sexta-feira, abril 20, 2007

Adeus, Rosa

O jardim da minha casa era muito bem cuidado. Lembro de minha mãe acordando muito cedo para trabalhar com a terra. Cortava, regava e manipulava todo tipo de planta. Era muito florido e cheio de vida. Minha mãe tinha um carinho especial pelas rosas, dizia que sempre houve quem gostasse e admirasse essa flor, pois trazia consigo mistérios, beleza e aroma. De alguma forma as rosas são muito parecidas com as pessoas, principalmente as mulheres. Contava-me longas histórias comprovando essa tese.

E a comparação para ela não parava por ai. Dizia que qualquer planta poderia nos ensinar muito mais sobre os humanos do que poderíamos imaginar. Há determinados vegetais que quando colocados ao lado de outro, que não de sua espécie, perdem o brilho e acabam morrendo. Precisam de vitaminas e de energias para que não fiquem fracos e acabem desaparecendo no jardim. Minha mãe costumava plantar cebola em pontos estratégicos, dizia que trazia proteção para as plantas mais fracas, principalmente para as queridas rosas. Não sei se é verdade, mas o resultado era sempre o esperado: elas ficavam lindas.

Caminhando pelo jardim podíamos encontrar diversas plantas, e as que mais chamavam atenção, como não poderia deixar de ser, eram as ornamentais. Elas escondiam suas fraquezas aos olhos, mostrando apenas o que era belo. Nela pequenas pragas cresciam e se multiplicavam de forma despretensiosa. Ácaros se moviam lentamente pelo jardim, contaminando outras plantas e causando uma destruição silenciosa. Contra o inimigo oculto venenos eram borrifados. Plantas sensíveis eram protegidas por plásticos, outras não se queixavam. O perigo estava controlado, e isso era uma preocupação que nunca deixaria de existir.

Minha mãe ficava ali por horas, mexendo com as plantas. Durante esse tempo quase sempre conversava com elas. Na minha infância, ainda inocente, não conseguia entender essa postura. Hoje ainda não entendo, mas pelo menos sei que não há nada de esquizofrênico em se conversar com plantas e aguardar por toda eternidade por uma resposta. Ela cuidava, amava e trocava confidências com suas amigas, e nessa troca apenas a promessa de que o segredo seria mantido.

Juro que tentei criar o mesmo costume que minha mãe. Quando fiz quatro anos ela me deu a primeira pá de jardineiro. Eu remexi a terra, fiz e desfiz buracos. Mas não via em mim nenhum sentimento de gratidão por parte daqueles seres, e alegria de poder estar ajudando, era quase nula. Pela minha mãe, e somente por ela, eu ficava horas naquele lugar, querendo entender muito mais o que ela falava do que as coisas que as plantas ouviam.

O tempo foi passando e eu acabei me interessando pelas pragas, que eram capturadas do jardim e mantidas secretamente numa estufa construída em meu quarto. Lesmas, caracóis, cochonilhas, pulgões, formigas e outros insetos menos conhecidos. Alguns eram capturados quase mortos, já sentindo o efeito do veneno que minha mãe espalhava pelo jardim, ou por algum tipo de planta que os deixavam atordoados. Na verdade eram poucos capturados vivos, podia contar nos dedos todos que conseguiram sobreviver.

Lembro da minha infância, assim no chão brincando com a terra. Olhando minha mãe cuidando das plantas, eu conversando com os insetos. Mas lembro mesmo é da última vez que estive no jardim da minha casa. Não era um dia de sol forte. Passei pelas rosas, procuro minha mãe. Ela já deveria estar ali cuidando de suas amadas, regando ou cortando as folhas secas. Na minha mão uma caixa de fósforo vazia, serviria de cela para algum animal que eu encontrasse pelo caminho. Vou andando pelos corredores do jardim, procurando pelos moribundos. Sinto um cheiro forte de inseticida. No chão, morta como qualquer inseto, encontro minha mãe. Ela estava segurando um regador em uma das mãos, na outra uma rosa branca. Naquele dia pude perceber a diferença que faz a ausência de qualquer Rosa.


(Trecho Publicação Folhetim Hoje é Vinte - 20/04/2007 - Publicação via e-mail)
.
.
.

Um comentário:

Valdir Medori disse...

Cara, cê não era aqueles moleques esquisitos que comiam tatu-bolinha, era?

Zoeira. Bem bacana esse texto, muito bem construido.

Abraço.