Abro a janela. Sol ainda tímido. Uma janela da percepção, um cheiro de café feito na hora. Pulo da cama, os pés descalços. Quanto tempo não sinto o chão gelado? Corro divertido até a sala, ainda não há qualquer presente. Então, volto para a cama. Em algumas oportunidades é bom ter preguiça. Não é pecado, é prêmio. Depois de uma semana de trabalho, acordando cedo, dormindo tarde; almoçando com os olhos para o relógio; não é preguiça; é prêmio. E durmo mais um pouco, e continuo sonhando. O dia das crianças. O dia da criança que ainda tenta romper minhas entranhas. A criança em mim, que não tem a mísera oportunidade em chorar como criança, rir como criança; esperar um presente de dia das crianças. Um dia em que podemos tentar absorver a alegria do mundo, não à distância, mas aos nossos olhos. Continuo sonhando.
Uma criança então se aproxima, ela não é de verdade. Bem, é de verdade, mas não para esse mundo. Ela sorri e me entrega um bilhete. "Tio, leia depois que acordar; sonhando a gente não escolhe o melhor da vida!". Ora, uma criança dizendo ao contrário tudo que eu pensei até agora: sonhar era essencial para ser feliz. Que sonhar resolvia a vida (que, às vezes não é tão convidativa). Sonhar é bom, realizar melhor ainda. Sonhando, e só sonhar, deixamos a vida passar em branco. A criança, que não me disse o nome, parecia uma criança conhecida, próxima; amiga. Criança que não era menina, não era menino. Criança que não se parecia com qualquer criança que eu tenha visto. Ela vai embora, assim como veio. Eu dormindo, abro a janela e o sol ainda tímido.
Então, corro para a sala. O presente estava ali. Era um presente que não tinha um embrulho, não estava escondido. Presente que estava comigo todos os dias de minha vida, desde o meu nascimento. Então o Sol que aparece. O cheiro de café e o pão quente. Ponho os pés no chão, pois é maravilhoso sonhar com os pés no chão. Vou recebendo de bom agrado, todos os presentes, todas as lembranças; tudo que em mim é certo. Vou recebendo a maravilha de poder aprender, escolher, errar; chorar, sorrir, sentir; sentir-me criança; adulto, velho. Vou receber meu presente, de dia da criança; que só criança pode entender...
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