sexta-feira, março 06, 2009

Cartas ao Vento 020

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O mundo está fedendo. São pessoas, comidas e flores. Os cheiros estão cada vez mais fortes, misturando-se com a poluição e as coisas deterioradas. Tomate tem cheiro de inseticida. Chocolate tem cheiro de manteiga, que tem cheiro de leite azedo. Tantos cheiros e tantos gostos. O olfato está sendo o sentido que mais perde especialização. Olhar cores ainda parece não ser tão deprimente do que sentir cheiro de alguma coisa.

Pessoas em conglomerados, em dia quente de verão, são usinas orgânicas de fedor. Todas contribuem um pouco com o cheiro, que se mistura no ar, envolvendo qualquer nariz que seja. Pessoas cheiram marmita azeda. Cheiram tapete molhado. Cachorro em dia de chuva. Pessoas estão cheirando guarda-chuvas molhados e esquecidos nas bolsas durante duas semanas. Não importa o perfume borrifado, o cheiro continua horrível e enjoativo.

Não é falta de banho, é o próprio banho que faz com que pessoas fiquem fedidas. A água tratada não se livra do resto de dejetos despejados diariamente nos esgotos. Água potável não existe, água inodora é quase um milagre. Saímos do banho mais fedido do que quando entramos. Esfregamo-nos freneticamente com banha com essência de frutas, flores e plantas exóticas do Amazonas.

Melhor seria a imersão em barro terapêutico, certificado por alguma divindade.

Eu me choco com as pessoas, e seus cheiros agora me pertencem. Também contribuo com os outros, dando-lhes um pouco do meu fedor. Uma fetidez inexplicável de cigarro, bebida, grama, banha, vela; um cheiro de alface, cebola, alho e arroz cozido. Um cheiro de maçã, limão e banana podre na fruteira. Cheiro de terra molhada. Só não sentimos ainda alguns odores, como o da luz do sol ou das formigas. Formiga não tem cheiro enquanto vivas, mortas e pisoteadas cheiram azedume.

Formigas mortas cheiram humanos vivos, quase sempre.
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