quinta-feira, março 19, 2015

FLORES – Titãs



Uma nova perspectiva surge diante a música composta pelos Titãs. Música que nos remete a lembranças boas, pueris e bucólicas; “Flores” na verdade conta o desfecho de um suicídio. Diferente de outras composições nacionais, como é o caso de algumas letras de Zé Ramalho; cheia de enigmas e simbolismos; a canção “Flores” é direta, simples e certeira. Mas qual a razão afinal de não “nunca termos pensado” que a música era tão nebulosa, sombria e fúnebre? Por um motivo simples: intencionalmente ou não o grupo conseguiu produzir uma música otimista, alegre e cheia de cores. Cores que podem ser representadas pela repetição da palavra flores. Não pensamos em nenhum momento que as flores faziam parte de um velório, mas que o indivíduo, o “eu” poético, estava envolvido num ambiente cheio de energias positivas e de um certo romantismo.     
É claro que em qualquer obra artística, seja em prosa ou verso, existe aquilo que chamamos de interpretação literal e a não-literal. “Olhei até ficar cansado de ver os meus olhos no espelho” pode significar uma fase de autoconhecimento. Pode-se tirar elementos salutares de uma análise interior; mas também podemos entrar em contato com os nossos mais profundos e terríveis medos. Será que essa autoanalise fez com o que o sujeito despedaçasse as flores do canteiro? Que representa as flores destruídas? Será que o mundo “colorido” e “sem problemas” apareceu com essa visão interna? Olhei até ficar cansado de ver os meus olhos no espelho. Chorei por ter despedaçado as flores que estão no canteiro.
Sim, o autor vê o mundo sendo destruído. E essa destruição tem suas consequências: a própria morte. O suicídio tem seu momento histórico com os pulsos cortados. Tente lembrar de alguma cena que viu sobre suicídio, no cinema ou na televisão. Os pulsos cortados é o ápice simbólico do suicida. E o “eu poético” vê não apenas os pulsos; mas os punhos e o corpo inteiro. A visão não é apenas de um suicídio, mas de uma mutilação. Vamos retomar o contexto: O mundo de flores (bonito, perfeito e completo) foi destruído depois de uma autoanalise (olhos no espelho).  Os punhos e os pulsos cortados e o resto do meu corpo inteiro.
Com o despertar pós-morte o autor se vê dentro de um caixão. A imagem de flores debaixo do travesseiro é a chave para essa interpretação. Em qual lugar mais poderíamos pensar que flores cobrindo o sujeito por todos os lados, e que repletas embaixo do travesseiro? Ele está dentro do caixão, e possivelmente seu único ângulo de visão é “flores em tudo que eu vejo”. Agonizante, triste e solitário. O encontro do sujeito com sua própria criatura o levou ao estado de completa solidão. Há flores cobrindo o telhado e embaixo do meu travesseiro. Há flores por todos os lados. Há flores em tudo que eu vejo.
Mas ele não está morto. Ou pelo menos não está morto. Estão tentando salvá-lo. Ele que acredita que a dor maior da morte é infinitamente menor que seu erro (a dor vai curar essas lástimas). Os remédios e os médicos em sua volta foram derrotados (o soro virou lágrima). E agora, as flores, criada inadvertidamente como coisa alegre, cheia de vida e romântica; transformam-se em morte. Enfim consumado a escolha do sujeito.  A dor vai curar essas lástimas. O soro tem gosto de lágrimas. As flores têm cheiro de morte.
Não está acabado para o morto. Ele ainda acredita na purificação. Como se sua escolha tivesse uma maneira de se redimir. Haverá um perdão para sua escolha, ele crê. Por isso tem fé de que a dor do remorso irá “fechar esses cortes”. Haverá, dali em diante uma nova vivência, que ele não sabe como será. As “flores”, que ele acredita fazer parte, não morre jamais. Flores sem vida, sem energia; sem escolhas e sem amores: flores de plástico não morrem pois nunca viveram. Assim como ele.  A dor vai fechar esses cortes. Flores. As flores de plástico não morrem.







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