quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Carta 019

Cartas ao vento 019

Está chegando o carnaval. Momento de euforia. Também é momento de relaxar um pouco, esquecendo muitas vezes aquelas velhas cobranças e promessas de final de ano. No carnaval devemos esquecer que estamos sendo cobrados em sermos pessoas melhores. Simplesmente começamos a ser quem queremos ser, sem pensar na perfeição. Carnaval parece ser o último grito de liberdade que se tem durante todo ano.

Não à-toa é uma festa popular. Afinal, em momentos de crise, de tantas cobranças, de desemprego; nada melhor do que pegar alguns dias e se bronzear numa praia. À noite, escutar músicas festivas, regadas à cerveja. Ver o desfile de escola de samba, compostos basicamente de: paixão, suor e sangue. Ver-se desfilando na avenida (antigamente os carnavais aconteciam nas avenidas). E numa madrugada qualquer, entre todos os dias da festa, dormir longamente até a tarde seguinte.

Mais do que disposição física, para “brincar” no carnaval, é necessária uma predisposição mental.

Talvez alguns estrangeiros não consigam entender direito o que significa o carnaval. Mas nos sabemos bem: o ano começa depois dele. Não adianta decretos, normas e regras. A maioria das pessoas pensa na vida depois do carnaval. Os outros quase sessenta dias, depois da festa de virada de ano, são inúteis. É a cultura, é o modo como encaramos os fatos. É o modo como nos sentimos felizes. Alguns povos esperam a terra prometida; outros a volta de um messias. O povo brasileiro espera o fim do carnaval. Basicamente é isso, sem muito o quê questionar.

Talvez por isso eu abomine o carnaval. Não deveria ser assim, eu deveria entrar no ritmo frenético das coisas, deixando a vida me levar. Assim como diz a letra do samba. Todavia, nem mesmo a poética paupérrima do samba me faz levantar da cadeira, sacolejando o corpo como vil obra do acaso, pronta para o entorpecimento e a rele afinidade sexual: a vida parece-me muito mais do que qualquer batuque. Assim, por mais que me cobre, às vezes com intensidade, continuo muito satisfeito em ser mais um “doente do pé”.

Antigamente existia um slogan famoso de uma rádio em São Paulo, que dizia que no carnaval, não existiria qualquer alteração na programação, ou seja, continuaria tocando rock: “No carnaval, programação normal”. Bingo! É isso mesmo: nesse carnaval, continuarei sendo normal, e que peguem a “bagunça” dos paetês, brilhos e etc. e sejam felizes!

E no próprio carnaval, algum gênio disse, num samba enredo, um resumo espetacular de tudo que eu um dia eu tentei falar sobre a festa. A música, em determinado momento, dizia “.... um dia, afinal tinham direito a uma alegria fugaz, uma ofegante epidemia, que se chamava carnaval.....”.

Não preciso mesmo dizer mais nada.
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terça-feira, fevereiro 10, 2009

Carnaval e o Suor

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O carnaval precisa passar logo, senão o Brasil quebra. Não sou um sujeito velho, mas posso dizer que em minha experiência modesta, nunca vi uma situação tão complicada. Não sei se sou eu. Talvez onde eu viva. O que sei é que todo mundo só fala nessa tal crise, convivendo com ela desde os primeiros toques do despertador, até a hora que começa a novela. Na novela tudo se resolve. No Big Brother todos são felizes.

O Brasil parou, assim como o restante do mundo. O dia em que a Terra parou pode ser uma leitura interessante, quando tudo começou a pipocar nos holofotes. A Terra parou em novembro, e parece que seu caminho mais certeiro é o abismo. Que todos se segurem. São necessários braços e pernas firmes, para não correr o risco de uma perdição no despenhadeiro. As notícias mais comuns são de demissão, o que gera uma crise mais do que econômica, mas também social. Crise social gera uma porção de coisas negativas, entre elas a violência.

E o negócio vai se complicando, cada vez mais. No Brasil a esperança sempre tem data limite: o carnaval. Como num divisor de águas, o carnaval serve como parâmetro do que pode ou não dar certo durante o ano. Alguns dizem que as eleições presidenciais são importantes para o humor do país, mas não há como negar a importância do carnaval.

Tanto isso é verdade, que no meio da crise financeira, os negócios estão mal no Brasil exatamente pelo carnaval. A ressaca do começo do ano que termina numa quarta de cinzas, geralmente tão morta quanto todos os meses iniciais do ano. Talvez fosse melhor que o natal começasse no dia 25 e terminasse março (um pouco mais ou um pouco menos). Mas, como isso não acontecerá nunca, vamos convivendo com o banho-maria do primeiro bimestre de todo ano.

