terça-feira, fevereiro 02, 2010

Cartas ao Vento 030

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Aos bons amigos, bons ventos: Cartas ao vento. No rosto, como ar livre. Servirá para livrar-te da inconseqüência? Da absurda inconseqüência dos fatos? Não. A carta não lhe valerá para isso. Carta que não tem destinatário específico, nem tampouco remetente. Quem manda, descreve mais o que vê do quê sente. Quem recebe lê mais do quê está evidente.

Cartas que chegarão, embora tarde.

Queria escrever-lhes tantas novidades, mas elas não existem. Somos uma intercalada repetição de nós mesmos; mas, às vezes, nos enganamos: o ontem e o hoje num tráfego curvilíneo. E no espaçamento do tempo, fingimos saudade e outros sentimentos: decidimos que somos nós mesmos! Ignoramos, ao certo, que outra pessoa nasce na veemência da ação do tempo, deixando nosso ser nos segundos passados. Então, é o relógio que determina nossa originalidade; quando em cada minuto vindouro, exuma de nós todo passado!

Passagem das horas: o ponteiro é o mesmo, mas as paredes descascadas; o filtro de barro seco, os olhos cansados e a cor do cabelo; tudo transformado numa ação que desconhecemos. Mas não somos vítimas do tempo: em dado momento ele é nossa única companhia. Fria, calada; inflexível. Tudo, menos indiferente.

E como vemos indiferença no mundo.

O tempo não ignora aquele sofá no meio da sala. O tempo não ignora destinatário. O tempo conta, em soberba matemática infinita, o começo e o fim de todas as coisas. Mais do que isso: é incapaz de esquecer aquele velho sentado naquele sofá no meio da sala: finda em menor tempo o velho deitado; ajeita quem acabe com o velho sofá inútil.
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Mas é certo que não terão jamais o mesmo fim.
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