bolso. Peguei Jurema, minha arma; sai apressado. Não tinha neve, não tinha merda nenhuma na porta da minha casa. Maluco estava no local combinado, o cara sabia fazer as coisas. Planos são planos, devem ser seguidos. Ele elaborou um plano ótimo, como sempre. Da última vez conseguimos um dinheiro legal, paguei a dívida do meu irmão com o Zóio, meu irmão estava jurado de morte. Paguei o aluguel que estava atrasado, três meses de aluguel. Comprei uma televisão para minha mãe e minha vó. Não tinha cabimento, na Era da Internet, dos computadores, elas acompanharem a novela das oito em preto e branco.
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Era Natal. Não dava para fazer festa sem dinheiro. Queria comprar um peru, umas bebidas. Queria comprar uva. Uva é uma fruta exótica, quase divina. Não sei o gosto, nunca comi uva. O gosto da uva comprada não é o mesmo gosto de uva roubada na feira, uma de cada vez, uma em cada barraca. Você vai passeando pela feira, zoa com um feirante; pronto: come uma fruta roubada. Goiaba, maçã, uva. Não dá para roubar melancia, nem mamão. Minha noite de natal iria ter fruta, muita fruta.
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Chegamos no local do assalto. Tinha que ser rápido. O porteiro não resistiu, levamos o sujeito amarrado. No primeiro apartamento já estavam começando a festa. Festa mesmo, uma porrada de gente se cumprimentando. Como são felizes os burgueses diria Caetano. Sou pobre, mas escuto Caetano. Comida de monte. Olhei para o mais velho dos convidados, acho que ele era o dono do apartamento; apontei Jurema, disse que nada iria acontecer, estávamos em missão de paz. Maluco começou a colocar as frutas na sacola. Todas as frutas. Pernil. Depois: frango, arroz, tudo na mesma sacola. “Leva os refri?!”. Não precisava levar o refrigerante, ia pesar muito. Uma mulher num canto chorava demais. “Por que tá chorando?!” Cabelo penteado, um perfume maravilhoso... não entendia o motivo do choro.
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Carregamos duas sacolas. O sujeito amarrado levamos conosco, por segurança. Paramos numa praça, começamos a dividir a mercadoria. A caixa de uva ficaria comigo, já estava combinado. Maluco ficou com a melancia; até gostei disso, a melancia pesava demais. Frango? Frango eu como uma vez por mês, não me interessa. Peru? Peru recheado com uns trecos estranhos. Vou levar. Assim conseguimos dividir tudo. O sujeito amarrado estava com medo, deixamos o cara na praça, num lugar onde pudessem encontrá-lo. O cara era trabalhador, ora.
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Cheguei em casa. Minha mãe, minha vó e meu irmão estavam dormindo. Não era meia noite ainda. Arrumei a mesa. Chamei todo mundo para a mesa farta, farta mesmo, nunca vi tanta comida. Poderíamos ter pego mais, mas não seria correto, acabaria com a festa dos ricos. Também não caberia mais coisas na sacola. Sorrimos, cantamos e dormimos felizes.
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Algumas coisas só acontecem no cinema: o Papai-Noel não veio. Não existia também a neve lá fora. Não existia assalto, nem mesa farta. Comemos o que tinha, e não era muito para quatro pessoas. Mas não desistimos de olhar pela janela, fazer pedido a qualquer estrela cadente, aguardar que no próximo ano tivéssemos um Natal mais decente. Feliz Natal para quem pode ser feliz! E Deus me livre de ser um marginal!
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