E se pudéssemos recomeçar? Por
onde começaríamos? A pergunta é séria. Metaforicamente recomeçaríamos quando
possível ou quando conveniente? O grande problema do homem: recomeçar apenas
quando convém, quando o certo seria recomeçar sempre. Ninguém pode recomeçar
senão renascer, dizia o profeta de Nazaré. Entre o ventre, apenas o nascimento;
no calendário dos dias, o recomeço. Recomeçamos sempre, mesmo quando não
percebemos. Mas o recomeçar é mais do que imaginamos, é anular o que existiu; é
largar a bagagem do tempo para trás, trazer apenas roupas novas.
Não existe qualquer recomeço sem
rompimento. É impossível renascer pelos velhos paradigmas. Uma roupa velha no
remendo de uma roupa nova, mais uma vez o profeta certeiro em sua filosofia do
mundo. Para renascer é necessária uma viagem intensa no Universo, nas
construções grandiosas do mundo em que vivemos; sem tempo e espaço. Mais ainda:
indeterminar horas, os momentos; optar pela eternidade dos acontecimentos. De
hoje em diante não existe, existe o futuro. Mais do que a excursão no Universo,
também é preciso a incursão do ser humano: gnothi
seauton, conhece-te a ti mesmo! A pessoa que quer recomeçar e não sabe suas
capacidades continuará sendo a mesma pessoa sempre, com outros pensamentos. O
recomeço é a autotransformação.
Naquele tempo, um homem surgido
do povo liderou um pensamento, em sua coerência, nossa repleta incoerência.
Dizia que o homem que quer recomeçar precisa
largar tudo. Não é uma questão material, mas de conceito. Podemos ter
coisas, mas não precisamos ser possuídas por elas. No mundo atual somos
dominados pelo consumo: pelo celular novo, pelo carro do ano; pelo equipamento
mais potente. Pior ainda: somos dominados pelo nosso passado, principalmente
pelos erros. Ao homem não é facultado esquecer o passado, mas lhe é dado o
poder de se perdoar. Naquele dia, quando o profeta escolheu seus seguidores,
todos deixaram suas redes e seus barcos; não é possível recomeçar carregando o
velho homem, ele dizia indiretamente.
Mas tudo isso é simbolismo, ninguém
precisa se indispor com suas conquistas, mas é inevitável que o nascimento
venha somente para quem tenha coragem de demolir, acabar; destruir e morrer seu
passado. Não há como ignorar os acontecimentos pretéritos, mas existem escolhas
para os acontecimentos futuros. A escolha pelo recomeço é a escolha divina,
escolha sublime; poder sobrenatural de nossas vidas. Somos capazes sempre de
recomeçar, e se a cada recomeço não tiver a característica do nascimento, não
valerá em nada a empreitada. O recomeço, assim, será sempre e exclusivamente um
começo.
Nascemos com intenção de
recomeçar, seja na crença da reencarnação; na crença do nascimento pós-morte;
ou em crença nenhuma. O poder intelectual, a força e o desejo do recomeço, da
reconstrução é superior ao mistério da vida. Muitas vezes cavamos os escombros
de nossas existências procurando alimento, água e felicidade; quando neles só
podemos encontrar a dor, a depressão e o arrependimento. Não sabemos olhar para
a liberdade, para o corpo livre e a mentalidade soberana. Não conseguimos ver
nossos pés sobre o entulho; pois decidimos sempre estar soterrados por eles.
É inevitável reviver o passado
para qualquer recomeço, mas nos basta querer o nascimento para que tudo que
façamos de hoje em diante seja sempre visto como um começo, um nascimento; a
vida surgindo todos os dias.
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