sexta-feira, maio 08, 2009

Cartas ao Vento 024



Quer saber? Sempre chegamos nesse ponto da conversa, daí não saímos com qualquer solução. O silêncio que ficamos é o mesmo silêncio incômodo do começo de tudo. Assim, acabar e começar parece ser a mesma coisa. Sei lá, quer saber mesmo? Nem sei quantas vezes tentamos ter essa conversa, querendo resolver o que parece mesmo ser impossível. Está bem, eu espero você terminar o que está querendo falar. Mesmo sabendo quais serão suas palavras e queixas. Repetidas. Não lhe castrarei mais uma vez, vou deixar o tempo passar enquanto você fala.

Você pega o cigarro. Põe na boca. Insiste em querer falar coisas sérias com um cigarro na boca. Sabe que eu odeio quem fuma? Pois bem. Odeio mesmo. Acho uma tentativa de homicídio doloso. Doloso vagaroso. Quer me matar aos poucos. Fico olhando para a fumaça, enquanto você fala. Os desenhos formados não são os mesmos das nuvens que estão no céu: coelhinhos, vacas e copo de leite. Foi formidável ver um copo de leite desenhado no céu azul. Na fumaça do seu cigarro não vejo nada.

Acaba de falar. Eu acabo de escutar. Poderia sair da mesa, sem dar qualquer satisfação. Você não iria notar minha ausência. Eu tento responder, com palavras mais inúteis ainda. Falo, justifico e me defendo. Mas é como se eu tivesse saído sem dizer nenhuma palavra: você continua com uma cara amarrada como se fosse eu o único culpado de tudo que está acontecendo.

Quer saber? Não irei mais me defender.

Pego o seu cigarro, boto na boca. Não trago, pois não sei tragar. Mas visualmente ficou parecendo mesmo que eu fumei. Que eu usei sua droga. Droga como a bebida que está no meu copo, como a comida engordurada da hora do meu almoço. Droga como o sexo que fizemos da última vez, cada um de cara ruim com o outro, como se fosse mais favor do que prazer.

Sim. Quero falar sobre isso, sim. Você vai ter que se defender. Mostrar para todo mundo que eu estou errado. Vai dizer para seus amigos que eu sou honesto, que sou legal; que sou “um gente fina”. Ou prefere mesmo dizer o que realmente somos? Então vá em frente, mas vá sozinha. Quer saber? Não temos mais nada o que tratar aqui, vou embora. Bom apetite.

O homem sai da mesa enquanto a mulher chora. Mas todos saberão que ele sofre mais a perda do que ela. Eu continuo em silêncio, bebendo minha cerveja quente.
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