quinta-feira, janeiro 27, 2011

A casa

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As paredes velhas, tão velhas.
Já eram velhas quando corria
descalço pelos corredores.
Hoje mais velhas ainda.
Não corro mais, nem ando.
Nem sinto gosto da comida,
Nem choro pelas lembranças.
Naquela casa, com paredes
Elas não me aprisionavam
Agora são meu tormento.
A casa velha, com cheiro
De comida, de pessoas;
De um perfume pela sala.
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Não posso ficar aqui,
Nessa casa, nessas lembranças.
A casa não existe mais.
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Apenas nela, solitária,
os fantasmas da vida.
Hoje mais velhos, ainda.
Sequer posso entrar,
Sentar-me no sofá,
Ler o jornal e tomar café.
A vida não é mais minha,
Nem a casa de todos nós.
Agora a casa é um tormento,
Sem paredes, sem pessoas;
Sem ninguém para tomar conta.
As plantas danam no chão
O resto de incerteza nos pés,
Sem qualquer leveza.
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sexta-feira, janeiro 21, 2011

Caminho torto

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Queria eu fosse toda essa história que cansa de contar,
que eu fosse esse esbelto cavaleiro dos dias de ontem,
que matava dragões e usurpava espadas preciosas.
Queria que me olhasse como todos esses humanos,
que choram de noite, que precisam de colo.
Que bebem água, com sede; das cachoeiras brilhantes;
que roubam estrelas, sentem pena da morte;
que voam lentamente, livres; num ritual angélico.
Queria eu fosse esse santo dos milagres humanos,
que acaba com a fome; que saciam as dores;
que inventa sonhos.
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Queria ser um pouco melhor do que sou,
caminhando na chuva, nas ruas de paralelepípedo.
Que achasse graça das gotas, que me jubilasse nos rios.
Que ouvisse o cão raivoso na beira da estrada,
pensando como eu seria em seu desprezível lugar.
Queria que não me deixassem de lado,
como se eu não precisasse de ninguém.
Não pudesse ouvir a campainha de casa, numa noite
de tempestade e negridão por todos os lados,
onde eu não conseguisse dormir direito
com medo do que sou realmente capaz:
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Mas que não me sentisse tão sozinho.
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Sou vibrante nas coisas belas, mas, às vezes;
nessas noites infames, me perturbam as más.
Queria merecer a reverência agradável;
Que sustenta o corpo humano cansado, e
alimenta o sentimento pelas coisas comuns.
Mas, desse alimento, outrora atrapalha a vida
nos confins do mundo eterno,
onde as asas são imprestáveis ao vôo,
e as espadas inúteis a guerra.
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Queria ouvir você chegando, e mais perto;
contasse mais uma vez a história,
que sabe, acha ou pensa de mim.
Que as coisas boas fossem pequenas,
e que o caminho torto não apenas o fim.
Queria ser melhor do que sou,
de uma lenda que parece confusa,
mas nessas palavras inversas, resolve;
como a vida na morte parece fazer.
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quarta-feira, janeiro 19, 2011

Acordei

Braços presos, a carne fria.
Meus pés acorrentados;
Enfim, acordei.
Mas acordei assustado.
Olhos cansados, cabelos molhados.
O corpo suado, denso.
Acordei com medo, o que é pior.
Pior que a morte, o sono e a fome.
Acordei sozinho, em silêncio.
Do vôo longe, inconsciente.
E as pernas cansadas da procissão.
Desamparo do ideal.
Acordei sozinho.
E as cartas que voaram longe, sem ninguém.
Pois em um momento, cansei de todos.
Enfim, acordei.
E voei alto nos pensamentos impróprios.
E decidi a morte.
E contra a crença não se pode.
Morri aos poucos, totalmente vencido.
Mas, enfim, acordei.