Criolo refaz sua obra. Depois do aclamado “No na
Orelha”, eis que o rapper paulista aparece com um novo lançamento, onde pompas
e jogadas de marketing são ignoradas por completo. Era o que se esperava depois
do sucesso enorme do seu segundo álbum, mas não foi o que aconteceu. “Convoque
seu Buda” surge tão tímido e introvertido como parece ser o próprio autor.
Disponível gratuitamente para a massa, chegando a qualquer e para qualquer
ouvido que goste de música; posso dizer que esse novo trabalho é uma grande
surpresa. Se você virou fã do trabalho anterior, espere uma maturidade maior
para este lançamento.
“Convoque seu Buda” é a consagração da crônica
urbana em forma de rap. Criolo parece conseguir esse efeito linguístico, com uma
leveza não muito comum nas músicas deste estilo; onde o dialeto e a
regionalidade são características marcantes na crítica social. Criolo gosta do
humor, gosta da filosofia; repete fórmulas que socializam sua música em guetos
tão diferentes de sua origem, navegando em grupos que, em sua maioria, são
alvos de suas críticas. Isso não importa muito: não há um inimigo declarado,
personalizando o “sistema”. O sistema não é mais um conjunto de medidas desassociadas
das pessoas. Convoque seu Buda é a brasileiríssima forma de se discutir o rico
e o podre, espírito e corpo; sociedade versus capitalismo. Criolo desvenda com
olhar subjetivo mais uma vez São Paulo de tantos contrastes.
Ao mesmo tempo parece ser uma obra muito pessoal,
contando cada item observado pelo narrador de tantas situações corriqueiras de
nossa vida. A forma clássica e não habitual para um rapper, coloca-o entre
compositores do fechado grupo da MPB. Tal como um Chico Buarque do rapper – é
claro que estou exagerando – Criolo consegue chegar ao limite da compreensão de
tantas situações, que parece mesmo que ele é, ou se transforma, em vários “eus”
da sua linguagem literária. No aspecto musical, acho que a evolução desse
segundo álbum é nítida. Ainda que faça uma sopa de referências, e nem sempre
isso é bom; fica claro que a música religiosa (Umbanda e Candomblé), assim como
o samba; Geraldo Vandré, Azevedo e Zé Ramalho acabam participando indiretamente
da obra. Em uma das canções uma novidade, o reggae.
A primeira música é CONVOQUE SEU BUDA, que dá
nome ao álbum. Quem consegue colocar: “Nin Jitsu, Oxalá, capoeira, jiu jitsu, Shiva,
Ganesh, Zé Pilin” numa mesma música? Criolo mostra a luta do dia-a-dia e a
necessidade de trazer a espiritualidade contra a sociedade do consumo, dito
pela a música como um dos maiores males da sociedade moderna: “Depressão é a
peste entre os meus, plano perfeito pra vender mais carros teus”. ESQUIVA DA
ESGRIMA tem o melhor refrão do álbum, a música remete a melhor fase do disco
anterior, talvez a maior referência do seu sucesso anterior: “Cada maloqueiro
tem um saber empírico, Rap é forte, pode crê, oui, monsieur, Perrenoud, Piaget, Sabotá, Enchanté” é a indicação
de que haverá dentro do rapper das ruas a inclinação do pensamento do primeiro
mundo.
CARTÃO DE VISITA mostra o Criolo da crítica bem
humorada. A riqueza e a pobreza dentro de um mesmo universo. Crítica aos
movimentos sociais, como os tais “rolezinhos” que foram uma febre no começo do
ano. CASA DE PAPELÃO fala sobre pessoas da rua, viciados em craque: “Toda pedra
acaba, toda brisa passa, toda morte chega e laça; são pra mais de um milhão”. A pior música do álbum é FERMENTO PARA MASSA;
acho o refrão enjoativo e uma letra muito fraca. PÉ DE BREQUE um reggae cheio
de efeitos sonoros.
PEGUE PRA ELA é MPB na certa. Volta com o PLANO
DE VOO com o rap em sua estrutura mais essencial. Como repentista urbano fala
do mundo, das coisas que está vendo; com suas palavras: “Do monstro que se
constrói com ódio e rancor a cada gota de bondade uma de maldade se dissipou, várias
fitas... Eis uma definição pra vida...”. DUAS DE CINCO é outra que traz o rap em
sua essência, uma das letras mais interessantes do álbum: “Absolut, suco de
fruta, mas nem todo mundo é feliz, nessa fé absoluta. Calma filha que esse doce
não é sal de fruta. Azedar é a meta. Tá bom ou quer mais açúcar?”.
A música FIO DE PRUMO pode ser colocada em
qualquer obra dos grandes nomes da MPB. Participação especial de uma grande voz
da nova MPB, Juçara Marçal. A música é uma saudação às forças da natureza. A
cidade como uma selva de pedra, se digladiando com elementos concretos: Laroyê bará, abra o caminho dos
passos, abra o caminho do olhar, abra caminho tranquilo pra eu passar”.
Uma coisa que não podemos dizer desse novo álbum:
que ele é sóbrio. Não é nem de longe uma obra consistente, mas cheia de
maneiras diferentes propostas pelo cantor. Até mesmo a capa pode dar uma pista
em relação a isso. Não me surpreenderia se o álbum se chamasse “Torre de Babel
do Criolo” ou coisa parecia. Por isso, caso tenha gostado do primeiro álbum,
corra para adquirir esse novo lançamento. Se não gostou, busque esse novo
lançamento: ele trará surpresas que você pode não ter percebido anteriormente.
Escute: Esquiva da Esgrima, Casa de Papelão e Fio
de Prumo
Criolo, Convoque
seu Buda – 2014 - Nota: 8,5
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