sexta-feira, setembro 29, 2017

DESCONECTADO: Família moderna e a felicidade


Não existe mais álbum de família. Não existe mais quem queira colocar na parede da sala o retrato de toda a família, exibindo-o como uma espécie de troféu. A família feliz que sempre sorri nas fotos. As pessoas sorriam, pois era proibido não sorrir. Na escala entre pais, filhos, netos, bisnetos; tios e tias, alguns nem se conheciam. Outros nem se falavam; alguns se suportavam. No entanto, naquele retrato de família populosa, as pessoas conviviam, interagiam; e nessa convivência aprendiam. A família que parecia feliz, mas nem sempre era, tinha como objetivo moldar o ser humano para uma escala maior, que era sua própria projeção na sociedade.
Famílias numerosas são pouquíssimas. Estão beirando a extinção. Uma festa de Natal nos dias de hoje com mais de cinquenta pessoas é uma benção. Uma providência divina e não do acaso. A maioria hoje vive num convívio minguado. Festas, casamentos; primeiro ano do filho. Uma ruina numérica da família. Cada vez mais as pessoas pensam no menos; vivendo subgrupos familiares. Questões econômicas, sociais ou até religiosas dispersaram as famílias.
Bom ou ruim, ainda não sabemos. A única certeza que podemos ter é que a família mudou. Ela não obedece aos paradigmas de trinta ou quarenta anos. A relação entre pai e filho é uma incógnita que até hoje está sendo analisada pelos especialistas da área. A relação amorosa idem. Saímos de um contexto grandioso e idolatra; onde a família era o centro de tudo; para um modelo solitário e realista. Hoje as pessoas são mais egoístas, embora sejam mais benevolentes e a solidárias (que parece ser algo muito contraditório). O crescimento das ONGs demonstram isso. Muitos jovens, solteiros, com ascensão profissional usam parte do seu tempo livre para a caridade. Pessoas realistas, mas que não deixam de sonhar com um idealismo humanitário. A família pode estar reduzida a um único individuo solitário e realista, mas que não deixa de idealizar na solidariedade um bem maior e comum.
Tenho dúvidas sobre o quanto essa metamorfose no convívio familiar está sendo ignorada pelo plano espiritual. Crer que essa mudança é desprezada pelos espíritos superiores é acreditar também que nossa vida, de uma maneira geral, é baseada numa desordem gigantesca. Lembro-me da frase célebre de que Deus não joga dados, explicando que nada no mundo é ao acaso. Consequentemente, de todas as situações, boas ou ruins, se tira alguma solução para a evolução humana. Assim, crer que a inexistência de uma família numerosa é motivo para o motim social que vivemos é acreditar que o plano divino não tem completo conhecimento de nossas necessidades, o que para mim parece inverossímil.
As famílias mudaram e ignorar essa nova perspectiva é ditar uma regra obsoleta. As famílias hoje são mais felizes, pois criam melhores condições para uma intimidade que não se via em nenhum álbum de família. Pais falando sobre sexo com os filhos. Filhos falando sobre os medos e as angustias com os pais. Ambos conversando sobre as drogas. Engana-se, portanto, quem acredita que as famílias do passado traziam mais oportunidades que as famílias atuais, embora menos numerosas. Engana-se também quem acredita que a família seja apenas consanguinidade; ignorando os laços afetivos que construímos durante nossa existência.
A discussão não deveria ser nostálgica, colocando a família do passado num pedestal e ignorando a conjuntura da família contemporânea. A discussão é o quanto a ausência de uma família pode ser prejudicial à evolução de uma criatura. O quanto essa ausência delimita conhecimentos sobre religião, ética e cultura. Não importa mais o modelo de família, importa como essa relação familiar nos constrói para um convívio mais amplo. Dessa forma, uma ou outra, grande ou pequena; com laços de sangue ou não; todas têm um objetivo do plano superior: a nossa evolução. E só evoluímos pela atração e fortalecimento naquilo que é correto e pelo atrito e correção naquilo que consideramos indigno. A família nos atraí e nos repulsa em muitos momentos, só assim não estacionamentos em nossa trajetória evolutiva.


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Um comentário:

Flávio Santos disse...

Parabéns pelo texto! Acho que você concluiu bem ao dizer: "Não importa mais o modelo de família, importa como essa relação familiar nos constrói para um convívio mais amplo."
Até porque a família é nossa "primeira" escola para uma evolução social e espiritual.