quarta-feira, outubro 17, 2018

Poema da Exaustão

Respirar.
Respirar tão profundamente. Respirar até haver o silêncio. Respirar onde a vontade se enfraquece. Respirar onde fica o nada, incógnita. Olhar para o mar, olhar e apenas olhar. Respirar até a extremidade do não-ser. Respirar deixando o relógio se afastando. Gritar internamente. É a hora que passa, sem ela passar. Pois infinito somos, eu e a alma do universo que em mim habita. Respirar e sentir as mãos adormecerem. Não tenho nada para escrever. Nem pintar. Nem modelar uma massa de argila. Nem sequer acariciar o próprio cabelo. A mão sem se mover. Não temer o inseto que sobrevoa a respiração. Não temer o abandono. Não temer ser ignorado pelas coisas que estão em sua volta. Respirar até o desapego. E nessa condição: crescer. Avolumar-se até a imensidão da própria existência. E só ali, decidir amar. Respirar. Respirar tão profundamente. Sentir o coração pulsando todo o sangue. Das mãos dormentes e olhos cansados, Desfalecer qualquer evidência de dor. Olhar as desgraças e não ser parte delas. Elas como um tufão arrebentando tudo: Colchão, perfumes, espelhos e sapatos. Nada nas mãos para o crime. Nada, nenhuma arma. Não temer a violência no corpo, que a idade trás aos poucos. Respirar até o corpo sobrevoar o abandono. Sentir o coração pulsando todo o sangue: e um tufão passa, arrependa; destrói. E só ali, nascendo novamente, Reencontrar o amor pela própria existência; E ali, amar e amar. Amar descompassadamente. Respirando. Respirando tão profundamente. Que não terá medo de qualquer dor. Nem receio de qualquer morte. (Quando eu era criança, tinha medo do mar. Ele parecia tão infinito que eu poderia me perder para sempre. Depois esse medo foi embora. Eu sinto o mesmo medo pela imensidão do céu e pela disposição do inferno, ambos tão próximos e atentadores). Respirar. Respirar tão profundamente. Que as pernas não levarão onde deseja. Mas onde precisamos ir. Iremos com orgulho de ter feito os melhores planos. De todos os planos que não deram certo. E daqueles que nos fizeram felizes. Qual o objetivo de sua existência? O mar, às vezes o mar é uma boa explicação. Vem, vai. Vem, vai. Reiteradamente. Respirar, vem e vai. Só respirar até que todas as coisas em sua volta percam o sentido. Pois elas não são. E ali, diante da tribulação, respirar ainda mais. Respirar tão profundamente até ouvir uma única voz. Sua voz. Não terá medo da dor, nem de amar compassadamente. Vem e vai, o amor compensa. O amor que torrente, invencível. Respirar. E eu continuo respirando como nada mais existisse. E a pretensão de falar da morte. Como se ela fosse qualquer disparate. E respirar, tão profundamente, que abunda a vida que está em sua volta, sem ser. Desnudar o corpo cansado, revelar a alma intrépida. E desarmar-se das mais estranhas incoerências. E amar, ágape, amar. (Um dia eu tentei contar as folhas caindo de uma árvore que tinha perto da minha casa. Era um jardim bonito, mas poucas flores. Para alegrar, mangueiras. Bananeiras. Goiabeiras. Passei a contar as folhas caindo, e elas caindo, vem e vai, sem eu ter controle do cálculo certo). Respirar. Respirar tão profundamente. Dispensar a vida exausta. Amar a congruência da vida. Respirar.


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