segunda-feira, julho 02, 2007

Carta ao Defunto


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Em setembro de 2004 começo a publicação do FOLHETIM HOJE É VINTE. Trata-se de uma coletânia de crônicas, enviadas mensalmente para alguns amigos através de e-mail. Quando folhetim estava prestes a completar dois anos de publicação, resolvi criar um blog, onde pudesse postar não só os textos enviados pelo FOLHETIM mas também publicar contos, artigos e principalmente poemas. Nesse mesmo período, um pouco antes, algumas pessoas passaram a receber também o que veio a ser batizado pelo meu amigo Lula como NOVELAS INTERNÁUTICAS.
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Um blog imaginário que não era um blog, ficou conhecido por ter um personagem nada convencional ASWIN. Posteriormente foi lançado MOBIL AVE, que contava a história de um assassinato que tinha uma peculiaridade: o corpo desaparecido. Foi o romance internáutico mais longo, pois contava com quarenta capítulos.
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Depois veio NATASHA ON LINE, que contava a história de uma ladra conhecida internacionalmente, que roubava apenas valiosos objetos como pinturas, esculturas entre outros. Logo depois veio A MÁSCARA DE BEHLE, BRIGA DE FOICE e ULTIMAVISION. O último romance publicado por e-mail foi O MENOR DOS ENCANTOS.
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Estou dizendo tudo isso pois, assim como pretendo colocar todos os textos do FOLHETIM HOJE É VINTE nesse blog, colocarei também os romances completos no blog PROSASHOJEEVINTE. BLOGSPOT.COM.
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Segue, então CARTA AO DEFUNTO, primeiro texto publicado no FOLHETIM, em 20 de setembro de 2004.
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FOLHA 01 - CARTA AO DEFUNTO (20/09/2007)

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Caro amigo, eu sei que deveria ter escolhido uma ocasião mais oportuna, mas como dizem: antes tarde do que nunca. Sei que os louros que direi não vão interferir mais em sua vida, como também os defeitos serão tão inúteis quanto a vela que sua mãe acendeu perto do altar; mas, quem sabe sirva de lição aos seus herdeiros, estes sim, com grande oportunidade vindoura.
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Gostaria de começar pelo perdão, pois tudo que virá adiante terá que ser lido, e escrito, por corações livres de quaisquer desventuras terrenas. Sei que para você é mais fácil não pensar em ódio, amor, sexo e vícios, a companhia dos serafins e outros privilegiados da hierarquia astral devem estar lhe fazendo mais bem do que mal. Mas para mim, que ainda suporto tão pesado fardo, de carne, gorduras e ossos; é um alívio, ao mesmo tempo trabalhoso, despejar todos os defeitos que carregaria até o dia da morte.
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Em primeiro lugar, desejo que me perdoe ter me apaixonado por Cecília. Sei que sua esposa foi seu melhor tesouro, e, exatamente por isso, não permiti que ela terminasse tão confortável relacionamento, saísse de sua casa, e o abandonasse ao léu. Tivemos um caso, sim; mas foi tão banal nosso coito que não se pode qualificá-lo como amor. Além disso, nem foram tantos anos de traição, se é que podemos dizer que estávamos traindo; quinze anos não é tempo suficiente para construir um vínculo sério. Também agradeço por Vinícius que, mesmo com semblante diferente do que considerava familiar, acabou educando-o com os maiores manifestos de amor e carinho.
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Impressiona-me sua aparência robusta e, mesmo neste caixão apertado por tantas orquídeas, parece atingir a real liberdade que todos nos procuramos. Nos últimos anos você realmente estava mais alegre, e os problemas de saúde, financeiro e até sexuais, não estavam mais afligindo-o como imaginávamos. Tudo bem que ninguém mais parava sequer um minuto para ouvir suas lamentações, que ninguém tinha paciência esperando você chegar à mesa para o almoço, e que não conseguia falar tanto como no tempo em que era o mais falastrão do boteco do Agenor; mas tudo isso não passava pela sua cabeça como algum tipo de tortura.
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Vendo seu sorriso, acabei lembrando do dia em que descobriu o golpe que lhe tirou alguns anos de economia. Parco como era, deveria prestar mais atenção nos larápios que se aproximavam todos os dias do seu escritório, querendo sempre uma vantagem em negociações, contribuindo ainda mais com sua imagem altruísta. Mas como você mesmo dizia, dinheiro não era tudo na vida. Foi exatamente por essa opinião, que caracterizava o seu desprendimento com coisas materiais, que me sinto obrigado a lhe dizer que também andei roubando algumas coisas suas, dinheiro principalmente; fora alguns objetos de decoração, esposa e o seu lugar preferido no sofá da sala. Juro por tudo que existe de sagrado que a cerveja gelada eu mesmo levava, pois era o mínimo que poderia fazer para honrar pessoa tão afeiçoada. Talvez seja um dos motivos de eu não estar chateado em ter gasto alguns trocados para que seu enterro saísse com alguma dignidade.
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Para terminar, torço, realmente, que seja muito feliz em sua nova vida. Que essas picuinhas sejam esquecidas, pois, ao meu ver, não devemos ficar entristecidos com esta ou aquela traição banal. O que importa mesmo é que fui e sempre serei seu grande amigo, que estarei ao seu lado, carregando o seu caixão, que colocarei a primeira pá sobre sua sofrida vida. Mais do que isso: desistirei de Cecília em respeito a sua já indecorosa reputação. Durma em paz.

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