quarta-feira, maio 20, 2009

O que eu fiz para merecer isso?

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O mundo vai acabar! A previsão parece pessimista, mas não é. Será um alívio para todos, ficarmos livres da crise, das doenças e do inferno que vivemos. “O inferno são os outros”, frase sábia. A notícia chegou para mim por e-mail. Não existe autor, mas são vários remetentes. Eu me interesso por previsões catastróficas, vai ver que é por isso que meu endereço foi indicado. Então, o texto diz que estamos vendo diversos “sinais”, que indicam o fim do mundo. Não sofro com isso, com o presságio, sofro pelos menos amigos, os destinatários. Estão todos sofrendo com a notícia.

Não é a primeira vez que o mundo vai acabar. Parece que desde a antiguidade o ser humano faz esse tipo de previsão. Eu, em pouco mais de trinta anos, já vi três vezes o mundo acabando. No entanto, estou aqui, com as mesmas dúvidas de sempre. Então, quando li o e-mail, ri mais um pouco com a absurda ciência do futurismo, onde hipóteses são elevadas ao quadrado; e códigos indecifráveis e alegorias viram a única informação: estamos fazendo tudo errado e seremos condenados com o fim do planeta. Alguém brilhante no passado recebeu essa informação e decidiu nos contemplar com a notícia.

Pensei um bocado de tempo: o que faria com o resto dos meus dias? Será que posso me endividar e pagar na posteridade? Haverá vida depois da morte? O texto no e-mail é ridículo, cheio de erros e coisas ilógicas. Mas, mesmo no desacerto, ele nos faz imaginar uma coisa: e se esse sujeito estiver certo? E se o mundo realmente está acabando? Ora, são os sinais. Nada é tão assustador como uma sucessão de fatores negativos. Mais assustador ainda é se esses acontecimentos forem bem justificados. Crise, gripe, famílias se matando. Tudo tem uma má interpretação, portanto altamente justificável. O mundo realmente irá acabar.

E nesse exercício de decidir minha vida por um texto que chega por e-mail, sem autor; acabo fazendo uma coisa de forma inconsciente: começo realmente a pensar o que estou fazendo no presente. Quais os meus valores? O que devo atenção? Não seria correto usar o tempo que “sobra” para me ajustar ao que os “sinais” dos tempos revelam? Botando a cabeça no travesseiro (amigos de outros países, essa expressão no Brasil significa a pergunta: Minha consciência está livre), acabo por me perguntar: eu mereço a salvação? Não importa a crença, nem a religião. O que importa é a questão: eu mereço ser salvo?

Fiz as mesmas perguntas nas outras previsões, e por incrível que possa parecer, tinha me condenado em todas as instâncias. Se o mundo realmente tivesse acabado naquela época, hoje eu seria pó, vivendo na luxúria do inferno. Todavia, o mundo não acabou, e eu na minha inocente predisposição para o bem, fiz a promessa de estar mais para Serafim. E o tempo foi passando, e os sinais se apagando. O mundo não acabou.

Os sinais, esses que estão sempre debaixo do nariz, continuam. Nunca deixaram de existir, mesmo quando não há crise ou doenças. Os e-mails, esses acabam explodindo de épocas em épocas, tornando mais evidente o que queremos esconder: o mundo realmente vai acabar e precisamos nos dar conta se estamos salvos. Assim, o e-mail que parece idiota, com texto muito ruim e com concordância de dar medo, pode ser uma dessas coisas ruins, como crise e gripe suína; que por meio de coisas tortas; escreve as linhas certas.
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quarta-feira, maio 13, 2009

No fundo

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Estou péssimo, vejam bem.
Pode parecer que não,
Mas sou falso.
Não há esse sorriso,
Nem esse brilho nos olhos.
Os olhos mentes, sim.
Sou uma mentira, deslavada.
Sou uma bactéria parasita,
Nas veias procurando o caminho.
Não sei onde quero chegar,
Mas vou andando.

Estou péssimo, não me chame.
Pode parecer bobagem, mas não.
Sou um tanto falso hoje.
Mentirei sobre seu cabelo,
Sobre a cor do seu batom.
Mentirei quando for preciso.
A boca mente, sim.
Sou uma mentira agora,
Queira me ignorar.

Estou péssimo.
Por isso não quero inventar história.
Pode parecer mentira, e será.
Não acredite que sou possível, hoje.
Não me venha com a boca,
Resistirei se for possível.
Mentirei tanto, que se tornará verdade.

