sábado, agosto 23, 2008

Espaço

Tenho tanto espaço, preciso voar.
Sem asas, apenas voar. Em silêncio.
Onde a água transborda,
Pensamentos inspiram; e os desejos
se libertam vagos, intensos.
Queria você no espaço, fora do tempo.
Cabelos soltos, ora presos.
Espaço, sem tempo; infinito
Onde brindássemos o requinte.
Onde ninguém duvidasse ser possível.
Onde não existe mais a lei.
A lei para poucos, aqueles que obedecem.
Queria o espaço das curvas, do incerto;
Onde o reto fosse torto, a ida o inverso.
Quem de nos transformaria primeiro
Em virtude o defeito?

O espaço que eu tenho é pequeno,
envolve-me na mão,
poucos metros do sonho.

Tenho espaço para voar, em pensamentos.
Sem água, sufoca-me o silêncio.
Onde os desejos transbordam vagos;
Imensos com o tempo infinito.
Mão presa no destino.
É o certo.
No requinte leal do enfermo.
Que na cura o melhor remédio,
No cárcere o pior destino.
E a curva do espaço,
Que não tem ida nem volta.
Faz o contorno do inverso do tempo.
Quem chegaria feliz ao enlevo?
Quem desejou e saiu na frente
Ou quem amou e saiu primeiro?

O espaço me envolve na mão,
Onde poucos têm sonhos.
Poucos metros, mas eternos.

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sexta-feira, agosto 22, 2008

Carta 009


Odeio escrever poemas. Mas escrevo. Poemas são tensos, complicados e esquisitos. Adoro poemas por causa disso dessa singularidade. Queria que todos pudessem entender meus poemas do jeito que eu entendo. Isso nunca irá acontecer. Cada terá uma percepção sobre o ele Por isso adoro os poemas, apesar de odiá-los.

Odiei escrever alguns deles, são tão inúteis para mim. Não querem dizer nada, não significam nada. Mesmo assim estão ali, todos íntegros. Algumas pessoas amaram esses meus poemas, que são inúteis. O cômico do poema é também criar diferença onde são indiferentes. Uma porção deles, que não gostei, deveriam nunca ter existido. Mas existem, e é por isso que eu os percebo.

No meio desse pensamento lembrei de poemas que eu amei escrever. Verdadeiros, tensos, emocionais; racionais. Históricos. Poemas completos, com começo e meio. Os melhores poemas não têm fim. Esses que eu amei escrever, esses são infinitos, eu continuo escrevendo em cada instante. Em todo momento novas palavras, novos gestos e novas emoções. Os melhores poemas eu não terminei.

Odeio poemas que escrevi, amarei aqueles que ainda não terminei.
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domingo, agosto 17, 2008

Reclamação

008 - RECLAMAÇÃO

Enviei um e-mail para alguns amigos dizendo que estava sem tempo de escrever ou de atualizar meu blog. Até ai nenhuma surpresa. O engraçado dessa questão é que não recebi um e-mail sequer fazendo qualquer comentário. É bem possível que a pessoa do outro lado esteja sem tempo também. Não os culpo por isso, é como querer cobrar promessa de graça não recebida. Afinal, quando me propus escrever, não fiz para receber agrados ou comentários numerosos, fiz porque gosto de escrever, opinar ou mesmo reclamar das coisas. Essa reclamação, por exemplo, de não receber um retorno sequer dos amigos, já fiz inúmeras vezes durante esses últimos anos. E sabe o que aconteceu? Nada.

Não é justo, no entanto, cobrar alguma coisa. Mas seria muito mais confortante receber uma observação dizendo isso ou assado. Não importa que não venham textos enormes, mas que seja sinal de vida. É verdade que ando reclamando demais. Ando querendo mimos. Será que todo artista é assim? Não sou artista, não deveria reclamar disso. Então esqueçam, vamos fingir que essa conversa não existiu, não mandem e-mail (ou seja, voltem ao que é normal e parem de se culpar).

Tudo bem. Não se culparam!



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Amantes Distantes

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Tudo e qualquer coisa,
Mais uma vez, repete-se
E se repelem, cansados
Do dorso nu, e outras partes
Finca, move; retrai.
Tudo será inútil para ambos
Corpos exaustos, longe
Beijo seco, sem sentimento
Não há espaço, nem tempo
Não se amam, isso é tudo.
Tudo e qualquer coisa;
Que ambos estão juntos
Querendo estar distantes
E nunca mais se encontrarem.
Vale agora, para sempre,
A memória o corpo,
E nas noite solitárias,
Imagens do torso,
E dos beijos quentes
E dos amantes,
Que jamais se encontrarão.
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quinta-feira, agosto 14, 2008

Prisão

Essa é minha prisão, onde me sento estanque;
Durmo deitado à noite, e sofro com as horas.
Prisão com paredes brancas, sem quadros,
Esculturas ou relógios, onde as horas não passam.
Esta é a prisão onde como, me lavo e canto,
Onde sinto delicado perfume das flores,
Onde sinto cheiro da moça, onde sorrio de graça.
Essa é minha tortura, da carne e da alma,
De injustiça aparente, da falta de calma.
Prisão onde me olham e desdenham,
Onde poucos amigos sobrevivem,
E poucos me acompanham.

Esta é a prisão onde me liberto, onde me jogo
Sem medo pela correnteza, onde o sexo;
E as outras coisas felizes, me libertam.
Esta é a prisão para onde corro todos os dias,
Em meus vagos pensamentos esperançosos
De fugir da prisão onde meus pés estão presos.
E onde sinto animais ferozes e suas mordidas.
Essa é minha prisão, onde morro todos os dias.
Aquela é a prisão que ainda me dá confiança.
Essa é a prisão de todos os dias.
Onde me querem distantes, mas não me libertam.
Onde devo ficar pelo tempo necessário

Prisão que me dá comida, água e roupa;
Mas nega-me a me dar sonhos.
Esta é a prisão que todos querem. O Inverso
Da prisão que me maltrata, esta me diverte.

