Dezesseis ou novecentos; tanto faz. A idade hoje não define a cidade. Alias, nada define. Somos todos tão diferentes, de todos os lados e de todos os mundos; que às vezes acho que não temos nenhuma identidade. Somos essa mistura, que muitas vezes juntos, misturados. Mas em grande parte do tempos somos solitários. Não há nesse país gigantesco um povo tão solitário quando o paulistano. É duro admitir que preferimos andar em silêncio, do trabalho para a casa e da casa para o trabalho. Puxamos, vai saber, a inexistência afetiva dos povos europeus, que pouco se abraçam. Mas dentro de todos nós, aqui na cidade que é cinza, um pouco de cada estado e um pouco de cada país, nos fazendo diferentes e únicos. Um pouco também do interior desse Meu Deus, que nos dá sobrevida nessa vida que nem parece alegre. O paulista salva muitas vezes o paulistano, com sua maneira de ver o mundo, sua velocidade de fazer as coisas, seu modo de se abraçarem.
Temos defeitos, muitos defeitos. Suponho que temos mais defeitos que qualidades, mas como eu disse anteriormente, não temos identidade. Camaleão de si mesmo, paulistano às vezes parece uma coisa e não é. Já vi engravatado Zen, espiritualizado ao extremo. Já vi pobre, assalariado e maltrapilho capitalista, dos capitalistas que só abrem a boca para falar de ganhos e perdas do dinheiro, não exatamente o que o dinheiro pode trazer. Já vi paulistano colocando ketchup na pizza. Vi paulistano que odeia pastel de feira. Vi paulistano que adora o plural. Vi paulistano que não entende o significado quando se diz terra da garoa. Vi paulistano com sotaque árabe, indígena, italiano e chinês. Vi paulistano que não se considera paulistano e quer fazer de tudo para sair da cidade, mas morre aos noventa e sete anos sem pelo menos ter tentado.
Temos defeitos e os outros sabem. Povoam as mentes dos irmãos das outras cidades que, sendo paulistano, é melhor ficar esperto, pois paulistano mesmo é muito egoísta Egocêntrico, soberbo, intolerante e qualquer coisa que valha ao suprassumo do ser humano profissional, conhecedor de todas as causas e de todos os direitos, experiente em guerrilha urbana e devastador nas discussões políticas. Paulistano deveria ser banido pelas autoridades competentes, pensam alguns. Mas vamos com calma, pensem um pouco, não acabem conosco, temos defeitos, mas temos algumas qualidades. Não quer saber quais? Estamos ai para dizer, marque um horário qualquer, temos bares, restaurantes e qualquer canto dessa cidade você pode comer qualquer coisa, ver qualquer exposição; libertar-se de uma vida cotidiana.
Falamos diferente é verdade. Um sotaque que só de longe se sabe. Erres, porteiras e portões. Temos dificuldade com o plural. Temos dificuldade de nos expressar, embora todos paulistanos falem pelos cotovelos. Temos uma paixão exagerada pelos bares abertos, embora tudo em São Paulo fique sempre muito escondido e muito fechado: alguém vai te levar para conhecer o bar daquele português que faz uma feijoada maravilhosa, mas que ele não sabe o endereço, nem o nome do português e nem o nome do bar. Vá com fé, quando gostamos de um lugar, costumamos repetir exaustivamente. Só desconfie quando alguém chamar você para um baile na favela, um churrasco na laje, essas coisas em São Paulo só acontecem com pessoas muito íntimas. Passear de metrô, vá, pode ser legal. Mas passear de ônibus, jamais. Paulistano odeia qualquer transporte coletivo quando não é necessário, embora ame o metrô, que na verdade chama metropolitano. Aqui tudo é muito longe, tudo demora; tudo exige uma parcela enorme de paciência. Zona Sul, Norte, Oeste e Leste são subdividas. Há quem more a vida inteira na Zona Norte e não saiba nem a direção da Zona Sul. Os bairros são como divisões territoriais.
Estamos comemorando. Temos muito realmente que comemorar. Viver em São Paulo exige uma prática desumana. Temos que ser um pouco de máquina que não para nenhum momento, e se precisa de reparo, tem que ter a data certa e o horário certo. Comemos rápido, mas quando temos oportunidade em demorar, o almoço demora três ou quatro horas. Bebemos muito, festejamos de madrugada, poucas horas do despertador tocar para mais um dia de batente. Somos trabalhadores, mas adoramos um dia de preguiça. Somos individualistas, mas adoramos ser solidários. Somos solitários, mas temos muitos amigos. Adoramos a natureza, mas vivemos de ir ao shopping. Adoramos literatura, arte, samba, música, rock, comida mexicana, virado à paulista, pão de queijo e um bom café, adoramos mate, ervas aromáticas nos banheiros. somos todos tão normais, que nem parece que vivemos em São Paulo.
Aqui comemos bolacha, meu! Sempre será bolacha qualquer tipo de bolacha que você tenha a capacidade e insistência em chamar de biscoito. Venha conhecer São Paulo e seus lugares maravilhosos e limpos; não se irrite com os lugares sujos e cinzas. Moramos numa espécie de megalópole Yin e Yang. Venha nos conhecer, mas releve nossa prepotência, por favor. Verá que pode existir amor em SP. Existirá amizades legais em São Paulo. E jamais, em hipótese alguma, chame biscoito de bolacha e São Paulo de Sampa. Isso acaba com qualquer domingo com macarronada.
(Texto em homenagem aos 463 anos de São Paulo)
(Texto em homenagem aos 463 anos de São Paulo)
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