Hoje estou péssimo, mas vai passar.
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sexta-feira, maio 08, 2009

Cartas ao Vento 024



Quer saber? Sempre chegamos nesse ponto da conversa, daí não saímos com qualquer solução. O silêncio que ficamos é o mesmo silêncio incômodo do começo de tudo. Assim, acabar e começar parece ser a mesma coisa. Sei lá, quer saber mesmo? Nem sei quantas vezes tentamos ter essa conversa, querendo resolver o que parece mesmo ser impossível. Está bem, eu espero você terminar o que está querendo falar. Mesmo sabendo quais serão suas palavras e queixas. Repetidas. Não lhe castrarei mais uma vez, vou deixar o tempo passar enquanto você fala.

Você pega o cigarro. Põe na boca. Insiste em querer falar coisas sérias com um cigarro na boca. Sabe que eu odeio quem fuma? Pois bem. Odeio mesmo. Acho uma tentativa de homicídio doloso. Doloso vagaroso. Quer me matar aos poucos. Fico olhando para a fumaça, enquanto você fala. Os desenhos formados não são os mesmos das nuvens que estão no céu: coelhinhos, vacas e copo de leite. Foi formidável ver um copo de leite desenhado no céu azul. Na fumaça do seu cigarro não vejo nada.

Acaba de falar. Eu acabo de escutar. Poderia sair da mesa, sem dar qualquer satisfação. Você não iria notar minha ausência. Eu tento responder, com palavras mais inúteis ainda. Falo, justifico e me defendo. Mas é como se eu tivesse saído sem dizer nenhuma palavra: você continua com uma cara amarrada como se fosse eu o único culpado de tudo que está acontecendo.

Quer saber? Não irei mais me defender.

Pego o seu cigarro, boto na boca. Não trago, pois não sei tragar. Mas visualmente ficou parecendo mesmo que eu fumei. Que eu usei sua droga. Droga como a bebida que está no meu copo, como a comida engordurada da hora do meu almoço. Droga como o sexo que fizemos da última vez, cada um de cara ruim com o outro, como se fosse mais favor do que prazer.

Sim. Quero falar sobre isso, sim. Você vai ter que se defender. Mostrar para todo mundo que eu estou errado. Vai dizer para seus amigos que eu sou honesto, que sou legal; que sou “um gente fina”. Ou prefere mesmo dizer o que realmente somos? Então vá em frente, mas vá sozinha. Quer saber? Não temos mais nada o que tratar aqui, vou embora. Bom apetite.

O homem sai da mesa enquanto a mulher chora. Mas todos saberão que ele sofre mais a perda do que ela. Eu continuo em silêncio, bebendo minha cerveja quente.
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Nada

Pego o nada, cansado.
Pego a mente, em branco.
Quem quer me ouvir ainda?
Quando não tenho nada.
Nada, com gosto amargo.
Gosto de ferro, sem vitamina.
Nada que reluz, que não cumpre.
A primeira saída, o desprendimento.
A segunda: achar as palavras certas.
Continuo num beco, escuro.
Sem nada, absolutamente nada.

Rabisco o nada, cansado.
Na mente o branco, vazio.
Querem me ouvir ainda?
Não tenho nada, nem vontade.
Nada que luzirá as idéias.
Só a mentira, a única saída.
A saída no escuro, do beco.
Mas não digo mais nada.
A boca fechada, sem nada.
Absolutamente nada.

O nada que me apaga.
Enforca-me lentamente.
O nada do vazio, ausente.
Cores, sons e vida.
O nada que eu não quero,
Mas se apodera como algo.
O nada que eu evito, mas
é irreversível saimento.
No corpo eu abomino,
O que na mente acoplado.
O nada: é quase sobra.
De tudo que eu recrio.
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Indolência

Bata na porta. Estarei dormindo.
Escutarei seus passos, e não saberei.
Quer mesmo me encontrar?
No mesmo instante o telefone toca.
Não é você.

Bata mais uma vez, preciso levantar
dessa inércia que me incomoda
todos esses anos.
Escutarei sua voz, mas não sei.
Escuto também minha voz que chama:
Não sou eu.

Bata. Duas, três vezes.
Na cama, eu ainda posso
ver você se aproximando.
Você diz duas, três palavras.
Desliga o telefone.
Mas não somos ninguém.


(2006)