Diferente de outros bimestres, esse parece estar ainda mais morno. Evidenciado pela falta de dinheiro dos países ricos e pela falta de tato dos políticos dos países pobres, o que nos resta mesmo é acreditar que o ano será aberto como num milagre. O espantoso acontecimento que se chamará quinta-feira de ouro, logo após o desfile das campeãs. Pensando melhor, a semana do carnaval, mesmo com seus dias úteis, será inútil. Portanto, segunda-feira de ouro que nos aguardem.

Nesse dia os investimentos começarão a brotar da terra. Empregos perdidos nascerão como num passe de mágica. Dinheiro vivo na conta, multiplicando-se como orangotangos no cio (nem sei quanto tempo leva uma gestação desse bicho, mas fica valendo a comparação). Em poucas semanas, resgataremos a dignidade do capitalismo no país mais rico do mundo, respingando oferendas aos pobres do terceiro mundo, que somos nós em desespero orando por dias melhores e rezando para o samba enredo convincente.

Depois do carnaval surgirá um novo homem, desprovido de pensamentos negativos e de doenças contagiosas. Surgirá o empresário sem medo, trabalhadores dispostos e operários em linha de montagem, que funcionará vinte e quatro horas por dia durante sete dias da semana. Deus fez o mundo em sete dias, o Brasil espera a vida durante dois meses.
É a lei da vida, a lei que Marx não escreveu.
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quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Cartas ao vento 018

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Outro dia estava pensando nos textos que eu escrevia. Percebi uma coisa interessante, eu estava completando três meses sem escrever um mísero texto. Pode parecer bobagem para vocês, mas para mim não é. Afinal de contas, desde os meus treze ou quatorze anos, sempre tenho uma idéia para botar no papel. Publicá-las ou não é outra história. Tenho muitos textos na gaveta ou guardadas na memória, bem na parte improdutiva do cérebro. Tenho textos que foram lidos por pessoas que eu nem conheço, graças a tecnologia da comunicação.

Bom, devem ter percebido minha ausência; caso contrário, paciência.

Não tenho idéia, vontade ou desejo de escrever. Para se ter uma noção, esse texto está demorando quase vinte minutos para nascer. Em outras épocas, poucos minutos significavam capítulos (como aconteceu com 42 Pecados, que escrevi em apenas uma semana). Hoje me sinto velho, cansado e sem qualquer espécie de futuro.

Não se aborreçam. Minha vida está ótima.

O que eu digo, desminto, calo e minto (Tenho que buscar em outros autores esse tipo de musicalidade) nos textos; é um assunto estritamente ficcional. Ora, acham mesmo que estou desiludido com a vida? Pois não. Estou desiludido com a literatura? Muito menos. Mas acontece que nada disso tem relação com o fato de escrever ou não. Simplesmente minguou. Secou. Acabou.

Eu sinto muito, pelas pessoas que gostam e admiram meus textos. Eu sei que são poucas, mas são legítimas. Gostam mesmo, curtem, desafiam, criticam, reclamam, opinam; acabam fazendo de tudo que qualquer artista merece. Eu que não sou artista, às vezes me via como. Não sou, podem ter certeza. Escrever é um elo perdido na minha cabeça, como cantar no chuveiro; e imitar guitarras imaginárias.

Pode ser que tudo isso acabe, ou recomece em poucos meses. Pode ser que amanhã eu acorde com mais um romance na cabeça, quem sabe um poema ou uma crônica. Por enquanto, apenas o acaso; sem datas e projetos; nascendo de uma hora para outra, sem revelar o sentido.

Pode ser que tenha virado mesmo esse artista, convivendo com suas piores conseqüências.
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Improdução

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Venha ver-me, nesse dia de verão.
Onde as flores não estão mortas.
Venha para me ver, nos últimos dias.
Esses que chovem.
Conheço meu caminho,
mas tenho andado perdido.
O que preciso ser,
não tenho feito.
Sou um passado desfeito.
Quais palavras eu preciso escrever?
Precisas, diretas; falsas.
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Estou cansado de ser quem eu sou.
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Venha, para eu poder dizer
que as flores não morreram;
mas são seus últimos dias.
Logo em mim, outra estação,
onde as flores caem,
plantas morrem
e a terra fica seca.
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Sem vida, impaciente; desiludida.
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Venha, mas não se assuste.
Meu esboço em ossos, carne
Sem alma e qualquer sentimento.
Venha para ver o último poema,
que nascerá vão.
Encava da solidão e abandono.
E que ditará aos ouvidos
os últimos dias
das flores
e do futuro desfeito.
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Estarei sem vida, cansado e impaciente.
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