Uma nova perspectiva surge diante a música
composta pelos Titãs. Música que nos remete a lembranças boas, pueris e
bucólicas; “Flores” na verdade conta o desfecho de um suicídio. Diferente de
outras composições nacionais, como é o caso de algumas letras de Zé Ramalho;
cheia de enigmas e simbolismos; a canção “Flores” é direta, simples e certeira.
Mas qual a razão afinal de não “nunca termos pensado” que a música era tão
nebulosa, sombria e fúnebre? Por um motivo simples: intencionalmente ou não o
grupo conseguiu produzir uma música otimista, alegre e cheia de cores. Cores
que podem ser representadas pela repetição da palavra flores. Não pensamos em
nenhum momento que as flores faziam parte de um velório, mas que o indivíduo, o
“eu” poético, estava envolvido num ambiente cheio de energias positivas e de um
certo romantismo.
É claro que em qualquer obra artística, seja
em prosa ou verso, existe aquilo que chamamos de interpretação literal e a
não-literal. “Olhei até ficar cansado de ver os meus olhos no espelho” pode
significar uma fase de autoconhecimento. Pode-se tirar elementos salutares de
uma análise interior; mas também podemos entrar em contato com os nossos mais
profundos e terríveis medos. Será que essa autoanalise fez com o que o sujeito
despedaçasse as flores do canteiro? Que representa as flores destruídas? Será
que o mundo “colorido” e “sem problemas” apareceu com essa visão interna? Olhei
até ficar cansado de ver os meus olhos no espelho. Chorei por ter despedaçado
as flores que estão no canteiro.
Sim, o autor vê o mundo sendo destruído. E
essa destruição tem suas consequências: a própria morte. O suicídio tem seu
momento histórico com os pulsos cortados. Tente lembrar de alguma cena que viu
sobre suicídio, no cinema ou na televisão. Os pulsos cortados é o ápice
simbólico do suicida. E o “eu poético” vê não apenas os pulsos; mas os punhos e
o corpo inteiro. A visão não é apenas de um suicídio, mas de uma mutilação.
Vamos retomar o contexto: O mundo de flores (bonito, perfeito e completo) foi
destruído depois de uma autoanalise (olhos no espelho). Os punhos e os pulsos cortados e o resto do
meu corpo inteiro.
Com o despertar pós-morte o autor se vê
dentro de um caixão. A imagem de flores debaixo do travesseiro é a chave para
essa interpretação. Em qual lugar mais poderíamos pensar que flores cobrindo o
sujeito por todos os lados, e que repletas embaixo do travesseiro? Ele está
dentro do caixão, e possivelmente seu único ângulo de visão é “flores em tudo
que eu vejo”. Agonizante, triste e solitário. O encontro do sujeito com sua
própria criatura o levou ao estado de completa solidão. Há flores cobrindo o telhado e
embaixo do meu travesseiro. Há flores por todos os lados. Há flores em tudo que
eu vejo.
Mas ele não está morto. Ou pelo menos não
está morto. Estão tentando salvá-lo. Ele que acredita que a dor maior da morte
é infinitamente menor que seu erro (a dor vai curar essas lástimas). Os
remédios e os médicos em sua volta foram derrotados (o soro virou lágrima). E
agora, as flores, criada inadvertidamente como coisa alegre, cheia de vida e
romântica; transformam-se em morte. Enfim consumado a escolha do sujeito. A dor vai curar essas lástimas. O soro tem
gosto de lágrimas. As flores têm cheiro de morte.
Não está acabado para o morto. Ele ainda
acredita na purificação. Como se sua escolha tivesse uma maneira de se redimir.
Haverá um perdão para sua escolha, ele crê. Por isso tem fé de que a dor do
remorso irá “fechar esses cortes”. Haverá, dali em diante uma nova vivência,
que ele não sabe como será. As “flores”, que ele acredita fazer parte, não
morre jamais. Flores sem vida, sem energia; sem escolhas e sem amores: flores
de plástico não morrem pois nunca viveram. Assim como ele. A dor vai fechar esses cortes. Flores. As
flores de plástico não morrem.
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