sábado, outubro 06, 2018

Das mentiras na eleição, os verdadeiros eleitores



(Aos meus amigos, minhas sinceras desculpas pelos meus exageros. Não tomarei mais o tempo de vocês, visto que tudo que vemos e lemos por aqui parece ser mais estorvo que alento. Vamos fazer as pazes? A gente se dava tão bem, não?)
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Não dá para pensar que, em meio ao sombrio universo criado nesses eleições presidenciais, algo não possa ser tirado de bom. É fato que a verdade muitas vezes incomoda, é dolorida; carrega uma outra verdade ainda pior, que é aquilo que escondemos de nós mesmos. Eu disse em outra ocasião: a ilusão é o pior castigo ao ser humano, e descobrir aquilo que faz uma pessoa agir, amar, odiar e até mesmo se relacionar com outras pessoas; é uma ilusão que não precisamos mais. Desvendar o homem atual era fato crucial para continuarmos nossa caminhada evolutiva, e ele se desmascarou.
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Não se trata, porém, de índices econômicos, variação cambial; ganho ou perda, segurança e educação; moradia; ou todo esse discurso que ouvimos em todas as campanhas políticas. Trata-se daquilo que levamos para a vida, da forma que nos relacionamos com os outros, a íntegra natureza humana. Deixamos a integridade de lado, pois parece que ela não serviu em nenhuma ocasião. Vivemos guerras, perdas e ganhos; e a lisura sempre foi dita como algo conveniente apenas ao vitorioso. O derrotado, muitas vezes, tinha um pressuposto da indecência, maledicência e monstruosidade.
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Não, não é a eleição que me incomodou tanto. Afinal de contas há de existir consenso apenas na morte, pois para todos os outros setores também haverá discussão, discórdia, injustiça e descontentamento. Não é a eleição do candidato, mas a eleição que fizeram de mim. A eleição que eu fiz de vocês. Amigo, primo, irmão e vizinho, todos passaram a carregar no peito a sigla do seu partido, íntimo e indissolúvel. Em muitos momentos eu vivi na pele aquilo que eu mais temia, trazendo das vísceras a infantilidade e a maldição que é julgar alguém. Nós, humanos, nos subjugamos em todos os instantes, e deixamos de lado a questão ideológica para o "front" da vida pessoal. Fui chamado de burro, idiota e tantas outras coisas, somente por ter, por incrível que pareça, uma ideia diferente de vocês.
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Erramos um bocado com as pessoas que dizemos amar.
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Não importa mais o resultado das urnas, isso já passou por mim como um trauma, uma ruptura com um idealismo que já não fazia mais sentido. Mas importa, sim, a realidade que ela me trouxe. Já disse: é bom vivermos uma desilusão. Mas repito: como dói. Como dói descobrir que aquele inimigo íntimo pode ser aquele que você tem mais apresso. Como dói descobrir que o amor não é tudo. É um brutal rompimento do amor pela paz, da tolerância pela silêncio e do respeito pelo distanciamento. Resta a mim a conformidade, pois só assim viverei em paz; pois não haverá equilíbrio em propostas tão opostas.
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Sou um democrata, anseio pela necessidade em escolher e deixar escolher; mas isso tudo que aconteceu não é democracia, mas uma ditadura que, ampliada nos recôncavos da natureza humana, onde há perversão, desumanidade e desesperança; mostra a odiosa condição humana. Uma sombra que intriga os mais atentos religiosos e os menos curiosos cientistas: amor virando ódio e razão, insanidade. Não é mais esquerda e direita (até porque desconhecem a fundo o seu significado histórico e contemporâneo); mas a necessidade de dominar o outro, das mais variadas formas e desejos, até destruí-lo definitivamente. Estávamos necessitados pela guerra, acabamos conseguindo uma.
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Veremos, num futuro não tão distante, que sucessivos erros em nossa democracia criaram abismos tão profundos que não haverá escapatória exceto a sua própria extinção. É terrível pensar dessa maneira, mas os tempos sombrios criados pelos agentes dessa democracia testificam tal argumento. Não houve avanço em nenhum campo de discussão política, mas um rompimento grave com a realidade e a boa-fé. Somos movidos pela propagação de notícias falsas, argumentações medíocres e uma notória determinação por aquilo que é cômico. Adoramos fazer piada com tudo, mesmo que englobe nosso próprio bem-estar, e por empatia, a do nosso país. A forma que se propagou o ódio demonstra que não buscamos nenhuma solução, mas determinamos que genericamente tudo está errado. Limita-se o eleitor aquilo que ele não quer, desconsiderando que maior parte da política é também esperança pelo que se deseja. Mudamos o ângulo ideológico e rasgamos com isso todo e qualquer bom-senso.
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Mas pior de tudo é saber que o eleitor também não quer mais o seu opositor, não apenas por ter uma ideia contrária, mas por personalizar aquilo que ele mais odeia. Enfim, a eleição mostrou que não estamos dispostos a pensar num mundo de regeneração, de conquistas e de paz; estamos interessados num mundo onde sempre teremos razão: fiel a proposta mais audaciosa para a destruição de tudo que amamos, que é a divinização do ego. O egoísmo é o início de todos os males, e ele ficou muito bem claro em todos os momentos dessa eleição.
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Pois todos nós fomos muito egoístas nessas eleições, e a boa notícia é que alguns deixaram de ser.
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Um comentário:

NAIDE ARAUJO disse...

Perfeito Sergio as suas colocações! O objetivo real das eleições foi deixado de lado, o que é triste, restou os arranhões entre aqueles que se dizem pseudos democratas ou não.