Prisão onde tenho asas, onde meus pés não doem.
Essa em pesadas correntes, sem pingo de chuva.
Nem ventos frescos; nem aroma de mato.
Esta prisão que eu quero para todo mundo,
Que um dia se libertará dessa prisão delinqüente.
Essa minha prisão passará um dia,
Quando eu rogar com fé minha decisão,
De sofrer por mim nessa pequena prisão
Ou amar todos naquela prisão infinita.

quinta-feira, agosto 07, 2008

FOLHA 08/05 – SERAFIM E A MORTE DO DRAGÃO (20/03/2005)



Dragão ficou parado. Nem respiro se ouvia. Serafim ainda estava normal, sentia sua perna, seus braços. Tinha sido atingido, era verdade. Ambos com medo de se olharem. Estavam cansados da luta. Dragão não era mostro, nem fabuloso. Serafim não era cavaleiro, nem herói. Brigavam pela boca de fumo, brigavam por causa do poder, brigavam pelo direito de matar, de roubar. Na platéia somente os militantes, esperando um suspiro, um sinal, qualquer sinal que fosse. Começariam a batalha com a morte de um dos dois líderes, isso já estava estipulado. Paus, pedras, facas. Não usariam arma de fogo, nem mesmo Dragão e Serafim poderiam usá-los.

Serafim jogou Dragão no chão. Tinham estatura idênticas, mas Dragão era mais forte. Bateu com a cabeça no chão, não se abalou; apenas um cuspe nojento de sangue. Dragão não tinha dentes, usava dentadura, poucos sabiam disso. Serafim puxou uma faca, tentou acertar a barriga de Dragão, que, com certa agilidade, se esquivou. Durou horas aquela disputa; dizem que durou dias.

Do lado de Dragão eram seis parceiros. Esse era o nome utilizado por Dragão: parceiros. Do lado de Serafim eram sete irmãos. Um deles eu não contei, era menor de idade, quase uma criança. Tinha uma mulher também. Cabelo curto e tatuagem no braço. A garota segurava um pedaço de pau, tinha uma cicatriz enorme no braço esquerdo. Estavam em um beco escuro, pouco movimentado. Do lado direito ficava o prédio de um grande banco, do lado esquerdo uma construção abandonada. Poucos sabiam que o local era campo de guerra.

Mais uma paulada na cabeça de Serafim. Dessa vez ele estava levando a pior. Não imaginávamos a condição que chegariam ao final. Um sol frio e um vento forte naquele momento, estava chegando a noite. Improvisamos uma fogueira bem no centro do beco, a luz não era forte. Continuavam brigando. Serafim acertou um murro na boca de Dragão, ambos não sentiam mais dor, somente o sangue quente escorrendo pelo rosto. O sangue jorrava por todos os cantos, o sangue já estava frio, vermelho bem escuro. E o cheiro? Cheiro de matadouro. Já sentiram cheiro de matadouro? Um cheiro insuportável. Era possível que a briga terminasse com um dos dois mortos, era possível que os dois morressem. Parceiros e Irmãos iriam se gladiar com a morte dos dois? Ficaram atônicos torcendo pela vitória de seus respectivos chefes.

Romantismo não existe mais na luta de marginais. Explodem colégios, restaurantes e matam inocentes. Não sei até que ponto somos inocentes nessa briga. Um tiro acabaria com aquilo, mas não era isso que eles queriam. Queriam brigar como homens. Homens não brigam até a morte, quem faz isso são os animais. Nem animais, eles fogem quando estão perdendo. Mas era assim que decidiriam aquela questão: brigando até a morte. Era mais honrado.

Serafim pega uma pedra. A pedra deveria estar ali mesmo, próximo de Serafim. O destino nem sempre é explicado pela lógica. Levanta até a altura da cabeça, arremessa. A pedra acerta a cabeça de Dragão, quebra os ossos, vemos sangue. Quem se impressiona com sangue não precisa ficar com medo. Naquele momento parecia uma briga de crianças na geleia. Dragão pára por alguns momentos, anda para trás, meio lento. Serafim sabe que a luta está ganha, mas não pode contar vitória antes do tempo. Espera ansiosamente pela queda do inimigo. Dragão já estava inconsciente quanto desabou. Em poucos segundos o ringue improvisado estava lotado com outros bandidos em combate.

A cena poderia estar sendo gravada em silêncio, pois era assim aquela briga. Não se ouvia vozes, gritos. Não se ouvia um lamento sequer. Mas sabíamos que estavam se ferindo, se machucando, perdendo sangue. A dor da derrota seria mais amarga do que alguns arranhões nas costas, nos braços. O menino que acompanhava Serafim morreu depois de dois golpes na cabeça. Numa briga como essas é preferível acertar a cabeça. A finalidade não é machucar, é acabar com o inimigo. A garota, aquela da tatuagem, matou mais dois. Na conta geral da peleja apenas cinco sobreviventes.

Antes que a polícia chegasse, Serafim mais três Irmãos foram embora. Ganharam a guerra, isso era fácil de entender vendo Dragão e mais quatro parceiros mortos. Foi uma briga limpa. Serafim estava mancando, sangrava muito. Valeria mais alguns meses de quietude na guerra pelo tráfico. Poderiam também roubar sem constrangimento. Na época de paz vemos a liberdade dos bandidos, bandidos honestíssimos como Serafim.
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