quinta-feira, agosto 07, 2008

FOLHA 08/05 – SERAFIM E A MORTE DO DRAGÃO (20/03/2005)



Dragão ficou parado. Nem respiro se ouvia. Serafim ainda estava normal, sentia sua perna, seus braços. Tinha sido atingido, era verdade. Ambos com medo de se olharem. Estavam cansados da luta. Dragão não era mostro, nem fabuloso. Serafim não era cavaleiro, nem herói. Brigavam pela boca de fumo, brigavam por causa do poder, brigavam pelo direito de matar, de roubar. Na platéia somente os militantes, esperando um suspiro, um sinal, qualquer sinal que fosse. Começariam a batalha com a morte de um dos dois líderes, isso já estava estipulado. Paus, pedras, facas. Não usariam arma de fogo, nem mesmo Dragão e Serafim poderiam usá-los.

Serafim jogou Dragão no chão. Tinham estatura idênticas, mas Dragão era mais forte. Bateu com a cabeça no chão, não se abalou; apenas um cuspe nojento de sangue. Dragão não tinha dentes, usava dentadura, poucos sabiam disso. Serafim puxou uma faca, tentou acertar a barriga de Dragão, que, com certa agilidade, se esquivou. Durou horas aquela disputa; dizem que durou dias.

Do lado de Dragão eram seis parceiros. Esse era o nome utilizado por Dragão: parceiros. Do lado de Serafim eram sete irmãos. Um deles eu não contei, era menor de idade, quase uma criança. Tinha uma mulher também. Cabelo curto e tatuagem no braço. A garota segurava um pedaço de pau, tinha uma cicatriz enorme no braço esquerdo. Estavam em um beco escuro, pouco movimentado. Do lado direito ficava o prédio de um grande banco, do lado esquerdo uma construção abandonada. Poucos sabiam que o local era campo de guerra.

Mais uma paulada na cabeça de Serafim. Dessa vez ele estava levando a pior. Não imaginávamos a condição que chegariam ao final. Um sol frio e um vento forte naquele momento, estava chegando a noite. Improvisamos uma fogueira bem no centro do beco, a luz não era forte. Continuavam brigando. Serafim acertou um murro na boca de Dragão, ambos não sentiam mais dor, somente o sangue quente escorrendo pelo rosto. O sangue jorrava por todos os cantos, o sangue já estava frio, vermelho bem escuro. E o cheiro? Cheiro de matadouro. Já sentiram cheiro de matadouro? Um cheiro insuportável. Era possível que a briga terminasse com um dos dois mortos, era possível que os dois morressem. Parceiros e Irmãos iriam se gladiar com a morte dos dois? Ficaram atônicos torcendo pela vitória de seus respectivos chefes.

Romantismo não existe mais na luta de marginais. Explodem colégios, restaurantes e matam inocentes. Não sei até que ponto somos inocentes nessa briga. Um tiro acabaria com aquilo, mas não era isso que eles queriam. Queriam brigar como homens. Homens não brigam até a morte, quem faz isso são os animais. Nem animais, eles fogem quando estão perdendo. Mas era assim que decidiriam aquela questão: brigando até a morte. Era mais honrado.

Serafim pega uma pedra. A pedra deveria estar ali mesmo, próximo de Serafim. O destino nem sempre é explicado pela lógica. Levanta até a altura da cabeça, arremessa. A pedra acerta a cabeça de Dragão, quebra os ossos, vemos sangue. Quem se impressiona com sangue não precisa ficar com medo. Naquele momento parecia uma briga de crianças na geleia. Dragão pára por alguns momentos, anda para trás, meio lento. Serafim sabe que a luta está ganha, mas não pode contar vitória antes do tempo. Espera ansiosamente pela queda do inimigo. Dragão já estava inconsciente quanto desabou. Em poucos segundos o ringue improvisado estava lotado com outros bandidos em combate.

A cena poderia estar sendo gravada em silêncio, pois era assim aquela briga. Não se ouvia vozes, gritos. Não se ouvia um lamento sequer. Mas sabíamos que estavam se ferindo, se machucando, perdendo sangue. A dor da derrota seria mais amarga do que alguns arranhões nas costas, nos braços. O menino que acompanhava Serafim morreu depois de dois golpes na cabeça. Numa briga como essas é preferível acertar a cabeça. A finalidade não é machucar, é acabar com o inimigo. A garota, aquela da tatuagem, matou mais dois. Na conta geral da peleja apenas cinco sobreviventes.

Antes que a polícia chegasse, Serafim mais três Irmãos foram embora. Ganharam a guerra, isso era fácil de entender vendo Dragão e mais quatro parceiros mortos. Foi uma briga limpa. Serafim estava mancando, sangrava muito. Valeria mais alguns meses de quietude na guerra pelo tráfico. Poderiam também roubar sem constrangimento. Na época de paz vemos a liberdade dos bandidos, bandidos honestíssimos como Serafim.
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