sexta-feira, outubro 24, 2008

Cartas ao Vento 015

Não quero ser nada. Nunca deveria querer ser alguma coisa, pois me parece algo injusto e indecifrável, ser alguma coisa. Ser nada é tão libertador que mal podemos pensar nele como coisa impossível. Mais certo do que ser alguma coisa, boa ou ruim, é saber que podemos não ser nada. Instantes quase perfeitos, nessa nossa perfeição do vazio absoluto. O que mais querer da vida do que a extrema-unção dos nossos pecados e da ruína da nossa ansiedade futura? O nada é único lugar onde o que acontece já nasce sem acontecer. A história sensata da mesma água do rio nunca mais bater no joelho. Que coisa absurda, corromper a verdade do nada.

Não quero ser nada, isso ninguém me impede.

Para se ser tudo há sempre uma pedra no caminho. Um conselho sem desejo, uma esperança mal sucedida e uma rivalidade atormentadora. Quem escolhe ser tudo luta contra a frivolidade do tempo, querendo ganhar mais do que o merecido, comer mais do que a fome. O princípio do pecado, dessa nossa queda tão desastrosa ao inferno de nossos dias, é a maldita condição imposta de sermos tudo.

Minha felicidade começou quando percebi que não queria ser nada, tornando-me assim, tão indeterminado. Infinito.

Não sendo, não limito. Libertando-me.

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