quarta-feira, maio 29, 2013

O mundo inconstante e eterno

 

O mundo inconstante, seu fim tão próximo. Não é um texto profético, nem pessimista. O fim como norma, regra; objetivo. Morrer bem é o lema para se viver vem. Ante o fim trememos, sofremos; ficamos irritados. O som do fim, em pequenos lampejos de silêncio, desanima nossos dias. A minha participação no mundo: sei que um dia irei morrer. A frase, o gesto; os desejos; são passageiros, relâmpagos; ridículos perto da imensidão da eternidade. O que pode ser o sofrimento de agora comparado com a eternidade dos sentimentos no porvir? A contagem inexpressiva do relógio, o tempo; a fome e o frio.

E nos momentos, colho o dia. Carpe diem! O poema incerto de Horácio, desconhecido em sua totalidade. Horácio quis dizer uma coisa, nossa juventude quer aprender outra; ficamos no meio termo do desentendimento. A vida é breve, passa em milésimos, mas também é eterna. “Leggere o sentirti dire che sei morto è la migliore prova della propria esistenza in vita”* a frase enigmática nas interpretação lingüística de um monoglota inveterado. Minha imaginação segue num pacto da liberdade literária e decido o fim do texto sobre o fim, mas que parece ser mais começo. Essa saudade que tenho da vida que não tenho requer entendimento, desprendimento e olhos lagrimejando.

Há dor num pedaço arrancado de mim. E ler e ouvir, ainda que a morte, pelos próprios ouvidos e diante dos próprios olhos, é sinal indiscutível da vida. E me vi morto outro dia, mas colhia a vida diante da vida e não mais a morte! “Carpe diem quam minimum credula postero”. Na tradução espontânea, não é apenas aproveitar; mas decidir pela vida.

A profundeza da nossa história, leveza aos olhos doentes; pode ser a leveza da vida no nosso cotidiano. Não preciso saber a morte para valorizar as coisas que tenho, nem pensar no fim para decidir pelo que não sou. Sou o que sou, quero o que preciso. As coisas da vida caminhando lentamente, se desenvolvendo; corrompendo e corroendo a memória. Mas que memória me absorve em meu próprio conhecimento? Quem sou eu que decidi no passado e que não deu certo ainda hoje?

Colho não apenas o dia, mas meus erros.

Preciso dizer meu amor, preciso dizer meus pecados; preciso dizer que não me importo com muitas coisas que eu deveria me importar, pois essas coisas não são importantes. Horácio; meu amigo; não sei quê relevância posso dar ao seu poema em latim, mas uma coisa é certa: Diz que devo amar, pois não sei sobre o amanhã. O amanhã pode ser um pouco de mim hoje. Pode ser um pouco de mim hoje o que quero o futuro. Futuro certo como a morte, em tempos diferentes. Por isso, nessa fragmentação do calendário; dessa festa; da comemoração do meu nascimento, devo dizer-me apenas vitorioso. A vitória pela vida, a aceitação dos fatos; decidir colher o dia mesmo diante de qualquer morte. Pois, saibam; morremos todos os dias.

“Ler ou ouvir que você está morto é a melhor prova de sua existência na vida”. E ouvimos de todos que estamos mortos, que o mundo não nos serve; que as pessoas são más; desemprego e o pessimismo dos tempos. Mas a melhor notícia de todas é que podemos ouvir a derrocada humana, sendo humanos. É poder decidir pela vitória dos homens, mesmo quando eles querem tanta derrota: escolher amar todos os instantes, como se não acreditássemos no futuro. Pois nos basta colhermos o dia, ainda que o valor do dia seja menosprezado; colhermos o dia, nesse instante; pois não sabemos o amanhã como se encarrega; como se calcula; nem como se descobre.

Pois, quanto mais se confia no amanhã, menos queremos colher no agora. 




* Autor: Vasco Rossi





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