Caiu de uma altura, estatelada. Caiu sem
asas, jogada por si; vontade própria, sem qualquer intermediário. Caiu do
décimo andar, traumatizada queda; para os ossos e para o restante do corpo. Os
olhos olharam o horizonte, as mãos pegaram o ar, inegável paisagem maravilhosa,
aproximando-se do tão longe. O asfalto no chão imóvel. Ela caiu por algum
motivo contraditório, que as autoridades ainda restarão explicar. Eu vi tudo,
como testemunha, sem querer; mas que na minha indecisão, sem tempo de chegar os
olhos: o corpo que cai. De susto eu observei tudo.
Não era, dentro da minha percepção quase
imaginativa, uma mulher feia. Nem estava numa torre, num filme qualquer de
Alfred; uma donzela indefesa. Era uma mulher loira, de aproximadamente quarenta
e poucos anos. Sem filhos, creio. Pouco sei sobre a mulher e saberei muito menos
se não noticiarem nada sobre ela nos próximos capítulos nos telejornais. Em
instantes as sirenes, bombeiros e policiais; médicos para caso de um milagre.
Alguns ainda esperam um respiração ofegante, como que um corpo com vida,
naquele chão ensanguentado. Mas não há vida, nem havia quando ela caminhava
assustada rumo ao topo do prédio. Consciente ou não de sua decisão suicida.
Talvez tenha se jogado por causa de um amor
não correspondido. Acho que essa probabilidade uma das mais desinteressantes,
pois o amor, para a maioria das pessoas, passou a ser um passatempo dos menos
intensos. Não existe mais sofrimento na falta do amor, pois o tempo,
encarregado de curar tantos deslizes, também trabalha pelo bem do amor; que num
lance infortúnio, no metrô ou no supermercado, traz o remédio. As pessoas não
perdem mais a cabeça por causa de um amor. Perder o bom senso, o respeito; a
dignidade. Mas a cabeça? Não, isso não. Ela não se atirou do décimo andar por
causa de amor, tenho certeza. O policial olha bem de perto, os olhos
esbugalhados e assustados da mulher.
Morreu por descuido? Talvez. Outra hipótese
que projeto durante os segundos posteriores à cena. Que critérios eu teria para
definir a morte daquela mulher se nem a conhecia? Não tinha critérios nenhum,
nem deveria supor a morte como fuga. Podia ser descuido, penso mais uma vez. A
mulher olhando para as nuvens que se formavam naquela tarde de Sol, e de
repente: queda. Deixou filhos, maridos e uma cachorra acostumada a dormir no
sofá da sala. Ela tinha cara de uma mulher rica, bem cuidada e perfumada; apesar
de não ostentar qualquer joia. O policial isola o crime, como se o crime fosse
um crime. Fotos e mais fotos animando a paisagem dos jornais impressos na manhã
seguinte: alguns se apegam as imagens, outros as palavras.
Fiquei vários minutos sem palavras. Fiquei ali,
como se fosse o meu corpo caindo daquela altura. Senti o medo da morte, senti o
medo do prédio; que por alguns momentos parecia se sacolejar de grande euforia.
Nem sempre algo concreto pode ser tão abstrato. O prédio como quem mantém o
poder sobre a vida e a morte, em seu décimo andar; mais ou menos espaço
relevante do coração, caso ele fosse humano. Mas ele não é. O prédio não têm
pés, nem olhos; nem cabeça. Mas naquela hora, ou melhor, naqueles segundos; ele
parecia vir em minha direção. Quer me esmagar também? Quer acabar com minha
vida? Todos os outros prédios olham sem querer qualquer interferência, passivos
diante do assassinato. A mulher continuava imóvel.
Quantos minutos o meu pesadelo? Quantos anos
de sofrimento da mulher? Não sabemos, nem suspeitamos. A mulher morta, os
policiais isolando a queda; o sangue, o desespero de todos aqueles que viram ou
não viram a mulher se atirando do décimo andar. De qualquer forma, ainda que
houvesse qualquer explicação, nada fazia sentido. Deixei a morte de lado quando
vi de perto o que a vida pode fazer com as pessoas.
Um dia, uma noite; acovardei-me diante do
prédio - antes daquela mulher - e para nunca mais.
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