segunda-feira, dezembro 14, 2015

Politicavoz: A carta


Nunca na história desse país uma carta rendeu tanto. Renderá ainda mais nos próximos capítulos. A carta de um amor não correspondido perdeu sua eficácia nos modelos da nova literatura romântica: o romantismo político. O sofrimento pelo poder é hoje mais vital, suficientemente taquicardíaco até a morte. Adeus aos românticos do século passado, retrasado; temos a contemporaneidade dos românticos políticos. Eles, da velha nova guarda; são tão humanos quanto heróis. Dizem que são anti-heróis, mas eu duvido. Há neles uma questão de uma moralidade terrivelmente incomum aos seres normais.

Na crise do golpe ou num golpe em nome da crise, merecíamos um pronunciamento desses. Uma carta roubada, como quem rouba um beijo. Muitas vezes acaba sendo uma afronta aos enamorados; mas no fundo, é algo que ambos desejavam. Deixar claro a relação ao público é o êxtase. Um sofre o amor não correspondido, vão ao programa de auditório, num jogo de cena que todos eles já sabem, aquilo que deveria existir apenas na intimidade. A família, alguns políticos; outros jornalistas também suspeitavam da situação; mas deixar assim, tão claro, é algo fabuloso.

Estamos na época da “sofrência superfaturada”. A crise política é enorme, mas não existe nada de diferente daquilo que vemos na nossa democracia há décadas. A crise econômica é tão ruim quanto tantas outras que vivemos. Assim por diante. Há uma certa correlação de expectativa: um governo medíocre torna-se ruim e culpado por tudo que acontece no país. Até mesmo situações que aconteciam antes, desde o início da nossa história. Mas o bode expiatório pode ser um resultado prático, eficiente e estanque; mas em nenhum momento resolverá nossos problemas incrustrados; pois são problemas que independem da liderança política no poder, nem o nome do presidente; nem o partido. Por isso, a presidente é culpada, mas não é a única. Há uma parcela enorme de responsabilidade inclusive de nomes da oposição, que não torcem muito pelo barco não afundar. Há uma parcela significativa do povo, com seus velhos hábitos.

A crise agora é de confiança, como também é a confiança um termo que nós, população em geral, já perdemos. Quem me dera acreditar que a corrupção é um problema de um partido, isolado em alguns membros; decidido ou não por um líder político. Seria mais convincente decidir pelo impeachment; acreditar que a mudança de um Brasil melhor estaria ao nosso dispor. Mas não acredito, acredito que é uma ferida que será aberta; caso haja irregularidade no julgamento de Dilma, tirando-a do poder por questões que estão além das decisões jurídicas. A presidente cometeu erros administrativos, isso é fato. Não conseguiu resolver um problema que nossa economia enfrenta. Podemos dizer, de fato, que seu segundo mandato é ruim para baixo. Mas essa percepção não pode tirar um presidente. Há razões para afastá-la? Que o façam. Só não pode ser por debaixo do pano, com jeitinho; pois fica feio.

A carta revela uma intimidade entre membro dos poderes. É aquela coisa: se soubéssemos aquilo que os jogadores falam nos vestiários antes dos jogos, poderíamos ficar perplexos. Como também nos causaria certo constrangimento a intimidade dos políticos convivendo com políticos. Sabemos exatamente aquilo que eles pensam? São verdadeiros nas entrevistas? Decidem pelo nosso bem, como afirmam em suas manifestações públicas? Querem mesmo aquilo que achamos que eles querem? Temer devia imaginar que a crise de confiança não é um fato isolado, mas aquilo que ele disse em sua carta revela mais ou menos aquilo que o povo diz sobre os políticos de uma maneira geral, coisa que não deveríamos pensar apenas da Dilma.