sexta-feira, novembro 14, 2014

DESCONECTADO: Invoque Criolo

 

Criolo refaz sua obra. Depois do aclamado “No na Orelha”, eis que o rapper paulista aparece com um novo lançamento, onde pompas e jogadas de marketing são ignoradas por completo. Era o que se esperava depois do sucesso enorme do seu segundo álbum, mas não foi o que aconteceu. “Convoque seu Buda” surge tão tímido e introvertido como parece ser o próprio autor. Disponível gratuitamente para a massa, chegando a qualquer e para qualquer ouvido que goste de música; posso dizer que esse novo trabalho é uma grande surpresa. Se você virou fã do trabalho anterior, espere uma maturidade maior para este lançamento.

“Convoque seu Buda” é a consagração da crônica urbana em forma de rap. Criolo parece conseguir esse efeito linguístico, com uma leveza não muito comum nas músicas deste estilo; onde o dialeto e a regionalidade são características marcantes na crítica social. Criolo gosta do humor, gosta da filosofia; repete fórmulas que socializam sua música em guetos tão diferentes de sua origem, navegando em grupos que, em sua maioria, são alvos de suas críticas. Isso não importa muito: não há um inimigo declarado, personalizando o “sistema”. O sistema não é mais um conjunto de medidas desassociadas das pessoas. Convoque seu Buda é a brasileiríssima forma de se discutir o rico e o podre, espírito e corpo; sociedade versus capitalismo. Criolo desvenda com olhar subjetivo mais uma vez São Paulo de tantos contrastes.

Ao mesmo tempo parece ser uma obra muito pessoal, contando cada item observado pelo narrador de tantas situações corriqueiras de nossa vida. A forma clássica e não habitual para um rapper, coloca-o entre compositores do fechado grupo da MPB. Tal como um Chico Buarque do rapper – é claro que estou exagerando – Criolo consegue chegar ao limite da compreensão de tantas situações, que parece mesmo que ele é, ou se transforma, em vários “eus” da sua linguagem literária. No aspecto musical, acho que a evolução desse segundo álbum é nítida. Ainda que faça uma sopa de referências, e nem sempre isso é bom; fica claro que a música religiosa (Umbanda e Candomblé), assim como o samba; Geraldo Vandré, Azevedo e Zé Ramalho acabam participando indiretamente da obra. Em uma das canções uma novidade, o reggae.

A primeira música é CONVOQUE SEU BUDA, que dá nome ao álbum. Quem consegue colocar: “Nin Jitsu, Oxalá, capoeira, jiu jitsu, Shiva, Ganesh, Zé Pilin” numa mesma música? Criolo mostra a luta do dia-a-dia e a necessidade de trazer a espiritualidade contra a sociedade do consumo, dito pela a música como um dos maiores males da sociedade moderna: “Depressão é a peste entre os meus, plano perfeito pra vender mais carros teus”. ESQUIVA DA ESGRIMA tem o melhor refrão do álbum, a música remete a melhor fase do disco anterior, talvez a maior referência do seu sucesso anterior: “Cada maloqueiro tem um saber empírico, Rap é forte, pode crê, oui, monsieur, Perrenoud, Piaget, Sabotá, Enchanté” é a indicação de que haverá dentro do rapper das ruas a inclinação do pensamento do primeiro mundo.

CARTÃO DE VISITA mostra o Criolo da crítica bem humorada. A riqueza e a pobreza dentro de um mesmo universo. Crítica aos movimentos sociais, como os tais “rolezinhos” que foram uma febre no começo do ano. CASA DE PAPELÃO fala sobre pessoas da rua, viciados em craque: “Toda pedra acaba, toda brisa passa, toda morte chega e laça; são pra mais de um milhão”.  A pior música do álbum é FERMENTO PARA MASSA; acho o refrão enjoativo e uma letra muito fraca. PÉ DE BREQUE um reggae cheio de efeitos sonoros.

PEGUE PRA ELA é MPB na certa. Volta com o PLANO DE VOO com o rap em sua estrutura mais essencial. Como repentista urbano fala do mundo, das coisas que está vendo; com suas palavras: “Do monstro que se constrói com ódio e rancor a cada gota de bondade uma de maldade se dissipou, várias fitas... Eis uma definição pra vida...”. DUAS DE CINCO é outra que traz o rap em sua essência, uma das letras mais interessantes do álbum: “Absolut, suco de fruta, mas nem todo mundo é feliz, nessa fé absoluta. Calma filha que esse doce não é sal de fruta. Azedar é a meta. Tá bom ou quer mais açúcar?”.

A música FIO DE PRUMO pode ser colocada em qualquer obra dos grandes nomes da MPB. Participação especial de uma grande voz da nova MPB, Juçara Marçal. A música é uma saudação às forças da natureza. A cidade como uma selva de pedra, se digladiando com elementos  concretos: Laroyê bará, abra o caminho dos passos, abra o caminho do olhar, abra caminho tranquilo pra eu passar”.

Uma coisa que não podemos dizer desse novo álbum: que ele é sóbrio. Não é nem de longe uma obra consistente, mas cheia de maneiras diferentes propostas pelo cantor. Até mesmo a capa pode dar uma pista em relação a isso. Não me surpreenderia se o álbum se chamasse “Torre de Babel do Criolo” ou coisa parecia. Por isso, caso tenha gostado do primeiro álbum, corra para adquirir esse novo lançamento. Se não gostou, busque esse novo lançamento: ele trará surpresas que você pode não ter percebido anteriormente.

