sexta-feira, outubro 10, 2008

Cartas ao Vento 013

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Neste instante o telefone não precisa tocar. Não quero ouvir ninguém me chamando para dizer qualquer coisa desinteressante do cotidiano. Já me basta eu mesmo, na minha inútil percepção de ser humano. Não quero nenhuma carta, nenhuma escrita. Não quero que me reconheçam na rua, com sorrisos simpáticos. Eu estou de ressaca. Uma indisposição indefinida. Essa sensação de que o mundo em guerra não seria uma tragédia, mas um favor. Não preciso ouvir rádio, nem televisão. Hoje não preciso ouvir nada.
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Mesmo assim não quero o silêncio.
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Quero que me perguntem como eu ando, se a dor de dente melhorou. Pior coisa no mundo é a dor de dente. Sinto-me impotente, sem forças e sem coragem, quando a repugnância da dor de dente me atinge do meio do nada. Não há remédio para dente, só arrancá-lo com violência; com ajuda de alicate ou um murro no meio da boca.
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Assim como estou aborrecido com esse telefone que toca, estou também pelo dente que está doendo.
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Talvez curiosos otimistas me digam que o importante é ter dente, igual a importância de estar vivo. Mas eles saberiam pouco sobre o que anda na minha cabeça nesse momento. Quem sabe escute um pouco mais os pessimistas, que diriam que o dente está doendo e que é bem rápido toda angústia se espelhar pela boca inteira. Diria o pessimista que se a vida está uma droga, ela tende a piorar.
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Não me liguem, otimistas. Hoje eu só quero a verdade. E neste instante, o telefone não precisa tocar.
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Pessimistas nunca preferem sempre esperar.
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