O mundo inconstante,
seu fim tão próximo. Não é um texto profético, nem pessimista. O fim como
norma, regra; objetivo. Morrer bem é o lema para se viver vem. Ante o fim
trememos, sofremos; ficamos irritados. O som do fim, em pequenos lampejos de
silêncio, desanima nossos dias. A minha participação no mundo: sei que um dia
irei morrer. A frase, o gesto; os desejos; são passageiros, relâmpagos;
ridículos perto da imensidão da eternidade. O que pode ser o sofrimento de
agora comparado com a eternidade dos sentimentos no porvir? A contagem
inexpressiva do relógio, o tempo; a fome e o frio.
E nos momentos,
colho o dia. Carpe diem! O poema incerto de Horácio, desconhecido em sua
totalidade. Horácio quis dizer uma coisa, nossa juventude quer aprender outra;
ficamos no meio termo do desentendimento. A vida é breve, passa em milésimos,
mas também é eterna. “Leggere o sentirti dire che sei morto è la migliore prova
della propria esistenza in vita”* a frase enigmática nas interpretação
lingüística de um monoglota inveterado. Minha imaginação segue num pacto da
liberdade literária e decido o fim do texto sobre o fim, mas que parece ser
mais começo. Essa saudade que tenho da vida que não tenho requer entendimento,
desprendimento e olhos lagrimejando.
Há dor num pedaço arrancado
de mim. E ler e ouvir, ainda que a morte, pelos próprios ouvidos e diante dos
próprios olhos, é sinal indiscutível da vida. E me vi morto outro dia, mas
colhia a vida diante da vida e não mais a morte! “Carpe diem quam minimum credula postero”. Na tradução espontânea,
não é apenas aproveitar; mas decidir pela vida.
A profundeza da nossa história, leveza aos olhos doentes; pode ser a leveza da vida no nosso cotidiano.
Não preciso saber a morte para valorizar as coisas que tenho, nem pensar no fim
para decidir pelo que não sou. Sou o que sou, quero o que preciso. As coisas da
vida caminhando lentamente, se desenvolvendo; corrompendo e corroendo a
memória. Mas que memória me absorve em meu próprio conhecimento? Quem sou eu
que decidi no passado e que não deu certo ainda hoje?
Colho não apenas o
dia, mas meus erros.
Preciso dizer meu
amor, preciso dizer meus pecados; preciso dizer que não me importo com muitas
coisas que eu deveria me importar, pois essas coisas não são importantes.
Horácio; meu amigo; não sei quê relevância posso dar ao seu poema em latim, mas
uma coisa é certa: Diz que devo amar, pois não sei sobre o amanhã. O amanhã
pode ser um pouco de mim hoje. Pode ser um pouco de mim hoje o que quero o
futuro. Futuro certo como a morte, em tempos diferentes. Por isso, nessa
fragmentação do calendário; dessa festa; da comemoração do meu nascimento, devo
dizer-me apenas vitorioso. A vitória pela vida, a aceitação dos fatos; decidir
colher o dia mesmo diante de qualquer morte. Pois, saibam; morremos todos os
dias.
“Ler ou ouvir que
você está morto é a melhor prova de sua existência na vida”. E ouvimos de todos
que estamos mortos, que o mundo não nos serve; que as pessoas são más;
desemprego e o pessimismo dos tempos. Mas a melhor notícia de todas é que
podemos ouvir a derrocada humana, sendo humanos. É poder decidir pela vitória
dos homens, mesmo quando eles querem tanta derrota: escolher amar todos os
instantes, como se não acreditássemos no futuro. Pois nos basta colhermos o
dia, ainda que o valor do dia seja menosprezado; colhermos o dia, nesse
instante; pois não sabemos o amanhã como se encarrega; como se calcula; nem
como se descobre.
Pois, quanto mais se
confia no amanhã, menos queremos colher no agora.
* Autor: Vasco Rossi
* Autor: Vasco Rossi
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