quinta-feira, abril 30, 2015

Ninguém é mais temido que nós mesmos



Numa época distante, não no nosso tempo moderno; dois filósofos disseram assim: “Coragem, enfrentamos o mundo e vencemos!” Não foram exatamente essas palavras, mas o sentido é muito próximo. Abrangente, é verdade. Dizendo isso quiseram mostrar para todos os seus seguidores que existe sim uma luta, que existe um inimigo; mas que existe a possibilidade de vitória. O cotidiano nos oprime, irrita; fadiga. Mas é o mesmo cotidiano que nos dá a possibilidade em aprender. Como diz a música: “A lição sabemos de cor, só nos resta aprender”. Essa luta entre certo, errado; justo e injusto e tristeza e felicidade. Sabemos o conceito de todos os termos, mas ainda não sabemos como lidar com eles.

Um deles, o filósofo, foi envenenado: condenado por um crime que ele não cometeu. Olhou para os seus discípulos e disse que estava feliz ante a situação, pois estaria muito triste se a condenação fosse justa. Que grandeza, que espírito e que sabedoria. Mais ainda: que fé! O sujeito se vangloriou diante da morte, ensinando que estava morrendo por uma condenação injusta, ou seja, saia do mundo mas jamais sairia como criminoso. A virtude, segundo socráticos, pré-socráticos e afins, era a verdadeira finalidade do ser humano. Qual a sua virtude? Agora, neste instante; observando tudo que você fez, faz e pensa. Qual motivo de felicidade que você carrega em si, que não pode ser tirado? Pense antes de responder, isso é essencial para sua vida. Coragem, eu enfrentei o mundo e venci! – eles disseram.

Notoriamente um outro filosofo, mais metafísico e místico, trouxe o mesmo comportamento, centenas de anos depois. Humilhado, derrotado, sangrando, chicoteado e moralmente abalado; olhou seu sofrimento e teve mais medo por aqueles que o condenavam do que pela sua própria condenação: “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem”. Bravura diante do mundo, diante da maldade, diante daqueles que substancialmente deveriam amar. Pôs-se diante da morte, dizendo aos discípulos: Coragem, eu enfrentei o mundo e venci! Ele venceu: vive até hoje.

Mas como o mundo pode ser tão perverso? O mundo é um inimigo? As ruas, as calçadas, empresas; pessoas e animais, gente; carros, televisão e tudo que temos noção é, indiscutivelmente, nossos maiores inimigos? Pelo contrário: não há nada de ruim no mundo, pois até nas coisas mais simples existe a complexidade do Universo, sua criação. Criação de quem? Não convém a discussão, embora convém à consciência. Já imaginou a solidão que é a vastidão do Universo se, além das pessoas que amamos e odiamos neste planeta, só existir o nada? O mundo foi vencido não por ser ruim, mas vencido pela tentação e pela distorção que causamos nele. Queremos determinadas coisas aconteçam da maneira como desejamos, muitas vezes com razão; mas nem sempre. Queremos o melhor do mundo, mas queremos que o outro mude conosco, quando na verdade essa possibilidade é impossível. Um outro filosofo mais tarde disse: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos....”. Não adianta querer mudar todo mundo quando não temos ainda condições de nos transformar intimamente.

A publicação de hoje é específica, diferente dos outros textos; está ligado ao ensinamento de que, alvo de qualquer maldade, devemos saber lidar com nossa conduta, ao invés de julgar a conduta do outro. Ao olharmos para uma situação que nos agride, nos entristece; um julgamento tão penoso, é comum olharmos para quem condena com ódio, rancor e um sentimento de vingança. Normal e natural para o ser humano. Mas, mesmo assim, não convém. A resposta odiosa ao outro é a homogênea recusa ao bom. Se não há condição de perdoar, amar; que haja a primeira opção de ignorar. Não saber, sentir e usufruir do mal que nos é imposto é uma guerra que travamos no mundo, onde aprendemos a lição.

Coragem! O mundo em suas tentações, ódios e desavenças foi vencido: Já nos mostraram isso um dia! E a lição, ainda que pareça tão distante de nossa prática; não é um absurdo. A lição de amar os inimigos, a outra face; esquecer daqueles que nos condenam. A lição de nos melhorarmos, e se possível, melhoramos tudo em nossa volta: todos aqueles que nos odeiam, que, a priori, deveriam nos amar. Amar como se amam; pois muitas vezes, odeiam como se odeiam.

Coragem!



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