Não necessariamente me considero um assassino. Longe pensar
que tenho qualquer prazer no meu trabalho. É tão comum histórias como a minha,
que pensei inúmeras vezes antes de me sentar aqui nessa mesa, com papel e caneta
na mão e começar a contar sobre determinados acontecimentos. Não existe nenhuma
anormalidade em ser contratado para matar alguém. Profissão tão antiga. Acho
que só perde para as prostitutas; tão essenciais quanto os matadores
profissionais. Não me intrigava a situação que estava presenciando naquela
casa. Estava mesmo era preocupado com a informação que daria para o meu
contratante. Uma coisa não havia funcionado bem, ele precisava saber disso. Ou
não deveria saber?
No sofá, tranquila, a vítima. Ela sabe que eu tinha um
plano macabro. O dinheiro já estava guardado, a arma engatilhada. Bastaria um
tiro para que o serviço estivesse completo. Ele não queria qualquer prova, fio
de cabelo ou foto. Não queria nada, apenas uma ligação minha confirmando a
morte da garota. Coisa de confiança
mesmo. Não sei o nome dela, nem a idade. A maioria das minhas vítimas eu só sei
o suficiente. Não é necessário saber mais do quê uma foto guardada no bolso da
camisa. Nem sempre as informações são precisas. E se eu estivesse errado dessa
vez? Embora nunca tenha errado. Sento-me no sofá. Estou de frente para a
garota. Ela está amarrada. Eu continuo com a arma na mão.
“Quantos anos você tem? Quinze?”.
Como pode ter algum inimigo aos quinze anos? Poderia
perguntar o nome da garota, mas isso começaria a caracterizar uma intimidade.
Odeio ter intimidade com pessoas que vão morrer. A garota está assustada. Quem
não estaria? Eu não fico assustado com a morte. Acho que, em muitos casos, é
como um prêmio. Sempre estive do lado da morte. Meu pai também era matador, me
ensinou muito. Nunca deixou um trabalho incompleto. Hoje os tempos são outros.
Uma complexidade enorme. Os profissionais dessa área precisam de uma
reciclagem. Apoio psicológico, às vezes. Nunca precisei de qualquer ajuda. Quer
dizer: uma vez tive que matar uma pessoa: A curiosidade era que o contratante
queria que ela fosse envenenada. Tive que fazer uma pesquisa, conversar com
alguns amigos; até que cheguei numa conclusão interessante. O veneno utilizado
foi um sucesso.
Voltando para a garota: “Você tem algum inimigo?”.
É difícil responder quando se está amordaçado. Mesmo assim
continuamos mantendo contato. Ela respondia balançando a cabeça. Perguntei se
os pais eram vivos – Ela poderia morar com a avó, por exemplo - Perguntei se ela
estudava. Se ela tinha amigas. O principal: se tinha namorado. Para todas as
minhas perguntas uma resposta afirmativa. Com a questão do namoro ela ficou encabulada.
Ela tinha um namorado. E pelo visto era nossa primeira confidencia. Ninguém na
família sabia. Somente eu. Um completo desconhecido. Pego a foto no meu bolso:
era ela. Não tinha como errar. Pela primeira vez fiquei curioso em saber quem
era o mandatário. Nunca quero saber, nunca é bom saber. Não é bom saber nada da
vítima também, pois o pecado parece ser maior. Acham que, mesmo eu sabendo não
ser um assassino, mas sim um matador profissional, ainda assim não estou
pecando? Matar alguém por ódio, ou dinheiro, é parecido, sendo que para o
primeiro o inferno é mais rigoroso.
Embora não acredite em céu ou inferno.
Disse para a garota que eu fui contratado por um homem, mas
que não sei o nome dele nem onde mora. Coloco a arma na mesa novamente. Não
pretendia usá-la, pelo menos por enquanto. Eu pergunto para a garota se ela
iria gritar caso eu tirasse o esparadrapo de sua boca. Mais uma vez ela responde
que manteria a calma, apenas gesticulando com a cabeça. Como eu sei que ela
disse isso? Eu não sei, eu apenas acreditei que ela não fosse gritar. Cuidadosamente
eu arranco o esparadrapo.
“É o Ailton?” – Ela começa.
“Quem é esse sujeito?”
“Meu namorado. Eu disse que estava grávida quando ele me
largou”.
“Mas você está grávida?”
“Claro que não”.
“Ailton quer te matar?”
“Só pode ser ele. Ele brigou comigo por causa da gravidez”.
“Você teve a brilhante ideia de dizer que estava carregando
um filho dele para ele não largar você?”.
“Eu estava desesperada.”.
Ailton era casado e bem mais velho. A garota na minha
frente era muito bonita, mas era uma criança. Não sei que desejo incontrolável
desses maníacos, velhos e endinheirados. Ela disse que Ailton disse que a
amava. Ela acreditava no amor, tinha escutado uma música que dizia que o amor
não tem idade. Que porra de música nossas crianças estão escutando? Eu continuo
atendo no que ela está me dizendo: os pais realmente não sabiam de nada. Jamais
permitiriam um namoro de uma menina de quinze anos (quase dezesseis) com um
sujeito com quarenta anos de diferença. A conta não era bem essa. Nunca fui bom
em matemática.
Ailton não faria uma coisa dessas, penso.
“Só sei que foi um homem, não sei se foi o Ailton”.
“Quanto ele pagou?”.
“Que interessa isso?”
“Quero saber quanto eu estou valendo”.
“Não dá para discutir uma coisa dessas. A vida não tem
preço”.
“Mas você vai me matar por um valor, não vai?”
“Não sei se vou matar você”.
“Que justificativa tem para não me matar?”.
“Realmente não tenho justificativa nenhuma”.
Diria para a garota: Está correndo perigo. Que ela precisa
informar a mãe e o pai que está sofrendo ameaças. Deve informar a polícia
também. A polícia é essencial. Se pudesse, era melhor que mudasse de endereço.
Também teria que mudar de escola. Esquecer aquela vida que ela estava vivendo. “Sua
vida daqui para frente não poderá mais ser a mesma!”. Eu pego o telefone. O
único contato que eu tinha com o contratante era um número. Liguei. Do outro
lado a mesma voz me atende. Um “alô” rápido. Apenas um “alô”. Nada mais.
“Alô?”. Não pergunto se é o Ailton, como disse; não me interessava. Então eu
respondo convicto:
“Está consumado”.
Desligo o telefone e nunca mais falei sobre o assunto.
Texto 2 - Aguarde-me com sorriso
Nenhum comentário:
Postar um comentário