Escute: Esquiva da Esgrima, Casa de Papelão e Fio de Prumo
Criolo, Convoque seu Buda – 2014 - Nota: 8,5







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sexta-feira, novembro 07, 2014

A mulher que sorri de Moares

 

Entediado, eu que rogado, nunca fui de samba:
Outrora o passado, que é presente, um passado
bem distante; lá dos poetas e violeiros; eu fui.
Lá tinha gente comum, mas semideuses, do poema
da música e de conhecer você, qualquer mulher.
Eles sabiam os olhos, sabiam a alma; entendiam
de algum modo mais que eu, qualquer sorriso.
Quem dera um dia, ao piano e uma letra, eu
cantando desafinado, como fora a música, hoje.
E gritam o sarava de uma fé desconhecida,
e riem das desgraças do vento, que causam
solidão, a dor e o pouco do desamor:

“Lavai-me, chuvas! Enxugai-me, ventos!”

Entre eles me sento, pego uma cerveja; bebo.
Se fumo, naquela foto branco e preto, fumo pouco.
Mas amo mais, pois amar ali, naquela história;
parecia ser mais livre e mais compreensível.
O poetinha, que curvava-se pela mulher morena;
não tinha qualquer vergonha de amar.
Não tinha vergonha a mulher, ainda que chorando;
de sorrir de qualquer bêbado que chegava
a noite, sem qualquer desculpa; com qualquer
tormento e a camisa branca manchada de vermelho.
E ali, naquela foto em preto e branco; podia-se dizer
Em alto em bom som:

“Sem você meu amor eu não sou ninguém”.

Que saudade daquela época, quando estou entediado.
Saudade de sorriso da mulher que não conheço.
Sorriso de poder escrever sobre você: 
Amar, cantar, fumar e beber; saudade de rimar, 
em decassílabos sonetos; prosas e versos, 
escrever sobre você; 
mulher que nos sonhos aparece sempre sorrindo.


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quarta-feira, novembro 05, 2014

Politicavoz: Noites sem sono?

Apesar do título, o texto não fala sobre política, mas como as relações ficaram depois das eleições presidenciais de 2014.


Tentei me desvencilhar de toda essa discussão política, mas não consegui. É mais forte que eu. O defeito, embora alguns acreditem ser uma ótima qualidade, é minha maneira conciliadora. Assim, por mais que eu relute, e mesmo observando o assunto encerrado e saturado; sempre procuro elementos para a construção de mais algumas páginas nesta tragicomédia. E foi grandiosa e épica: Irmãos contra irmãos, pai contra filho e chefes contra empregados. As eleições presidenciais me fizeram observar um elemento novo dentro do meu convívio, de pessoas que eu conhecia; que são minhas amigas; íntimas: a intolerância. Não chorei pela derrota do Aécio, tampouco comemorei a vitória da Dilma; pois nos minutos que se passaram depois do resultado final, levei comigo apenas um sabor amargo das relações.

Nem todos, alguns foram decentes. Mas é oásis no meio dessas relações virtuais a compreensão, ou pelo menos o respeito, entre as pessoas. Parece que o distanciamento real nos dá, nos elementos virtuais, chancela para nossa crueldade. Podemos ser um pouco racistas, machistas e por vezes, macabro. Fui chamado de filho de uma puta por pessoas que eu nem conhecia. Pior ainda, chamado por aqueles que me conheciam. Foi um misto de dor, de vontade de pagar na mesma moeda; de ser tão ou menos humano que todos eles. Sim, filho da puta. Não ousaria mais uma vez escrever a palavra, visto a estranheza que me causa aos olhos e aos ouvidos - Amargurem-se comigo, nadei agora um pouco no mar da insanidade – Pai de família, empresário; dizia-se muito bem educado em escolas conceituadas.

Tudo bem, eu vou indo muito bem. Não carrego na bagagem tanto ódio. Ainda que me sinta insatisfeito com os rumos políticos no Brasil, mesmo assim ainda não quero ter esse direito. Direito de querer a todo custo humilhar aquele que, nem nos piores pesadelos, é meu inimigo. Eleitores do Aécio ou da Dilma não são meus desafetos, mesmo que se mostrem assim, em suas maiores e mais frequentes opiniões; prefiro que eles continuem comigo, no meu convívio. Embora ainda tenha dúvidas em relação ao meu tom conciliador; prefiro ainda que tenha esse caráter minhas relações.

Aquele que não se sentiu ofendido, melhor assim. Aquele que sentiu que ultrapassou o bom senso, é momento de pedir desculpas. Não para mim, não as exijo nem sob tortura. Não foram a mim que humilharam, foi uma humilhação interna; intransferível. Humilharam-se quando decidiram que determinados argumentos, como num ringue ou briga de rua; eram essenciais para se ganhar a disputa. Não preciso de desculpas. Não quis e não quero participar dessa gincana de adolescentes birrentos, que encontram prazer em jogar o ser humano, julgado diferente, na sarjeta; como uma espécie que não pensa e que não tem suas próprias considerações sobre os mais diversos assuntos.

Realmente eu não me ofendi com todas alcunhas que foram disparadas sem qualquer critério. Minha ofensa é pela verdade que apareceu nas mais diversas pessoas, das mais diversas classes; das mais diversas maneiras. Enfim, mesmo que tenha sido muito doloroso, pude presenciar aquilo que algumas pessoas guardam bem no fundo do baú, lá escondido entre os péssimos sentimentos. Pela primeira vez as redes sociais não transbordaram um mundo de fantasia onde todos se amam, mas um local de uma suposta liberdade; onde nem mais se aturam.


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