quinta-feira, novembro 12, 2015

Lembrar Sorrindo

 

(2004)

Privada.
Vomito de bêbado.
Garrafas vazias no chão.
Sem jornal há meses
e sem nenhuma noticia na televisão.

Não sinto falta de nada.

Papel de parede rabiscado,
alguns livros jogados e um disco no chão:
Cazuza, Kafka e te amo Fátima

Mas não é por amor que estou no sofá.

Não existe comida em minha geladeira.
Leite estragado em pó.
Frutas podres.
Batatas, rabanetes e beterrabas brotando.
Nenhuma mosca na sopa
ou abelha no pote de açúcar.
Todos nesta casa estão vivendo algum tipo de morte.

Estava nas profundezas da caverna da minha tristeza.

Um corpo morto,
um olhar sem vida
uma calça rasgada, um maltrapilho.
Um copo de suco
e uma xícara de chá (vazia)
com doses de uísque sem gelo.
Um Alacran Tartarus  

Mas sabia que ainda estava vivo.





segunda-feira, novembro 09, 2015

DESCONECTADO: Será? Minha imaginação.


No mundo do rock é muito comum grupos viverem na órbita de um dos seus integrantes, que geralmente é responsável por toda criação artística, desde as composições, letras até a decisão pela capa do álbum. Não por acaso, a figura quase sempre é a do vocalista. Em alguns casos essa divisão é compartilhada, veja o exemplo dos Beatles. Em outras, o líder não é tão evidente assim; mostrando sua gerencia nos bastidores; com é o caso de Iommi no Black Sabbath e do Harris no Iron Maiden.

Legião Urbana é um modelo clássico de uma associação quase que imediata em relação a essa liderança. É impossível falar sobre Legião Urbana sem falar do Renato Russo e vice-versa. Principal compositor, letrista e arranjador, Renato é líder de uma legião, não apenas do grupo. Os legionários existem, não à-toa. Renato ofuscava todos os outros envolvidos, ao ponto de uma automática extinção do grupo logo após a sua morte. Dado e Bonfá como mero coadjuvantes ficaram reféns não apenas das determinações jurídicas, mas emocionalmente. Como continuar o grupo sem a principal figura? Como será a criação?

Outros grupos espalhados pelo universo musical já passaram pelo mesmo dilema. Alguns conseguiram desvincular a imagem desse líder, continuando a carreira, lançando novas músicas; e a vida que segue. Não é fácil, mas possível. As novas composições geralmente são novas “roupagens” de uma ideia central da banda, mas nunca será a mesma coisa. Muitas vezes nem melhor, nem pior; mas simplesmente diferente. Dado e Bonfá, se pudessem, continuariam com a banda? Havia clima após a comoção de milhares de fãs? Era normal continuar ou falta de “respeito”?

Com o tempo, e sempre o tempo, muitas coisas aconteceram. Dado se atualizou, esteve presente no mundo da música; assim como Bonfá. Projetos pequenos, projetos grandes; participações especiais, e assim por diante. Um músico, mesmo no ostracismo, nunca deixa de ser músico. E talvez por isso, em algum momento da história dos dois; houve uma necessidade enorme de não deixar a história acabar; ou como diz a própria essencial do rock, “deixar rolar”. Assim, surgida a oportunidade, e a vontade, em comemorar os trinta anos do lançamento do primeiro álbum, eis que o novamente o Legião Urbana surge no mundo musical. Disponível, melhor e nostálgico.

O show em São Paulo me mostrou exatamente isso. Legião estava disponível para os fãs, aqueles que nunca puderam ouvir a banda ao vivo. É sempre uma cara de “cover de si mesmo”; mas com algo diferente. A banda está melhor, tanto Dado como Bonfá melhoraram muito do que eram naquela época. Alguns solos que não existiam foram incorporados; um peso maior com o auxílio de uma segunda guitarra; Bonfá com uma vontade enorme de tocar. Em meio a tudo isso, um agravante na análise: o vocalista. Sim, não pode existir um novo Renato Russo, não é certo, justo e lógico. Mas seria certo, justo e lógico o grupo não existir nunca mais? Fica a pergunta para os fãs, eu tenho minha resposta.

André Frateschi foi escolhido para essa complicada tarefa. Complicada para quem assiste, mas posso garantir que não foi para ele. Ator e músico, Frateschi subiu ao palco com jeito de fã, mas com presença de músico. Estava tão natural ali, cantando bem e com segurança, que parecia que a escolha tinha o dedo mágico e imaginário de Renato Russo. Em nenhum momento quis imitar, em nenhum momento quis ser o Renato; mas em todos os momentos quis fazer a apresentação em sua maneira mais honesta possível. Deixou transparecer sua energia, trejeitos e jeitos próprios: Renato Russo não estava no palco, mas não se envergonharia de ver André cantando.

A primeira parte do show era a apresentações na íntegra do primeiro álbum. E começou numa agressividade que já não víamos nas últimas apresentações da banda. Som pesado, rock and roll brasileiro. Duas guitarras (embora a segunda mais baixa), baixo também corretíssimo (também mais baixo que a bateria e a guitarra de Dado); nada disso interferiu na apresentação. Primeiro álbum com todos os hits, e a minha certeza de terem acertado, dessa vez, em escolher um cara não muito conhecido pelo público; mas muito bom no palco. A segunda parte com alguns convidados intercalando com André os vocais. Figuras exóticas, figuras conhecidas; músicos do underground. Tudo muito divertido, mas evidentemente pouco ensaiado; nada que não aconteça nesse tipo de apresentação.

Apresentação foi nostálgica pois, além da apresentação na íntegra do primeiro álbum, a maioria esmagadoras das músicas apresentadas são da primeira fase do grupo.  Também de uma maneira geral, músicas com mais a cara do grupo, pois eram composições que ainda eram determinadas pelos membros remanescentes. A minha grande frustação foi não escutado alguma coisa inédita, sentir como o público reagiria com um novo som, novas letras. Dado, Bonfá e André numa única composição seria um indício interessante de que as coisas não acabariam por ali, uma apresentação festiva. Minha satisfação? Música mais pesadas que o habitual.

Foi um show maravilhoso daqueles inesquecíveis? Não. Um dos melhores que eu vi na minha vida? Não. Foi um show bom. Foi um show inesquecível no sentido histórico, por tudo que envolvia a apresentação. Não foi o melhor show da minha vida; mas isso pouco importa para o rock. No mundo da música é assim mesmo. Para os fãs, Espaço das Américas foi um pedaço do paraíso; numa transloucada relação metafísica entre quem tocava, quem ouvia; e uma eventual presença de Renato Russo meio que admirando todo o espetáculo. “Eu sei que ele está aqui!”, uma fã ao meu lado não cansou de revelar. Para um fã de música, foi uma apresentação cheia de músicas legais, com uma banda de músicos muito bons; com a aura de termos no palco duas figuras importes do rock nacional.

Mas, acima de tudo isso, como um cara que gosta de música como eu, ficou aquela sensação de que novas criações poderiam surgir. Músicas de dois caras importantes para o rock nacional, em conjunto com um cara que demonstrou ter incorporado o espírito do grupo, e com o nome ou não de Legião Urbana, poderiam lançar novas músicas para tirar um pouco o marasmo daquilo que estamos vendo e ouvindo no cenário nacional nos últimos anos. Será minha imaginação?





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