Pássaros? Não havia. Somente nuvens negras de
um final de tarde de verão. Elas afugentam qualquer animal que voa. Nuvens de
dia de verão, com temporais. Aquilo tudo me fez lembrar quando eu tinha doze
anos. O mesmo pensamento desde os doze anos. Aquele não foi um ano especial,
como nenhum outro que eu tenha vivido. Mas, alguma coisa aconteceu quando eu
fiz doze anos que eu não me lembro. Mas está dentro de mim, silencioso. Talvez
a puberdade. Não sei quando cheguei à puberdade, só me lembro de quando me
apaixonei pela primeira vez, e isso foi com dez anos. Naquele dia, da paixão da
inocência, as nuvens eram de verão também, mas não eram tão negras.
Houve um tempo em que os pássaros não temiam
absolutamente nada.
Na rua os carros passam lentamente. Minha
cabeça tenta controlar o movimento de todos eles: ir e vir. Pessoas, carros e
animais; tento dominar todos eles. As nuvens sempre se movem lentamente, não me
preocupo com elas. Mas as pessoas? Estas sim precisam do meu comando, que segue
seu caminho como numa espécie de telepatia. Não é telepatia, é alguma coisa
muito próxima a isso. Eu olho para as pessoas e faço com que elas caminhem. Que
peguem uma bituca de cigarro no chão, olhem para o alto e se despeçam com um
aceno. Que sorriam para mim, isso é importante lembrar. Algumas se apaixonam,
mas é muito raro.
Outro dia, um acontecimento diferente: Um
carro parou bem na minha frente. Uma mulher alta e com cabelos lisos sai do
carro. Suas pernas, seu rosto; tudo parece conhecido. Só o perfume que eu nunca
tinha sentido. Não é ninguém da televisão, tenho quase certeza. Ela fecha a
porta. O carro segue seu caminho (que eu desconheço). A mulher sobe na calçada.
Pula calmante a água suja que corre para o esgoto. Ela anda com dificuldade por
causa do salto alto. Mulheres sempre são charmosas usando salto alto. A imagem
se repete pelo menos mais três vezes em minha cabeça: carro chega, mulher
salta; caminha. Ela some. Também não sei para onde ela foi.
Alguma coisa aconteceu comigo quando eu tinha
doze anos.
As nuvens? Feias. Cheias e negras. Daqui a
pouco vai chover. E a chuva que chega ao final da tarde, sempre tenebrosa. As
ruas virarão riachos, avenidas mares. Quantas pessoas no meio daquela
aguaceira? Algumas dezenas de pessoas somem no meio da tempestade e não nos
damos conta. Se agora uma avalanche me carregar para os confins do inferno,
ninguém saberá. Mas eu mereço o inferno? Talvez o desastre me leve para o céu.
O céu deve ser maravilhoso, pois está perto das nuvens brancas.
Lá no céu, eu construiria uma casa com o suor
do meu rosto - Almas não transpiram (que eu saiba) - Bom, mas eu não sei muita
coisa, afinal. Então, construiria um castelo, como um desses que eu vi numa rua
famosa nos Estados Unidos: Sunset Boulevard. Isso mesmo, castelo no céu onde eu
pudesse morar e criar uma família. Não sei como é o céu, também não sei como é
o inferno; portanto, os dois podem ser bons. Não acredito no que as pessoas
falam, principalmente por entender que elas podem não saber mais do que eu sei.
A mulher volta. Fica parada na minha frente.
Ela está com medo de mim, a todo custo tenta me ignorar. Os pássaros me ignoram
também, mas eles não pensam. A mulher com vestido vermelho que tem um corte que
começa na altura do joelho. Eu me levanto, vai chover. Eu me aproximo, peço um
cigarro. Ela assustada não diz nada. Ajeita a bolsa, segurando com mais força
do que o habitual. Pergunto se ela conhece o céu ou o inferno.
Silêncio.
Eu novamente peço um cigarro. Parecia simples
que ela me dissesse um sim ou um não. Ela reluta, não responde. As pombas me
ignoram também, elas também não sabem pensar. A mulher que tem cabelos longos e
loiros fuça na bolsa, tira um cigarro. O carro chega. Ela me dá o cigarro. Ela
entra no carro. Agradeço, ela sorri. Eu a conheço de algum lugar. Seria alguém
da infância? Alguém da adolescência? Alguém da minha morte? Alguém quando eu
tinha doze anos? Jogo o cigarro no chão, eu não sei fumar.
Começa a chuva. A chuva sempre me faz correr
para algum lugar que eu não conheço, mas sei que lá estarei seguro. Tantas
vezes levou corpos, lavou almas; não me levou ainda. A chuva vai parar daqui
alguns minutos. E eu imagino sempre voltando para a mesma calçada, para onde
consigo fazer com que as pessoas façam exatamente o que quero: “Um cigarro, por
favor”. Só não controlo as nuvens, minha memória e os pássaros que voam.
Pássaros? Foram embora quando eu tinha doze
anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário